Imprimir acórdão
Processo: n.º 450/94.
1ª Secção
Relator: Conselheiro Monteiro Diniz.
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nestes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram,
como recorrente ANA — Aeroportos e Navegação Aérea, E. P., e como recorrida A.,
pelas razões constantes da exposição do relator de fls. 542 a 569 e tendo
presentes as respostas produzidas pelas partes, que não vieram contrariar a
fundamentação ali aduzida, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 7 de Junho de 1995. — Antero Alves Monteiro Diniz — Maria Fernanda Palma
— Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da Costa — Vítor Nunes de Almeida
— Armindo Ribeiro Mendes (vencido em parte, nos termos da declaração de voto
junta) — José Manuel Cardoso da Costa (No Acórdão n.º 8/88, único em que até
agora havia sido versada — pelo menos de forma directa e explícita — a questão
da interpretação da parte final do n.º 2 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, propendi a não acompanhar a decisão então tomada e antes a
perfilhar a posição que o Tribunal agora acolhe. Os termos da declaração de
voto em que exprimi o meu voto, porém, já denunciam o meu estado de dúvida a
respeito da questão. É um estado de dúvida que — não tendo voltado a pensar no
problema — ainda mantenho. Daí que deva deixar aqui em aberto a possibilidade
de, em resultado de melhor estudo, vir a subscrever, em definitivo, doutrina
diversa da aplicada pelo Tribunal no presente aresto).
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Votei vencido quanto à decisão de não conhecimento do objecto do recurso
interposto da decisão do tribunal de primeira instância.
Indicarei as razões da minha discordância quanto à tese que fez vencimento.
2 — A tese do presente acórdão — como resulta do acolhimento do teor da
exposição do relator — afasta-se da solução adoptada pela 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional no Acórdão n.º 8/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 11.º Vol., pp. 1065 e segs.), solução esta última que me parece
inteiramente conforme à melhor interpretação do artigo 70.º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional.
Tudo depende de saber qual o sentido normativo da exigência de prévio
esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem estabelecida no citado
n.º 2 do artigo 70.º
3 — Na exposição liminar do relator do presente processo afirma-se que o
Tribunal Constitucional «no domínio deste específico tipo de fiscalização
concreta [ou seja, no recurso de decisão de rejeição contemplado na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional], apenas pode apreciar as
questões de constitucionalidade julgadas em decisões que constituam a última
palavra dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que as tomou» (n.º
10).
A verdade é que constitui a última palavra dentro da ordem judiciária de onde
proveio o recurso de constitucionalidade a decisão de um tribunal de primeira
instância, relativamente à qual se haja tornado impossível recorrer para um
tribunal hierarquicamente superior dessa mesma ordem judiciária, quer a
impossibilidade decorra da perda do direito de recorrer por caducidade (decurso
de prazo), da renúncia ao recurso, quando admissível (como sucede sempre no
processo civil — cfr. artigo 681.º do respectivo Código), ou, paralelamente, de
uma outra razão que obste ao conhecimento do recurso ordinário oportunamente
interposto (por exemplo, extinção do recurso por deserção fiscal ou por falta de
apresentação atempada de alegações ou por falta definitiva de formulação de
conclusões nessa peça processual).
Também nestes casos (perda do direito de recorrer por decurso do prazo; renúncia
ao recurso ordinário; não conhecimento do recurso ordinário interposto por
obstáculo de natureza processual) se pode dizer que a decisão do tribunal de
primeira instância (ou de segunda instância, se se tratar de um tribunal
hierarquicamente intermédio) é uma decisão definitiva sobre a questão de
constitucionalidade.
4 — Nada na história legislativa do n.º 2 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional autoriza a afirmação da tese maioritária de que a expressão
esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem deva ser entendida
como efectiva utilização desses recursos, isto é, utilização levada até ao fim,
ou seja até a uma decisão do tribunal de última instância sobre a questão de
constitucionalidade.
Pelo contrário, sabe-se que a expressão que aparecia no artigo 69.º, n.º 2, da
Proposta de lei n.º 130/II — «já haverem sido utilizados todos os que podiam ter
lugar — foi substituída pela expressão já haverem sido esgotados todos os
[recursos ordinários] que no caso cabiam». Ao menos ao nível verbal, não se vê
que a história do preceito autorize a interpretação perfilhada pela tese
maioritária (cfr. Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, publicação da Assembleia da República, Lisboa, 1984, pp. 468 e
segs.; dos trabalhos preparatórios resulta que o Governo favorecia a tese de
efectiva utilização de todos os recursos, ao passo que o Presidente da Comissão
especializada e o então Deputado António Vitorino preconizavam a possibilidade
de se adoptar o princípio do recurso directo para Tribunal Constitucional «sem
necessidade de percorrer todas as instâncias de recurso que caibam da decisão em
cada caso concreto». A modificação da redacção parece revestir-se de
significado, atenta a redacção do artigo 29.º do Estatuto da Comissão
Constitucional).
5 — A interpretação que preconizo — e que recupera a solução constante do n.º 2
do artigo 29.º do Estatuto da Comissão Constitucional sobre a noção de
esgotamento dos recursos ordinários — é a que dá mais liberdade ao recorrente
permitindo-lhe escolher entre percorrer todas as instâncias da respectiva ordem
judiciária ou, esgotando os recursos ordinários pela caducidade, renúncia ou
outra causa análoga, dirigir-se directamente ao Tribunal Constitucional. Do
mesmo passo, é a que melhor permite minimizar eventuais conflitos em matéria de
interpretação entre os tribunais supremos das diferentes ordens de Tribunais e o
próprio Tribunal Constitucional, poupando o recorrente a uma via crucis longa e
demorada, sendo certo que não se vê por que haveria o legislador de exigir que a
última palavra fosse ditada pela «cadeia hierárquica de controlo», como se diz
na exposição do relator.
Por estas razões, votei vencido quanto à decisão indicada. — Armindo Ribeiro
Mendes.
Exposição preliminar a que se reporta o artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, aditado pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro (Lei do Tribunal
Constitucional)
l — Em autos de expropriação litigiosa distribuídos ao 4.º Juízo Cível da
comarca do Porto, em que é expropriante a Empresa Pública Aeroportos e Navegação
Aérea, ANA — E. P., e expropriados A. e outros, respeitantes à expropriação de
uma parcela de terreno sita na freguesia de Vila Nova da Telha, concelho da
Maia, destinada à instalação de um posto avançado de bombeiros no aeroporto do
Porto, foi interposto recurso da arbitragem pela expropriante e pelos
expropriados, suscitando aquela, nas respectivas alegações, além do mais, a
questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º, 28.º, 64.º, 78.º e
83.º, n.os 1 e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
845/76, de 11 de Dezembro.
Por sentença de 28 de Maio de 1992, foi julgado improcedente o recurso da
expropriante e parcialmente procedente o recurso dos expropriados.
A matéria da questão da inconstitucionalidade foi objecto da seguinte
apreciação:
— Não vislumbro qualquer inconstitucionalidade nas normas dos artigos 27.º,
28.º, 64.º e 78.º do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de
Dezembro).
— Os preceitos que fixam a justa indemnização são perfeitamente compatíveis com
as normas constitucionais e seus princípios e o mesmo acontece com a
circunstância de o tribunal, no comum dos casos, basear a sua decisão no laudo
dos peritos por si nomeados. Quanto a este último aspecto desde que esse laudo
se encontre devidamente fundamentado e respeite as formalidades legais nada
obsta constitucionalmente ao seu normal relevo.
— No que diz respeito à norma do artigo 83.º, n.º 2, do sobredito código (a
inconstitucionalidade do n.º 1, afigura-se-me também sem fundamento) a questão
da sua inconstitucionalidade é pertinente (a este propósito Acórdão da Relação
do Porto de 18 de Setembro de 1990, Colectânea de Jurisprudência, ano xv, tomo
iv, pp. 206 a 210). Porém, o problema dos limites da indemnização, tal como se
encontram enunciados no artigo 83.º, n.º 2, do Código das Expropriações, não se
põe com acuidade no presente caso, pois não existe qualquer problema de
ultrapassagem desses limites, pelo que não conheço directamente da arguida
inconstitucionalidade.
2 — Não conformada com esta decisão, a expropriante dela levou recurso ao
Tribunal da Relação do Porto, onde, por despacho do senhor relator, de 3 de
Novembro de 1992, se fixou prazo para alegações.
No dia 9 de Dezembro de 1992, foram recebidas na secretaria do Tribunal da
Relação, por fax, as alegações que constam de fls. 310 a 332, cujo texto se
apresenta em muitos passos inteiramente ilegível.
No dia 10 imediato, a recorrente apresentou as alegações de fls. 334 a 345,
acompanhadas de um parecer jurídico e de um documento.
E no dia 11 do mesmo mês, o senhor advogado da expropriante veio expor e
requerer o seguinte:
1 — O advogado tinha pedido no dia 2 do corrente, por requerimento escrito, a
confiança do processo por cinco dias, que lhe foi deferido, terminando este
prazo no dia 10 deste mesmo mês.
2 — Por só na manhã do dia 10 de Dezembro de 1992, ter tomado conhecimento, uma
vez ter estado ausente todo o dia 9, que a sua funcionária, devido a doença
súbita relacionada com problema crónico de bronquite asmática que sofre que a
impediu de nesse dia trabalhar no escritório, não tinha entregue nesse dia 9 —
último dia para alegar — o processo que se encontrava na sua posse, juntamente
com as alegações, mas pelo contrário, do escritório tinha sido enviado pelas 17
horas um fax dirigido à respectiva secção, face a esta situação entrou-se nessa
altura em contacto com o Ex.mo Sr. Escrivão do processo a fim de lhe ser
solicitado a passagem das respectivas guias de multa.
3 — Nesse momento, o Ex.mo Senhor Escrivão responsável pelo Processo em questão
entendeu não dever passá-las, por entender não se tratar de um acto processual e
perante tal posição, entregou-se nesse momento o processo e respectivas
alegações.
4 — Entende, porém, o requerente que podendo apresentar as alegações até ao dia
14, poderá requerer, no dia 10, a passagem das guias de multa, juntamente com a
entrega do processo, que lhe tinha sido confiado por cinco dias a terminar
também neste dia 10.
5 — A isto acresce que, não obstante o prazo da entrega do processo confiado
terminar no dia 10 referido, a funcionária do escritório Anabela Ferreira
Miranda, por volta das 17 horas do dia 9, levou por desconhecimento o respectivo
Processo ao 4.º Juízo Cível do Porto — 2.ª Secção, identificado na capa
principal, por aí ter corrido termos, tendo sido atendida por um funcionário de
nome Azevedo que lhe explicou já não ser ali o local de entrega, mas sim na
Relação. Após isto, esta dirigiu-se à Relação, contudo não foi possível a sua
entrega, em virtude da porta já se encontrar encerrada.
6 — Atendendo aos factos descritos, deve considerar-se que a atitude do
requerente se encontra de harmonia com os prazos de entrega das respectivas
alegações, bem como do processo.
3 — Entretanto, com a data de 15 de Dezembro de 1992, o senhor escrivão do
processo lavrou nos autos termo de conclusão, ali lançando, concomitantemente, a
seguinte informação:
Ex.mo Senhor Desembargador Relator
Permito-me, desde já, informar o seguinte:
1.º O prazo das alegações terminava no dia 9. Neste dia foram, recebidas,
por fax, as alegações ilegíveis que constam de fls. 310 e segs.
2.º O douto mandatário da apelante, requereu a confiança do processo no dia 2
e por cinco dias, cujo prazo lhe terminava no dia 10.
3.º Com a entrega das alegações deveria aquele douto mandatário ter entregue
o processo, o que não fez.
4.º Apenas no dia 10 fez tal entrega. Ao fazer a entrega do processo
solicitou guias para pagamento da multa. Na altura foi dito à empregada daquele
douto mandatário que, não havia lugar à passagem de quaisquer guias de multa,
uma vez que as alegações, tinham entrado, por fax, embora pouco legíveis no
último dia do prazo.
5.º No meu modesto entender a entrega do processo não me parece um acto
processual e como tal não passei as solicitadas guias nos termos do artigo
145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
6.º A serem passadas as guias de multa, ter-se-ia de entender que as
alegações recebidas por fax eram ilegíveis e como as alegações de fls. 334
entraram no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo, estaríamos em presença
de um acto processual cuja validade do mesmo ficaria dependente do pagamento de
uma multa, imediata, no montante de 50 000$00.
É quanto se me oferece dizer sobre o assunto.
4 — Depois de os apelados terem respondido ao requerimento da recorrente, por
despacho de 19 de Janeiro de 1993, foi julgado deserto o recurso por falta de
alegações.
Para tanto, aduziu-se a seguinte fundamentação:
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 705.º do Código de Processo Civil,
ao qual pertencerão todos os preceitos a indicar sem referência expressa, o
prazo durante o qual é facultado à parte o exame do processo coincide com o
prazo fixado para a respectiva alegação, não havendo portanto necessidade de
requerer e fixar prazo para exame, como sucede nos casos previstos no artigo
169.º
O prazo para exame do processo com vista à elaboração das alegações está fixado
por disposição da lei, devendo a secretaria confiar o processo, pelo prazo
marcado, ao mandatário judicial, a simples pedido verbal do mesmo e
independentemente de outro despacho.
Porém, prescreve o n.º 2 do artigo 171.º que, se o mandatário deixar de
entregar o processo até ao último dia do prazo de exame… — quando o processo
houver sido confiado para alegação escrita —, perde também o direito de a
juntar.
É diferente a redacção actual da que tinha o § 2.º do mesmo preceito do Código
de 1939, no qual se facultava ao advogado a entrega do processo nos cinco dias
posteriores ao termo do prazo, sendo certo que, já então, a não entrega do
processo dentro desses cinco dias acarretava as mesmas sanções (Alberto dos Reis
— Com., vol. ii —, pp. 221 e segs.).
No caso sub judice, veio o ilustre mandatário da apelante justificar a entrega
extemporânea do processo mas com fundamentos que se não mostram razoáveis e que,
ainda que provados, não integram o conceito de justo impedimento.
O artigo 146.º n.º 1 considera «justo impedimento o evento normalmente
imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o
acto por si ou por mandatário». No dizer de Alberto dos Reis — ob. cit., pp. 72
e segs. —, «o interessado não pode colocar-se ao abrigo do justo impedimento
quando tenha havido, da sua parte, culpa, negligência ou imprudência».
Ora, mesmo não pondo em causa a doença da funcionária do escritório, não pode
dizer-se que tal doença gerou a impossibilidade da oportuna entrega do processo,
quer por ela própria quer por intermédio de outrem. Aliás, não apresentou o
requerente documento médico comprovativo de tal doença e é consabido que a
impossibilidade de praticar o acto tem que ser aferida pela natureza e gravidade
da doença. Sobre este ponto nada acrescentariam os depoimentos do Sr. Escrivão
e funcionário judiciais.
Também não colhe o facto de a mesma funcionária (ou outra), ter levado o
processo já «por volta das 17 horas do dia 9» à 2.ª Secção do 4.º Juízo Cível,
em vez de o apresentar na Secretaria da Relação. Por um lado, o mais elementar
dever de diligência inpunha que se não esperasse pelas 17 horas do último dia do
prazo para entregar o processo; e por outro, não pode conceber-se que uma
funcionária de escritório de advogado ignorasse onde devia fazer a entrega, uma
vez que da respectiva capa constava, como e óbvio, o Tribunal em que o mesmo
corria termos, e o certo é que, as alegações por fax não foram enviadas para o
4.º Juízo Cível mas sim para a Relação.
Terá pois que improceder a justificação para a entrega extemporânea do processo
apresentado pelo ilustre mandatário da apelação.
No acórdão proferido no Processo n.º 15/92 da 4.ª secção desta Relação, no qual
se citam, no mesmo sentido, o Acórdão de 15 de Fevereiro de 1990 proferido no
Processo n.º 89/97 da mesma secção e o despacho de 11 de Dezembro de 1992
proferido no Processo n.º 837/91, também da 4.ª secção, foi decidido mandar
desentranhar as alegações juntas para além do prazo com pagamento de multa, por
virtude de o processo confiado só com elas ter sido restituído.
Pese embora, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do artigo 171.º, n.º 1 do artigo
292.º e n.º 2 do artigo 690.º, todos do Código de Processo Civil, ordeno se
desentranhem e entreguem à apelante as suas alegações de fls. 310 a 332 e de
fls. 334 a 372, julgando assim, como julgo, deserto o recurso, por falta de
alegações, pela mesma interposto.
A recorrente veio então requerer que, por se considerar agravado pelo despacho
do relator fosse aquele submetido à conferência a fim de sobre a matéria ali
decidida recair um acórdão.
E, na continuidade do assim requerido, foi tirado o acórdão de 13 de Abril, que
decidiu manter integralmente aquele despacho no qual se ordenou o
desentranhamento das alegações da apelante de fls. 310 a 332 e de fls. 334 a
372, e se julgou deserto o respectivo recurso.
5 — Deste acórdão interpôs a expropriante recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, fechando as alegações, a que juntou um parecer jurídico, com o seguinte
quadro conclusivo:
1.º O prazo para alegar é um prazo peremptório a que se aplica o regime
prescrito nos n.os 5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil.
2.º Contrariamente ao defendido pelo douto acórdão recorrido, a entrega do
processo confiado para alegar, com processo pendente, é um acto processual, dado
que se insere nesse processo e tem os seus pressupostos e os seus efeitos
definidos na Lei do Processo.
3.º A devolução do processo no dia 10 de Dezembro de 1992, não só face ao
prazo de cinco dias concedido e ao invocado justo impedimento, mas sobretudo por
esta se ter verificado no 1.º dia útil a seguir ao termo do prazo para
alegações, data da entrega destas, foi, assim, intempestiva.
4.º À sua restituição aplica-se, por isso, o disposto no artigo 135.º, n.º 5,
do Código de Processo Civil, e pode verificar-se enquanto for possível alegar,
isto é, até ao termo dos três dias posteriores ao termo fixado pelo juiz para
alegar, desde que acompanhado da multa prescrita naquele artigo.
5.º A não admissão do recurso interposto da sentença proferida, prejudica de
forma gravosa a Recorrente.
Ao assim decidir, o douto acórdão da Relação violou, entre outros, os artigos
171.º, n.º 1, 208.º, 292.º, 198.º, n.º 3, 705.º, n.os 1 e 3, e 145.º, n.os 5 e
6, todos do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado o mesmo,
dando-se provimento ao agravo interposto, considerando que o processo foi
restituído tempestivamente e nele se devam manter as alegações produzidas pela
Recorrente e o processo prosseguir os seus termos.
Na contralegação depois oferecida, vieram os recorridos dissentir deste
entendimento, rematando assim o seu discurso argumentativo:
1.º Logo que as alegações sejam apresentadas cessa a razão justificativa da
concessão do prazo para exame, pelo que tendo aquelas dado entrada na Secretaria
do Tribunal da Relação do Porto no dia 9 de Dezembro, o processo deveria
igualmente ser entregue nessa mesma data.
2.º O prazo de exame não é um prazo peremptório não se lhe aplicando, por
isso, o regime prescrito nos n.os 5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo
Civil.
3.º A entrega do processo não representa o cumprimento de um ónus mas sim de
um verdadeiro dever jurídico.
Assim, o acórdão recorrido ao confirmar o despacho do ilustre Relator que mandou
desentranhar as alegações e em consequência julgou deserto o recurso por
intempestividade na entrega do processo que houvera sido confiado para exame ao
mandatário da recorrente aplicou e interpretou correctamente os artigos 145.º e
171.º do Código de Processo Civil, pelo que deve aquele acórdão ser mantido.
6 — No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Conselheiro Relator depois de
admitir o recurso proferiu o seguinte despacho:
Nos autos dá-se conta de que por requerimento da recorrente teria sido pedida a
confiança do processo o que teria sido deferido pelo prazo de cinco dias.
Como no acórdão recorrido se refere «o relator desconhecer e ser alheio» ao
referido pedido, sendo importante esse facto para a decisão da causa, oficie-se
ao Ex.mo Relator para dizer o que se oferecer sobre o assunto, remetendo, se for
caso disso, o referido documento ou sua fotocópia autenticada, logo que
possível.
E, na sequência deste despacho e do ofício expedido ao Tribunal da Relação do
Porto, foram enviados os documentos de fls. 473 a 475 respeitantes ao pedido de
confiança do processo e às respectivas datas de saída e retorno à secretaria do
tribunal.
A recorrente, entretanto, fez juntar aos autos um novo parecer jurídico.
Por acórdão de 26 de Janeiro de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça, veio a
negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Suportou-se nesta fundamentação:
A matéria fáctica relevante para a decisão da questão posta neste recurso, é a
que vem exposta no relatório deste aresto pelo que nos dispensamos de aqui a
repetir. Dela resulta substancialmente que a recorrente após ter feito chegar
à Relação, por fax, a sua alegação de recurso, no último dia do prazo fixado
para esse efeito, fez apresentar nesse Tribunal uma nova cópia, agora legível,
da sua alegação no dia seguinte e, bem assim, o processo em causa, que havia
pedido, como já se anotou, para examinar em sua casa.
Ora, dispõe o n.º 2 do citado artigo 171.º que «se (o mandatário) deixar de
entregar o processo até ao último dia do prazo de exame, incorre nas penas
cominadas no artigo anterior e quando o processo tiver sido confiado para
alegação escrita, perde também o direito de a juntar» e compreende-se que assim
seja, primeiro porque, nos termos do n.º 3 do artigo 705.º do CPC, o exame do
processo é facultado à parte respectiva para preparar a sua alegação e depois
porque o mesmo tem, a seguir, que ser facultado à parte contrária, para poder
preparar a sua alegação, pois que, de outro modo, ficaria prejudicado. Assim,
com a apresentação da sua alegação em 9 de Dezembro de 1992, a recorrente
cumpriu o seu ónus de a apresentar e até essa data, pela razão apontada, tinha o
direito de reter o processo para exame, sendo írrita, para tal efeito, a
eventual necessidade de apresentar cópia legível da mesma. A partir daquela
data, e independentemente do direito que lhe conferia o n.º 5 do artigo 145.º,
já citado, tinha, pois, a recorrente o dever de devolver ao Tribunal o processo
que lhe fora confiado para alegação escrita, sob pena da sanção prescrita na
última parte do mencionado dispositivo do n.º 2 do artigo 171.º, que, por isso,
bem aplicado foi pela Relação, sendo de realçar que nem sequer foi deferido o
prazo para exame requerido pela recorrente, conforme se vê da fotocópia junta a
fls. 474. Se a Secretaria Judicial da Relação anotou, por sua livre iniciativa,
a data de 10 de Dezembro de 1992, como de devolução do referido processo,
assumiu a responsabilidade do seu acto.
Assim, bem diferente demonstra ser o condicionalismo fáctico que originou o
acórdão deste Supremo Tribunal datado de 14 de Janeiro de 1993, com o que, e por
não merecer qualquer reparo, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o
acõrdão recorrido.
A recorrente requereu então a nulidade deste acórdão por ofensa ao disposto nas
alíneas d), b) e e) do artigo 668.º do Código de Processo Civil, argumentando
assim:
1 — Existe no acórdão pronúncia indevida, pois nem no acórdão da Relação nem nas
conclusões da alegação da recorrente para o Supremo a questão do fax é levantada
e versada.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ao aceitar o fax para alicerçar a sua
decisão — fax jamais admitido pela recorrente — encontra-se ferido da nulidade
mencionada na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de
Processo Civil.
2 — Não versou também a questão levantada: constituir ou não acto processual a
entrega do processo confiado, ao qual pode ser aplicado o artigo 145.º, n.º 5,
do Código de Processo Civil, pelo que existe a omissão de pronúncia que preenche
a nulidade da 1.ª parte da alínea d) do artigo 668.º, n.º 1.
3 — O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça — caso lhe fosse permitido aceitar
o fax — devia fundamentar de facto e de direito a razão da admissão deste, o que
não fez, integrando a nulidade da alínea b) do n.º 1 do referido artigo 668.º
Acontece porém, que o fax aceite pelo acórdão não consta da lista oficial
imposta pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, pelo que devia ter sido
ordenado o seu desentranhamento, ficando de pé a questão da aplicação do artigo
145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil à alegação apresentada no dia 10.
A decisão proferida e baseada em tal fax, é assim ineficaz e nula nos termos do
artigo 668.º, alínea b).
Juntou com o respectivo requerimento novos documentos e uma adenda a parecer
jurídico anteriormente trazido aos autos.
Os expropriados responderam em termos de a arguição de nulidades dever ser
desatendida.
E, por acórdão de 13 de Abril de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça julgou
improcedente a reclamação.
A expropriante de novo veio suscitar, relativamente a este arresto, a arguição
de nulidade por ofensa ao disposto nas alíneas b) e d) do artigo 668.º do Código
de Processo Civil.
O Supremo Tribunal de Justiça, depois de ouvidos os expropriados, por acórdão de
28 de Junho de 1994, outra vez julgou improcedentes as arguidas nulidades.
7 — A expropriante apresentou então requerimento de recurso para o Tribunal
Constitucional «da Sentença e do Acórdão do STJ nos termos dos artigos 280.º,
n.º 1, alíneas a) e b), e 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e
artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alíneas a) e b), 71.º, 72.º, 75.º, 76.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, e Lei
n.º 85/89, de 7 de Setembro», requerimento esse assim formulado:
A) A Sentença que determinou o recurso da aqui recorrente aplicou o artigo
83.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Novembro, norma cuja
inconstitucionalidade havia sido suscitada pela recorrente na sua alegação
(Fls.) — artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 845/76 — ou seja, antes de esgotado o
poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria a que a questão da
inconstitucionalidade respeita, por violação dos artigos 62.º, n.º 2, 13.º e
205.º da Constituição.
B) O facto do Acórdão não aplicar os artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º
28/92, de 27 de Fevereiro, e artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil,
assim como, a sentença em causa que determinou os recursos não aplicar o
constante do artigo 4.º do Decreto n.º 45 987, de 24 de Outubro de 1964, e o
artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, tem de ser interpretado
como tendo-se considerado implicitamente tais normas inconstitucionais. Com
base no artigo 207.º da Constituição deverá o Tribunal Constitucional conhecer
desta decisão de desaplicação das referidas normas, notoriamente constitucionais
(neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 1017 e segs.).
C) Quer o Acórdão da Relação, quer o do STJ, aceitaram como válido e eficaz e
com força obrigatória plena para fundamentar a decisão um fax que não consta da
lista oficial (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/92), violando, assim, o artigo
206.º da Constituição, que estabelece a sujeição dos Tribunais à Lei, e o artigo
3.º, n.º 3, da Constituição que determina a dependência da validade dos actos
jurisdicionais da sua conformidade com a Constituição. Deste modo, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional, embora na falta de disciplina jurídica
específica e de acordo com o artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a
tal recurso devam ser aplicadas subsidiariamente as regras do recurso de Revisão
(neste sentido, Paulo Otero, Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional,
Lisboa, 1993).
O recurso foi recebido no Supremo Tribunal de Justiça, e os autos subiram ao
Tribunal Constitucional, entendendo porém o ora relator que, por inverificação
dos pressupostos indispensáveis à abertura da via da fiscalização concreta de
constitucionalidade, não deve tomar-se conhecimento do seu objecto.
8 — Como resulta do respectivo requerimento de interposição a recorrente
pretende sujeitar à sindicância deste Tribunal o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 26 de Janeiro de 1994 — confirmativo do acórdão do Tribunal da
Relação que julgou deserto o recurso interposto da decisão do tribunal de 1.ª
instância —, e a sentença do 4.º Juízo Cível da comarca do Porto, de 28 de Maio
de 1992, que julgou os recursos opostos à arbitragem.
Começará por se apreciar a matéria respeitante ao acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça.
Em ordem à impugnação deste arresto a recorrente serve-se de uma dupla via de
fundamentação:
a) Ao não aplicar as normas constantes dos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei
n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo
Civil, o acórdão «tem de ser interpretado como tendo-se considerado
implicitamente tais normas inconstitucionais»;
b) Por outro lado, o mesmo aresto aceitou «como válido e eficaz e com força
obrigatória plena para fundamentar a decisão um fax que não consta da lista
oficial (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/92), violando, assim, o artigo 206.º
da Constituição, que estabelece a sujeição dos Tribunais à Lei, e o artigo 3.º,
n.º 3, da Constituição que determina a dependência da validade dos actos
jurisdicionais da sua conformidade com a Constituição.
Mas, em ambas as situações não se mostram verificados os requisitos de que
depende a admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta de
constitucionalidade.
Vejamos.
Das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com
fundamento em inconstitucionalidade, as chamadas decisões de acolhimento ou
decisões positivas de inconstitucionalidade, cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, recurso directo, imediato e obrigatório para o Ministério
Público, independentemente de a causa admitir ainda recurso ordinário.
As partes não se acham adstritas a este específico regime processual, podendo
optar pelo recurso directo e imediato ou pela prévia exaustão dos recursos
ordinários quando estes tenham lugar [artigo 280.º, n.os 1, alínea a), e 2, da
Constituição e artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional].
Como tem sido salientado pela jurisprudência deste Tribunal a recusa de
aplicação de uma norma, com fundamento em inconstitucionalidade, para efeitos de
recurso da respectiva decisão, não tem de manifestar-se de forma expressa,
bastando que essa recusa se contenha implicitamente na fundamentação da decisão
recorrida (cfr. por todos o Acórdão n.º 62/84, Diário da República, II Série, de
29 de Dezembro de 1984).
Simplesmente, o quadro material e normativo que serviu de suporte ao acórdão
recorrido não autoriza a conclusão de que nele se tenha procedido à desaplicação
de qualquer norma, maxime das normas referenciadas pela recorrente, com
fundamento em inconstitucionalidade.
E isto porque, quer as normas do Decreto-Lei n.º 28/92, que disciplinam o
recurso à telecópia na prática de actos das partes ou intervenientes processuais
(artigo 2.º) e estabelecem a força probatória das telecópias dos articulados,
alegações e outros actos das partes (artigo 4.º), quer a norma do artigo 145.º,
n.º 5, do Código de Processo Civil, que autoriza a prática de actos processuais
para além do termo do respectivo prazo, não tinham de ser convocadas como
fundamento normativo do acórdão recorrido, cuja linha decisória se centrou nas
disposições dos artigos 171.º, n.º 2, e 705.º, n.º 3, do Código de Processo
Civil.
Com efeito, não se surpreende na sua fundamentação, que o Supremo Tribunal de
Justiça tenha admitido a hipótese de tais normas serem aplicáveis na decisão da
causa, rejeitando-as depois por força de um juízo de inconstitucionalidade; a
não utilização de tais normas não resultou de uma qualquer censura
constitucional, mas apenas do facto de a sua estatuição não ser pertinente para
o julgamento da matéria controvertida.
E assim sendo, não existiu qualquer recusa de aplicação de normas com fundamento
em inconstitucionalidade.
9 — O legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto
típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da
constitucionalidade (cfr. os artigos 278.º, 280.º e 281.º da Constituição) o
conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais
em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de
fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Com efeito, como vem sendo reiteradamente definido pela jurisprudência deste
Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de
decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam
impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas
se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas
com interesse para o julgamento da causa (cfr. por todos os Acórdãos n.os 128/84
e 274/88, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 12 de Março de
1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
Ora, quando a recorrente alega que o acórdão aceitou «como válido e eficaz e com
força obrigatória plena para fundamentar a decisão um fax que não consta da
lista oficial (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/92)» não questiona a validade
constitucional de qualquer preceito, antes contesta, em si mesmo, o mérito da
própria decisão, que, como já se viu é insusceptível de recurso de
constitucionalidade.
10 — Expostas as razões do não conhecimento do recurso interposto do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, cabe passar a apreciar o recurso interposto da
sentença do tribunal de 1.ª instância.
O conhecimento dos recursos relativos a decisões de rejeição, isto é, decisões
negativas de inconstitucionalidade, acha-se condicionado pela verificação, além
de outros, de dois pressupostos essenciais: a norma cuja constitucionalidade foi
suscitada pelo próprio recorrente há-de depois vir a ser utilizada na decisão
impugnada como seu fundamento jurídico-normativo; da decisão aplicativa de tal
norma não poderá caber recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se
haverem esgotado os que no caso cabiam [cfr. artigo 280.º, n.os 1, alínea b), e
4, da Constituição e artigo 70.º, n.os 1, alínea b), e 2, da Lei do Tribunal
Constitucional].
O Tribunal Constitucional, no domínio deste específico tipo de fiscalização
concreta, apenas pode apreciar as questões de constitucionalidade julgadas em
decisões que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que
pertence o tribunal que as tomou.
E isto é assim porque a intervenção do órgão de fiscalização concentrada de
constitucionalidade só se justifica quando, na ordem dos tribunais de que dimana
a decisão recorrida, se haja decidido definitivamente a questão de
constitucionalidade.
Ora, e independentemente de a sentença do tribunal de 1.ª instância ter ou não
aplicado como seu fundamento o segmento da norma do artigo 83.º, n.º 2, do
Código das Expropriações de 1976, impugnado pela recorrente — com efeito, ali
não se conheceu da inconstitucionalidade com base na consideração de que «o
problema dos limites da indemnização não se põe com acuidade no presente caso» —
o certo é que na situação em apreço, por facto imputável à recorrente não se
esgotaram os recursos ordinários que no caso cabiam.
Com efeito, havendo sido julgado deserto o recurso interposto da sentença do
tribunal de 1.ª instância (deserção confirmada pelos tribunais de recurso e
consolidada por força do caso julgado na eventualidade de o recurso de
constitucionalidade oposto ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não ser
admitido) tudo se passará, no plano de um efectivo controlo da questão de
constitucionalidade no âmbito da ordem dos tribunais judiciais, como se tal
recurso não tivesse sido interposto.
Pese embora a orientação que este Tribunal, a propósito de um caso similar já
decidiu (cfr. Acórdão n.º 8/88, Diário da República, II Série, de 15 de Março de
1988), entende-se que a locução contida no artigo 70.º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional «por já haverem sido esgotados todos [os recursos
ordinários] os que no caso cabiam» deverá ser interpretada em termos de
significar uma efectiva utilização desses recursos.
Não basta que o recorrente manifeste o propósito de sujeitar a questão de
constitucionalidade à apreciação do tribunal superior abstendo-se depois de
praticar com diligência os actos de que depende essa apreciação. Para que a
exaustão dos meios ordinários de recurso se mostre verificada em termos de a
exigência da lei se ter por preenchida, há-de o recorrente submeter a questão de
constitucionalidade a efectiva verificação do tribunal superior pois só assim é
que a decisão recorrível para o Tribunal Constitucional se apresentará perante
este, como a última palavra (no sentido de palavra final, ditada por uma cadeia
hierárquica de controlo) dentro da ordem de tribunais em que se integra aquele
que a proferiu.
Um entendimento da norma do artigo 70.º, n.º 2, diverso daquele que se defende,
permitiria que as decisões de rejeição passassem a ser directa e imediatamente
recorríveis para o Tribunal Constitucional (tal como acontece com as decisões de
acolhimento) bastando para tanto que os recorrentes deixassem desertos os
respectivos recursos.
Não se crê que seja esta a melhor leitura do sistema dos recursos de
constitucionalidade instituído pelo legislador, nem tão pouco se consideram
significativas as razões que em tal sentido o Acórdão n.º 8/88 foi haurir ao
Decreto-Lei n.º 503-F/76, de 30 de Junho (Estatuto da Comissão Constitucional) e
ao texto da proposta de lei e dos trabalhos parlamentares que estiveram na
génese da Lei n.º 28/82.
Assim, na decorrência do exposto, por inverificação de pressupostos de que
depende a admissibilidade do recurso das decisões de rejeição, não se pode
conhecer da impugnação dirigida pela recorrente à norma do artigo 83.º, n.º 2,
do Código das Expropriações de 1976.
11 — A recorrente, em plano diverso de fundamentação, pretende ainda impugnar a
decisão do tribunal de l.ª instância com base na consideração de que «ao não
aplicar o constante do artigo 4.º do Decreto n.º 45 987, de 24 de Outubro de
1964, e o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, tem de ser
interpretado como tendo-se considerado implicitamente tais normas
inconstitucionais».
Independentemente de se saber se, não tendo sido interposto recurso directo e
imediato de constitucionalidade de uma decisão caracterizada como «decisão de
acolhimento», optando-se pelo recurso para o Tribunal da Relação, entretanto
julgado deserto ainda caberá agora o accionamento daquela via de recurso, deverá
dizer-se que na sentença do tribunal de l.ª instância não se procedeu à
desaplicação de qualquer norma, nomeadamente as normas do artigo 4.º do Decreto
n.º 45 987, respeitante às proibições decorrentes das servidões aeronáuticas
gerais, e do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, relativo à utilização de
solos da Reserva Agrícola Nacional «RAN» condicionadas pela lei geral.
Como decorre dos seus termos, mais precisamente do que consta de fls. 289 v. a
290 v., sob as epígrafes — «A questão da servidão aeronáutica incidente sobre a
parcela expropriada» — e — «A questão da parcela expropriada se integrar na
reserva agrícola nacional» — a fundamentação utilizada naquela decisão a
propósito destas matérias não consente a ilação de ter-se ali verificado um
qualquer juízo de recusa de aplicação das normas ora em causa com base em
inconstitucionalidade.
E assim sendo, inexistindo também aqui um dos pressupostos indispensáveis à
admissibilidade do recurso, não pode relativamente a tais normas dele tomar-se
conhecimento.
Cumpra-se o disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1994. — Antero Alves Monteiro Diniz.
1 -Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Maio de 1996.