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Processo nº 671/95
2ª secção Relator: Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A foi condenado na coima de 500.000$00, por despacho de 8 de Fevereiro de 1995, do PRESIDENTE DO CONSELHO DIRECTIVO DO CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LISBOA E VALE DO TEJO, em virtude de se achar a funcionar sem alvará - facto que os Serviços da Inspecção-Geral das Actividades Económicas puderam constatar, em 12 de Agosto de 1994 - o que constitui contraordenação, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 8º, nºs 1 e 2, e 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro.
Inconformada, recorreu para o Tribunal do Trabalho de Almada, invocando a inconstitucionalidade do artigo 27º citado.
O Juiz, por sentença de 26 de Outubro de 1995, por o julgar inconstitucional, recusou aplicação ao referido artigo 27º e condenou a arguida na coima de 100.000$00.
2. É desta sentença que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro.
Neste Tribunal alegou o Procurador-Geral Adjunto que formulou as seguintes conclusões:
1º O Governo, sem autorização da Assembleia da República, só tem competência para fixar os montantes mínimos e máximos das coimas aplicáveis se respeitar os limites estabelecidos no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro;
2º Envolve violação do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social a fixação pelo Governo de limites mínimo e máximo da coima de montante superior ao constante do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, como acontece com a norma desaplicada na decisão recorrida;
3º Termos em que se deve: a) - Julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, a norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, na parte em que fixa em valores superiores aos do limite máximo do regime geral, constante da versão originária do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, à coima aplicável à contra-ordenação prevista e punida no artigo 8º, nº
1, do mesmo diploma; b) - Conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser eventualmente reformulada, no que aos concretos limites da coima aplicada se refere, em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade
De sua parte, a recorrida concluiu como segue as alegações que apresentou: I - As disposições do Art 27º do Dec Lei 30/89 de 24 de Janeiro encontram-se feridas de inconstitucionalidade orgânica. II - Os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis à data da entrada em vigor do Dec Lei 30/89 de 24 de Janeiro eram de 200$00 a 200.000$00, sendo inconstitucionais neste âmbito os valores superiores fixados. III - Não é admissível a aplicação ao caso vertente de contra ordenação incorrida, no âmbito das disposições do Dec Lei 30/89 de 24 de Janeiro, das disposições do Dec Lei 356/89 de 17 de Outubro, por tal resultar numa convalidação, ou suprimento parcial de inconstitucionalidade orgânica originária. IV - Não existe no Direito Português, e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, a figura de constitucionalidade superveniente. V - Da aplicação à ora Recorrente do disposto no nº 2 do Artº 17º do Dec Lei
433/82 resulta que os valores máximos e mínimo da coima aplicável será de 100$00 a 100.000$00. VI - O valor da coima aplicada na sentença recorrida deve ser graduado na mesma proporção dentro da moldura legal que resulta para a Recorrente dos limites impostos pela redacção originária do Artº 17º nº 1 do Dec Lei 433/82, com a consequente aplicação do disposto no nº 2 do mesmo Art 17º do mesmo diploma. Termos em que, por violação do Artº 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, dos artºs 40º, 41º e 42º do Dec. Lei 30/89; do Artº 17º do Dec Lei 433/82 e nos mais que V. Exªs, mui doutamente suprirem, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida, com o que se fará justiça.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. O artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, dispondo sobre as coimas por falta de licenciamento, preceitua: Artigo 27º. Constitui contraordenação punível com coima de 500.000$00 a
1.500.000$00 a abertura ou o funcionamento do estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização de funcionamento provisório, nos termos do artigo 16º.
O preceito acabado de transcrever não estabelece qualquer distinção entre o caso de o arguido ser pessoa singular e o de ser pessoa colectiva, do mesmo passo que não distingue os ilícitos dolosos daqueles que são cometidos por negligência.
No presente caso, porém, apenas está sub iudicio a norma enquanto prevê coimas aplicáveis a pessoas colectivas, pois que só nessa dimensão ela foi aplicada.
É certo que não se afirma na sentença tratar-se de uma pessoa colectiva (recte, de uma sociedade). Simplesmente, ao enumerar os factos provados depois de discutida a causa, fala-se nela na 'sócia gerente da recorrente'. Ao que acresce que esta tem a designação de A.
Há, então, que verificar se o mencionado artigo 27º, enquanto prevê uma coima aplicável a pessoas colectivas que tenham a funcionar, sem alvará, estabelecimentos para idosos, viola, como se decidiu na sentença recorrida, o artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição.
5. Este artigo 168º, nº 1, alínea d), dispõe que é da competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o 'regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo'.
Desse regime geral faz parte, como este Tribunal tem repetidamente decidido, a definição do quadro das sanções aplicáveis a este tipo de ilícito e, bem assim, a fixação dos limites mínimo e máximo das coimas.
O Governo - que, dentro dos limites do regime geral definido pela Assembleia da República (é dizer, dentro dos limites fixados pela lei-quadro do ilícito de mera ordenação social), pode definir contraordenações, criá-las ou eliminá-las e modificar a sua punição -, quando estabelecer as sanções desses ilícitos (designadamente, quando fixar as coimas que lhes correspondem), tem, por isso, que mover-se dentro da moldura constante da respectiva lei-quadro. E, assim, não pode fixar às coimas limite mínimo inferior, nem limite máximo superior aos estabelecidos nessa lei-quadro.
6. O regime geral do ilícito de mera ordenação social consta do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, e pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
É no artigo 17º deste diploma legal que se prevê o montante das coimas.
No que aqui importa - que é o montante de uma coima aplicável às pessoas colectivas - as coimas tinham, na redacção originária do dito Decreto-Lei nº433/82, 200$00 como limite mínimo e, como limite máximo,
3.000.000$00 ou 1.500.000$00, consoante a conduta fosse dolosa ou negligente. Com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, o limite mínimo foi elevado para 500$00; o limite máximo passou para 6.000.000$00, em caso de dolo, e 3.000.000$00, em caso de negligência. O Decreto-Lei nº
244/95, de 14 de Setembro, elevou o montante mínimo para 750$00 e o montante máximo para 9.000.000$00, havendo dolo, e 4.500.000$00, sendo a conduta negligente.
7. No presente caso - recorda-se - o limite mínimo da coima é 500.000$00 - portanto, bastante superior ao montante mínimo fixado pela lei-quadro, seja qual for a versão que dela se considere.
Daqui decorre que o artigo 27º aqui em apreciação, na parte em que fixa o limite mínimo da coima aplicável às pessoas colectivas, não viola o regime geral das contraordenações - e, assim, não ofende o artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição.
O limite máximo da mesma coima é - lembra-se - de
1.500.000$00.
Trata-se de uma coima de montante igual ao fixado pela versão originária do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, para o caso de a contraordenação ser imputável à pessoa colectiva a título de negligência, pois que, havendo dolo, a coima eleva-se a 3.000.000$00.
Assim sendo, se o parâmetro de aferição do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, for a redacção originária do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82; e suposto mesmo que devesse ter-se por assente que no caso se estava perante uma contraordenação cometida por negligência; mesmo assim, aquele artigo 27º, enquanto aplicável às pessoas colectivas, continuaria a não violar a lei-quadro (e assim, a não ofender a Constituição).
De facto, ele fixa a coima em montante igual, mas não superior, ao montante máximo previsto na lei-quadro.
Se o parâmetro de referência dever ser o artigo 17º da lei-quadro, na redacção em vigor à data da prática do ilícito (no caso, a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17de Outubro), a legitimidade constitucional do artigo 27º aqui sub iudicio continua a não oferecer dúvidas.
Na verdade, como se viu, os máximos da coima aplicável
às pessoas colectivas, nessa redacção, são de 6.000.000$00 e 3.000.000$00, consoante haja dolo ou negligência.
No presente caso, não interessa, por isso, decidir se o artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, deve ser confrontado com os montantes da coima fixados na redacção originária do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82 (como sustentará quem entenda que na matéria deve valer o princípio tempus regit actus) ou se com os que foram introduzidos pelo Decreto-Lei nº 356/89 (como propenderá a pensar quem, atendo-se ao facto de a lei-quadro ser simples parâmetro mediato ou interposto de validade - e não lei a que cumpra definir o órgão competente para a fixação do montante das coimas - considere relevante, para o efeito de saber quais os montantes que devem servir de parâmetros de referência, o momento da prática da respectiva infracção).
8. Conclusão:
O artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, enquanto fixa os montantes da coima aplicável a pessoas colectivas que tenham a funcionar estabelecimentos para acolhimento de pessoas idosas, sem alvará, não
é, pois, inconstitucional. Designadamente, ele não viola o artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República.
III. Decisão:
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser reformada em conformidade com o aqui decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 1996 Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida