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Proc. nº 564/94
2ª Secção
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. e mulher, B., intentaram no
Tribunal Judicial da Guarda contra D. e mulher, E., F. e mulher G., H. e mulher,
I., J. e mulher, L., M. e mulher, N., e O. e mulher, P., acção de preferência
na compra e venda de um prédio rústico, em que outorgaram como compradores os
réus O. e mulher, e como vendedores os restantes.
Os réus contestaram, invocando
nomeadamente a excepção de caducidade do direito dos autores, por estes não
terem procedido oportunamente ao depósito do preço correspondente à venda do
prédio objecto da preferência. Os autores responderam à excepção.
2. No despacho saneador, o tribunal
julgou a excepção procedente, considerando caducado o direito de preferência
invocado pelos autores (artigo 1410º do Código Civil), e consequentemente
absolveu os réus do pedido.
Os autores reclamaram, invocando, além do
mais, contradição entre os fundamentos e a decisão, e acrescentando também ser
inconstitucional a norma do citado artigo 1410º do Código Civil, na
interpretação adoptada pelo tribunal, «por entender que se dá a caducidade
cumulativamente, quer quando o preferente deixa ultrapassar o prazo, quer quando
não deposita previamente o preço».
3. Tendo-lhes sido indeferida a
reclamação, recorreram para o Tribunal Constitucional, para apreciação da
questão de inconstitucionalidade invocada; porém, no Tribunal Judicial da
Guarda, não foi admitido o recurso, por tal questão não ter sido suscitada
durante o processo, conforme o exige o artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional.
E, daí, a presente reclamação, em que os
autores pedem a este Tribunal que mande admitir o recurso.
O Ministério Público, no seu visto,
emitiu parecer no sentido de que a reclamação é improcedente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
4. O recurso não foi admitido pelo
tribunal a quo por os autores não terem suscitado a questão de
inconstitucionalidade durante o processo, só o tendo feito depois de proferida a
decisão final, em reclamação apresentada ao abrigo dos artigos 669º, alínea a),
e 668º, do Código de Processo Civil.
A isto, os autores opõem que só nessa
decisão final foi aplicada a norma considerada inconstitucional, pelo que a
questão foi suscitada tempestivamente no requerimento em que pediram
esclarecimentos e reclamaram por nulidades; tal questão, acrescentam, foi
suscitada depois de proferida a decisão final, mas antes de ela ter transitado
em julgado, e portanto «durante o processo», conforme se exige no artigo 70º, nº
1, alínea c), da L.T.C.
Mas sem razão.
5. É que, como vem decidindo em extensa
jurisprudência o Tribunal Constitucional, a expressão «durante o processo»,
constante do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e artigo 70º, nº 1,
alínea b), da L.T.C., deve ser tomada não num sentido puramente formal (tal que
a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas
num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em
momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão - isto é,
antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que respeita.
Ora, como esse poder jurisdicional se
esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e como a eventual aplicação de
uma norma inconstitucional não constitui um erro material, não é causa de
nulidade da decisão nem a torna obscura ou ambígua, segue-se daí que o pedido de
aclaração de uma decisão ou uma reclamação por nulidade desta já não são, em
princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de
inconstitucionalidade; e só o serão excepcionalmente, quando o poder
jurisdicional não se esgote com a sentença, ou em alguma situação excepcional em
que o interessado não teve, de todo em todo, a oportunidade processual de
levantar a questão antes de proferida aquela sentença (veja-se, sobre esta
matéria, o Acórdão nº 450/87, publicado no Diário da República, II série, de 22
de Agosto de 1988, e a demais jurisprudencia aí citada; e, bem assim, o
Acórdão nº 169/93, ainda inédito).
6. No presente caso, e conforme observa o
Ministério Público, ao intentarem a acção de preferência, os reclamantes não
ignoravam que o artigo 1410º do Código Civil seria aplicado. E tanto assim,
acrescente-se, que até o referiram expressamente na petição inicial, ao pedirem
que o tribunal os notificasse do despacho de citação.
A interpretação da disposição legal em
causa - adoptada pelo tribunal de primeira instância, e que os reclamantes
consideram inconstitucional - é, aliás, uma interpretação corrente na
jurisprudência, nada impedindo, igualmente, que os reclamantes tivessem
invocado logo a inconstitucionalidade da norma, com essa interpretação.
Não o tendo feito nos articulados da
acção, nomeadamente na resposta à contestação, não procederam os reclamantes de
maneira a dar ao tribunal recorrido a oportunidade de conhecer da questão, ao
proferir a decisão final. E assim, tal questão não pode ter-se por suscitada
durante o processo, conforme o exige o artigo 70º, nº 1, alínea b), da L.T.C.,
pelo que o recurso não pode efectivamente ser recebido.
Portanto, a reclamação é improcedente.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se indeferir a
reclamação e fixar em cinco U.C.s a respectiva taxa de justiça, a cargo dos
reclamantes.
Lisboa, 20 de Junho de 1995
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José Manuel Cardoso da Costa