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Proc. nº 203/95
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O 2º Tribunal Militar Territorial do Porto condenou A., B. e C. por um crime de corrupção passiva, nas penas de 3 anos o primeiro, e 30 meses, o segundo e o terceiro.
O julgamento realizara-se sem a presença do réu C., se bem que o seu mandatário houvesse sustentado que era contrária à Constituição a norma do artigo 394º, nº 3, do Código de Justiça Militar, e advertindo mesmo para que o Tribunal Constitucional assim decidira no Acórdão nº 394/89.
Os réus recorreram da sentença para o Supremo Tribunal Militar que, em acórdão de 30 de Março de 1995, decidiu anular o julgamento.
Esse Supremo Tribunal considerou, entre outras razões, que a norma do artigo 394º, nº 3, do Código de Justiça Militar, na parte em que permite a realização do julgamento sem a presença do réu, é contrária à Constituição da República. Remeteu, então, expressamente para o quadro argumentativo do Acórdão nº 394/89 do Tribunal Constitucional.
O Promotor de Justiça interpôs recurso de constitucionalidade desta decisão, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional defendeu, em alegações, que a norma do artigo 394º, nº 3, do Código de Justiça Militar, na parte em que permite a realização do julgamento sem a presença do réu, é contrária à Constituição da República.
II - E, com efeito, assim decidiu já o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 394/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, tomo II, págs. 1087 e segs.). Analisando a norma do artigo 394º, nº 3, do Código de Justiça Militar, que determina que 'não poderá haver mais do que um adiamento, salvo se a falta do réu foi motivada por acto de serviço de superior interesse público, oficialmente comprovado', o Tribunal Constitucional considerou, então, que a realização do julgamento sem a presença do arguido, nos termos dessa norma, é contrária às garantias de defesa e do contraditório e aos princípios da imediação da prova e da verdade material, que se derivam dos artigos 32º e 2º da Constituição da República.
Este direito de presença - diz-se ali - 'decorre, antes de mais, do direito de defesa, pois - como escreve Jorge Figueiredo Dias - trata-se de 'dar ao arguido a mais ampla possibilidade de tomar posição a todo o momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si, ao mesmo tempo que garantir-lhe uma relação de imediação com o juiz e com as provas' (cf. Direito Processual Penal, I, Coimbra, 1981, p. 142).
Mas, a presença do arguido na audiência é também essencial para a averiguação da verdade material e para que o juiz possa conhecer o arguido:
Só através da imediação da prova, o juiz pode olhar o arguido, fazer dele o seu retrato, ter a percepção directa do seu modo de ser, a verdadeira imagem do sujeito, da pessoa que de facto vai julgar como agente de um facto criminoso escreve Eduardo Correia, in 'Breves reflexões sobre a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, relativamente a réus presentes, ausentes e contumazes', publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110º
(pp. 99-101; 131-132; 162-163; 178-179; 195; e 210-211), ano 114º (pp. 104-105 e
364-367), e ano 115º, p. 293-294.
E noutro passo:
Ninguém que substitua o arguido na sua defesa estará, como ele, em condições de fornecer certos elementos probatórios essenciais à descoberta da verdade: a presença do arguido é, nessa medida, uma fonte de prova e um meio de investigação da verdade material e, portanto, não integrável por qualquer outra espécie de diligência [Revista citada, ano 110º, p. 99]'.
O Tribunal Constitucional advertiu então para que 'ao abrir excepções à regra da presença do arguido na audiência, o legislador há-de observar sempre um princípio de necessidade, proporcionalidade e adequação, por forma a não limitar, desnecessária ou desproporcionadamente, o direito-dever do arguido a ser ouvido e a assistir ao julgamento (...)'.
E, com efeito, o mandado constitucional de utilização desses critérios não pode nunca ser afastado aí onde está em causa uma actuação restritiva de direitos. E é justamente a não verificação desses critérios que faz a norma em apreço ser inconstitucional.
III - Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Lisboa, 4 de Dezembro de 1996 Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida