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Proc. nº 80/DPR ACTA
Aos vinte e sete de Novembro de mil novecentos e noventa e seis, achando-se presentes o Ex.mo Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros Guilherme da Fonseca, Maria da Assunção Esteves, José Manuel Bravo Serra, Maria Fernanda Palma, Vítor Nunes de Almeida, José de Sousa e Brito, Armindo Ribeiro Mendes, Alberto Tavares da Costa, Antero Monteiro Diniz, Luís Nunes de Almeida, Messias Bento e Fernando Alves Correia, foram trazidos a conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte:
Acórdão nº 1206/96
I. Relatório
1. O Conselho de Administração da A. (Sociedade Anónima – S.A.), oficiou a este Tribunal, em 18 de Janeiro do ano corrente, solicitando esclarecimento sobre o seguinte:
a) Se a obrigatoriedade da apresentação das declarações de rendimentos abrange os membros do Conselho de Administração da A., que já oportunamente cumpriram essa obrigação, no contexto da Lei nº 4/83; e em caso afirmativo, em que momento ou em que prazo devem ser anualmente renovadas essas mesmas declarações;
b) Se a obrigatoriedade da apresentação dessas declarações de rendimentos abrange os Administradores das sociedades que com a A. se encontram em relação de domínio ou de grupo.
Posteriormente, em 31 do mesmo mês, e em aditamento ao antes referido, foi remetido a este Tribunal, pela Direcção de Recursos Humanos da mesma empresa, novo ofício em que:
a) por um lado, e quanto à A., se esclarece haver sido ela criada como 'empresa pública', pelo Decreto-Lei 503-G/76, de 30 de Junho, e transformada em 'sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos' pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março; e se indicam, depois, os respectivos administradores, com a menção de que - salvo quanto a um, em que tal facto ocorreu em 3 de Fevereiro de 1993 - 'iniciaram funções em 2 de Maio de 1988' e de que 'apresentaram a declaração de rendimentos no contexto da Lei 4/83, de 2 de Abril, enquanto gestores públicos';
b) por outro lado, e quanto às sociedades de que a A. detém o domínio, se indicam as respectivas denominações sociais, as percentagens do respectivo capital de que a primeira é titular, e os nomes dos respectivos administradores ou gerentes.
De acordo com tal indicação, essas sociedades são as seguintes: B., C., D., todas detidas a 100% pela A.; E., F., G., e H., detidas por aquela entre percentagens que vão de 99% (a primeira) a 63,75% (a última). Mas estas sociedades acrescem ainda as seguintes, cujo domínio é detido pela A. em conjunto ou através das sociedades acabadas de enumerar: I., J., e L., detidas em conjunto ou através da E., em percentagens que vão de 100% (as duas primeiras) a 60%; M., detida com ou através de F. em 62,66%; N., O., P., Q., R., S., T., e U., detidas em conjunto ou através da C. na percentagem de 100%, salvo quanto à última, em que a percentagem do capital detido é de 55%; V., detida em conjunto ou através da D. em 60%; e X., detida em conjunto ou através da H. em
80%.
2. Autuados oportunamento os ofícios acabados de mencionar, considera o Secretário do Tribunal, na sua informação, que é de pôr efectivamente a questão de saber se os indicados administradores ou gerentes da A. e das sociedades suas participadas estão, na verdade, adstritos - por força do disposto no nº 3, e designadamente na sua alínea b), do artigo 4º da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, na redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto - à apresentação das respectivas declarações de património e rendimentos, nos termos previstos nesse diploma, com essa redacção.
Tal questão - ou tal dúvida - suscita-se a dois níveis ou em dois planos: - desde logo, no da interpretação e delimitação precisa do universo de entidades abrangidas pelo citado preceito legal; - e, depois, no do âmbito de aplicação temporal desse preceito, já que o mesmo [a referida alínea b)] só pela dita Lei nº 25/95 foi incluído no texto da Lei nº 4/83.
É esse duplo aspecto da questão que cumpre pois, esclarecer - ao abrigo do disposto no artigo 109º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro.
II. Fundamentos
A) O âmbito de aplicação pessoal do nº 3, e designadamente da sua alínea b), do artigo 4º da Lei nº 4/83, na sua actual redacção
3. É o seguinte o teor do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83 da Lei nº 4/83, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 25/95:
3 - São ainda equiparados a titulares de cargos políticos, para efeitos da presente lei:
a) Gestores públicos;
b) Administrador designado por entidade pública em pessoa colectiva de direito público ou em sociedade de capitais públicos ou de economia mista;
c) Director-geral, subdirector-geral e equiparado.
Do assim preceituado, interessa ao caso em apreço fundamentalmente a alínea b) e, mesmo essa, só na parte em que se refere aos administradores de
'sociedades de capitais públicos ou de economia mista'. Ora, logo se vê que ela circunscreve o âmbito dos cidadãos que pretende abranger em função de duas circunstâncias: da natureza das sociedades em causa (é preciso que se trate de uma sociedade de capitais públicos ou de economia mista) e da entidade designante dos respectivos administradores (é necessário que os mesmos sejam designados por uma entidade pública). Verificar-se-ão estas duas circunstâncias no caso da A. e das sociedades que com ela estão numa relação de grupo?
4. Temos nas nossas leis uma noção de 'sociedades de capitais públicos', que é ainda a do nº 2 do artigo 48º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril
(Bases do regime das empresas públicas): trata-se, segundo essa noção legal, das
'sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, associando o Estado e outras entidades públicas dotadas de personalidade de direito público ou de direito privado'.
Tem-se retirado desta noção o entendimento de que a natureza ou qualificação de tais sociedades é algo que há-de resultar do seu mesmo estatuto
- não raro, ou até por via de regra, definido pela própria lei - o qual imporá que a participação no respectivo capital seja reservada a entidades públicas. Por outro lado, quanto ao que sejam 'entidades públicas', para este efeito, parece decorrer da mesma noção, no seu inciso final, que o respectivo critério delimitador não será de carácter estritamente 'jurídico' - o tratar-se de uma
'pessoa colectiva de direito público' - mas 'económico': assim, ainda aí caberão não só as 'empresas públicas', stricto sensu (mesmo quando não recebam a qualificação legal de 'pessoas colectivas de direito público', ou quando esta qualificação não seja correcta), mas também as próprias 'sociedades de capitais públicos'. Mais duvidoso e controverso será saber se tal categoria (das entidades públicas) não abrangerá, para o efeito ora em vista, inclusivamente outros entes societários, como as sociedades de capitais mistos 'controladas' (e não apenas 'participadas') pelo Estado ou outro 'ente público'.
Seja como for, não se torna necessário, na hipótese em apreço, deslindar este ponto ou avançar mais na caracterização das 'sociedades de capitais públicos': é que a A. não é seguramente uma delas, posto que, de acordo com o respectivo estatuto (ut supra) é apenas uma 'sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos'; e, consequentemente, também o não serão as sociedades cujo capital ela detém na íntegra, ou maioritariamente, neste último caso em associação com capital inteiramente privado.
5. Também temos nas nossas leis uma noção de 'sociedades de economia mista', que é ainda, do mesmo modo, a do artigo 48º - agora do seu nº 1 - do Decreto-Lei nº 260/76: trata-se das 'sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, em que se associam capitais públicos e privados nacionais ou estrangeiros'.
No seu teor literal ou enunciado linguístico, esta noção não é inteiramente paralela à do nº 2 (relativo às 'sociedades de capitais públicos'): reporta-se agora a natureza 'pública' (ou 'privada') ao próprio 'capital' das sociedades, e não, como naquele outro número, às 'entidades' que o detêm. Assumirá esta divergência algum relevo substancial?
Prima facie, dir-se-á que não - já que o capital só pode qualificar-se como
'público' ou 'privado' em função, justamente, da natureza, sob esse ponto de vista, da entidade que o detém. Ora, não fará sentido atribuir ao conceito
'entidade pública', para os efeitos do nº 1 do artigo 48º do Decreto-Lei nº
260/76, um significado ou âmbito mais restrito do que aquele que o nº 2 do mesmo artigo lhe confere. Concluir-se-á, então, que aí onde, não apenas o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público, de carácter territorial ou não, mas também uma empresa pública ou uma sociedade de capitais públicos se associar com uma entidade puramente privada na constituição de uma sociedade, esta assume a natureza de 'sociedade de economia mista'.
E sem dúvida que será assim - pelo que pode já concluir-se que a A., estatutariamente definida, como é, como 'sociedade de capital maioritariamente público', entrará indiscutivelmente naquela categoria, quaisquer que sejam, de entre as referidas, as 'entidades públicas' detentoras da maioria do seu capital.
Restringir-se-á, porém, o universo das 'sociedades de economia mista' a esses casos (aos casos em que a configuração social é a que acabou de considerar-se)? Quid juris, nomeadamente, quanto àqueles outros em que ocorre uma associação de 'entidades privadas' com sociedades que são, elas próprias, de
'economia mista'? Ainda então - e sempre - não deverá reverter a sociedade assim configurada à categoria em questão?
O Tribunal entende que sim, pelo menos quando a sociedade mista associada
às entidades privadas tenha maioria de capital público - e considera que justamente aí poderá estar o relevo 'substantivo' da diferente redacção dos nºs.
1 e 2 do artigo 48º do Decreto-Lei nº 260/76. É que - por um lado - ainda quando uma sociedade de capitais maioritariamente públicos não deva qualificar-se como 'entidade pública' à luz do segundo desses preceitos (questão que acima foi deixada em aberto), a parte do capital por ela detida numa outra sociedade não deixa de ser, numa certa proporção, indirectamente pública, porque indirectamente pertença, nessa mesma proporção, de uma ou várias entidades públicas (segundo o critério do mesmo preceito), como necessariamente serão as que participam maioritariamente no capital da primeira sociedade; e - por outro lado - bem pode dizer-se que o legislador do nº 1 do dito artigo 48º, ao referir o carácter 'público' antes a um elemento 'objectivo', como é o capital em si, do que ao elemento 'subjectivo' das entidades suas detentoras, não acaba senão precisamente por abranger também no respectivo âmbito este outro tipo de casos agora considerados.
De resto, e por outra via - agora a da Lei nº 71/88, de 24 de Maio - se deverá chegar à mesma conclusão. Com efeito, regendo esse diploma sobre a
'alienação de participações do sector público', para as submeter a um apertado condicionalismo, considera ele expressamente como 'entes públicos', para esse efeito, as 'sociedades de economia mista com maioria de capital público' [artigo
1º,nº 2, alínea e)] e, portanto (cfr. o nº 1 do mesmo artigo), qualifica as respectivas participações sociais como 'participações públicas' ou 'capital público'. Ora esta circunstância, dada a natureza da matéria versada no diploma em questão, não pode deixar de tomar-se como um relevante argumento interpretativo, de ordem sistemática, para delimitar o âmbito da categoria
'sociedades de economia mista', não só no quadro do artigo 48º do Decreto-Lei nº
260/76, como em geral.
Mas se estes são os dados legislativos relevantes, acresce que, no sentido de uma qualificação paralela das sociedades de capitais 'maioritariamente públicos', converge a própria jurisprudência deste Tribunal - a qual, no importante Acórdão nº 108/88 (em Acórdãos, vol. 11º, p.98 ss.), e após algum aceno no mesmo sentido, já em arestos ou declarações de voto anteriores, expressamente as considerou como integrando o 'sector público' da economia, a que se reporta o artigo 82º, nº 2 (então, o artigo 89º, nº 2) da Constituição
(com isso se abrindo caminho, na época, à 'reprivatização' parcial das empresas nacionalizadas).
Tudo, portanto, concorre para que como 'público', ao menos em parte, se haja de considerar o capital detido por uma sociedade de capitais maioritariamente públicos (pelo menos, por essas) numa outra sociedade - o que, só por si, fará desta última, através da associação daquele capital a capital inteiramente 'privado', uma sociedade de 'economia mista'.
Quer isto dizer - revertendo ao caso em apreço - que, sendo a A., por força do seu estatuto legal, uma 'sociedade de capitais maioritariamente públicos', não apenas ela, mas igualmente as suas participadas, haverão de qualificar-se como 'sociedades de economia mista'.
6. Apurado este resultado, apurado fica que tanto a A. como as sociedades em que ela se encontra numa relação de grupo (isto é, em que ela detém partes de capital) integram o universo das sociedades a que se reporta a alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95.
E é assim, porque não se vê razão para conferir à categoria 'sociedades de economia mista', no quadro deste preceito (e não importa agora saber se a conclusão continua válida no quadro de outros), um âmbito mais circunscrito do que aquele que para ela resulta, em geral, dos dados legislativos e jurisprudenciais acima reunidos. Com efeito, o mesmo elemento de 'publicidade' que atraia um ente societário para aquela categoria tornará compreensível que o legislador haja entendido submeter os respectivos administradores ao regime de
'transparência' patrimonial a que sujeita todos os 'gestores', lato sensu, da
'coisa pública'.
7. Simplesmente, e como se lê no preceito legal aqui directamente relevante, nem todos os administradores de 'sociedades de economia mista' são por ele abrangidos: apenas os que sejam 'designado(s) por entidade pública'. Ora, qual o sentido desta aparente limitação e o seu alcance?
Quanto a esse sentido, não se oferecerão grandes dúvidas: trata-se de restringir a aplicação do regime legal em causa às pessoas (administradores) relativamente às quais ele tem justificação. De facto, nas 'sociedades de economia mista', dada a composição do seu capital, haverá (ou poderá haver) administradores designados por 'entidades privadas', representantes da posição
(e, naturalmente, dos interesses) destas no órgão gestor das primeiras: ora, decerto já não se compreenderia (já não faria sentido) sujeitar estes outros administradores - que se movem na esfera do 'privado' e não na do 'público' - a um regime de 'transparência' patrimonial só admissível, no fundo, nessa segunda esfera de actuação.
Mas, se o sentido da limitação da lei é - e não pode deixar de ser - o enunciado, então é dele que haverá de retirar-se o alcance de tal limitação. Ou seja: o que há-de entender-se por designação por entidade pública, para o efeito do preceito legal em causa. Vejamos então.
8. O termo 'designação', num contexto como o da expressão em apreço, é susceptível de significado plúrimo: desde logo, tanto pode reportar-se à
'indicação', 'indigitação' ou 'proposta' de alguém para o exercício de certo cargo, como pode ter em vista, antes, o acto jurídico-formal que estabelece e fixa a escolha dessa pessoa para o exercício do mesmo cargo, como também, eventualmente, o 'procedimento' que abranja este acto e aquela indigitação. E, dentro da segunda das alternativas referidas, ainda poderá ser entendido como abrangendo todas as modalidades que tal acto pode assumir (v.g., nomeação, eleição, cooptação) ou (e será porventura esse o seu significado técnico-jurídico mais estrito ou, pelo menos, mais corrente) apenas a modalidade ou as modalidades dele que se contrapõem à 'eleição'.
Por sua vez, afigura-se que - sob pena de incoerência - a expressão
'entidade pública' não poderá deixar de ter, nesse mesmo contexto, um conteúdo e um âmbito idênticos aos que antes vimos corresponder-lhe, para o efeito de caracterizar certas sociedades como de capitais públicos ou de economia mista, em função da natureza das entidades detentoras do respectivo capital. Ou seja: como tais ('entidades públicas') deverão considerar-se, não apenas o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público (os chamados 'entes públicos menores'), mas ainda as empresas públicas, as sociedades de capital público e as próprias sociedades de economia mista com maioria de capital público.
Entretanto, e por outro lado, importa recordar que nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas (únicos tipos de sociedades que caberá levar em conta agora, já que não será concebível a existência de sociedades de economia mista 'em nome colectivo' ou 'em comandita'), a regra é a da eleição dos administradores pela assembleia geral ou por deliberação dos sócios, salvo quando sejam designados no próprio contrato de sociedade (cfr. artigos 252º, nº
2, e 391º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). Donde que - salvo nesta
última hipótese, em que a escolha dos administradores é determinada, afinal, por todos os sócios subscritores do contrato - tal escolha, em princípio, depende, em último termo, da maioria dos votos sociais o que vale dizer, da maioria do capital (cfr. artigos 250º e 384º do Código das Sociedades Comerciais), maioria essa que pode, inclusivamente, ser 'qualificada' (cfr. artigo 391º, nº 2, do mesmo Código). A lei (o dito Código) admite, porém, quanto às sociedades anónimas, que no contrato de sociedade se estipule, seja a necessidade de uma aprovação complementar (como que uma 'confirmação') dos administradores pela maioria dos votos conferidos a certas acções (artigo 391º, nº 2), seja a garantia de uma representação das minorias na administração, através de qualquer dos mecanismos descritos nos nºs 1 e 6 do artigo 392º (reserva a grupos de accionistas, com mais de 10% e menos de 20% do capital social, do direito de proposta de candidatos na eleição de um certo número de administradores, no primeiro caso; direito de uma minoria de accionistas, representando pelo menos
10% do capital social, e vencida na eleição da administração, de designar, pelo menos, um dos administradores, no segundo caso). Por outro lado, podem ainda os sócios, através do instrumento do acordo parassocial (artigo 17º do citado Código), obrigar-se a assegurar uma certa 'composição' do órgão de administração da sociedade, v.g., comprometendo-se aqueles que detêm a maioria do capital a votar no sentido de incluir no órgão de administração da sociedade um ou mais administradores indicados pela minoria.
Mas se, ressalvada a designação no próprio contrato, a 'eleição' dos administradores é, nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas, a regra, outros modos de designação daqueles podem ainda aí ocorrer: desde logo, e quanto
às sociedades por quotas, o próprio Código das Sociedades Comerciais contempla, no já citado artigo 252º, nº 2, a eventualidade de o contrato prever 'outra forma de designação'; mas, depois, é sempre possível que em diploma especial se atribua (ou se preveja a atribuição) a certa ou certas entidades da faculdade de nomear os administradores (ou algum ou alguns deles) de sociedades de certo tipo
(ou até de uma só e bem determinada sociedade) ou relativamente às quais se verifique um certo condicionalismo. Exemplo - e exemplo por excelência - desta segunda possibilidade, têmo-lo na atribuição ao Estado da faculdade de, através do Governo, nomear administradores para certas sociedades: essa faculdade pode encontrar-se prevista no respectivo estatuto ou no diploma legal que o aprovar
(cfr. o artigo 1º, nº 1, in fine, do Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro), mas acha-se em geral, ainda hoje, contemplada - quanto, justamente, entre outras, às sociedades de capital público e às sociedades de economia mista, com certa composição de capital - no Decreto-Lei nº 76-C/75, de 21 de Fevereiro.
Pois bem: face a quanto vem de pôr-se em relevo, e tendo presente o sentido, justificação ou razão de ser, antes evidenciada (supra, nº 7), da cláusula legal ora em apreço, julga-se que no seu âmbito hão-de ter-se por incluídos todos os administradores das sociedades de economia mista (e, evidentemente, das sociedades de capitais públicos) cuja escolha para o exercício de tais funções haja dependido e resultado, em definitivo, da intervenção e da decisão de uma ou mais entidades públicas (tal como acima caracterizadas).
Assim, não contará, em princípio, para tal inclusão (ou, inversamente, para a sua exclusão desse âmbito) que àquela ou àquelas entidades (ou, ao invés, a entidades privadas) haja cabido a correspondente 'proposta' ou 'indigitação'; mas esta circunstância já deverá ter-se por decisiva se a mesma houver sido necessariamente determinante (por força da lei, do estatuto social ou de um acordo parassocial) da escolha do administrador (como acontecerá, nomeadamente, na hipótese do artigo 392º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, ou de um acordo parassocial que garanta à 'minoria' a escolha de um ou mais administradores). Por outro lado, deverá ser indiferente, para o efeito aqui tido em vista, a 'modalidade' ou 'forma' de designação de que se trate: qualquer que ela seja (nomeação, eleição ou outra), desde que a escolha de um administrador ou dos administradores da sociedade, realizada por seu intermédio, haja sido decisivamente condicionada pela intervenção (v.g., pelo voto) de uma entidade pública, aí teremos a 'designação' daquele ou daqueles por esta última.
Em suma: esse termo - 'designação' - no contexto do preceito legal em apreço, não deverá ser tomado naquele seu sentido mais estrito atrás referido - até também porque, reportando-se ele igualmente a sociedades comerciais, e basicamente a sociedades comerciais 'anónimas', seria estranho que o legislador não tivesse desejado abranger na sua previsão justamente o modo mais comum (a eleição) de designação dos respectivos administradores. Há que tomá-lo, sim, (a esse termo) num sentido mais amplo - no sentido 'compósito' que resulta das considerações anteriores, e que abrange, afinal, todo o 'procedimento' da escolha dos administradores, em qualquer dos seus momentos reveladores de uma intervenção determinante de 'entidades públicas' nessa escolha. É esse, decerto, o sentido que melhor corresponde ao desígnio, acima posto em destaque, do preceito legal em causa - ou seja, à 'separação das águas' entre os administradores designados por 'entidades públicas' e os designados por
'entidades privadas'.
Sendo isto assim, haverão de considerar-se como 'designados por uma entidade pública', para o efeito do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95, os seguintes administradores de sociedades:
a) os das sociedades de capitais públicos, qualquer que seja a forma da respectiva designação;
b) os administradores das 'sociedades de economia mista' nomeados pelo Governo, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 76-C/75 [estes, afinal, já abrangidos pela alínea a) do preceito em causa, porque 'gestores públicos': cfr. artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 464/82], ou por aquele ou outra entidade pública, ao abrigo de preceito legal ou estatutário especial;
c) os administradores das 'sociedades de economia mista' designados no respectivo pacto social, quando neste haja intervindo uma entidade pública;
d) os administradores de 'sociedades de economia mista' com maioria de capital público, designados em eleição da respectiva assembleia geral (ou, eventualmente, tratando-se de uma sociedade por quotas, por deliberação dos sócios tomada fora da assembleia), salvo quando 'propostos' pela minoria do capital privado ou por esta 'eleitos', nos termos, respectivamente, dos nºs 1 e
6 do artigo 392º do Código das Sociedades Comerciais, ou quando por ela escolhidos e 'indicados', ao abrigo de um acordo parassocial;
e) os administradores de 'sociedade de economia mista' sem maioria de capital público, quando a respectiva 'eleição' dependa de uma maioria
'qualificada' para cuja formação é indispensável o capital público, ou quando, designados por qualquer dos modos referidos na alínea anterior (eleição ou deliberação dos sócios), devam, todavia, ser ainda aprovados pelos votos correspondentes a acções 'privilegiadas', nos termos da segunda parte do artigo
391º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, detidas por entidades públicas, ou que, finalmente, sejam 'propostos', 'eleitos' ou 'indicados' pela minoria de capital público, nos termos ou ao abrigo do referido na parte final da alínea anterior.
9. Posto isto, pode agora concluir-se quanto ao caso em apreço. E concluir
- em síntese - o seguinte:
a) Tanto a A. como as sociedades de que detém, directa ou indirectamente, a totalidade ou uma parcela do capital, e com ela se encontram numa relação de grupo, devem qualificar-se como 'sociedades de economia mista', para os efeitos da alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95;
b) Sendo a A., de acordo com o seu estatuto, uma sociedade de capitais maioritariamente públicos, por um lado, e devendo, por isso, ser considerada como uma 'entidade pública' (no sentido em que dessa categoria se fala no preceito legal citado), a qual é, por sua vez, detentora da totalidade ou da maioria do capital das sociedades indicadas como estando com ela numa relação de grupo, segue-se que todos os administradores de uma (a A.) e de outras (estas
últimas sociedades) são de considerar abrangidos pelo mesmo preceito (e, portanto, pelas obrigações de declaração do respectivo património e rendimentos dele decorrentes) - a menos que a sua designação deva antes, porventura, imputar-se a uma entidade privada (detentora de parte minoritária do capital de alguma dessas sociedades), por força do exercício, por tal entidade, de qualquer das faculdades previstas nos nºs 1 e 6 do artigo 392º do Código das Sociedades Comerciais, ou em execução de um acordo parassocial;
B) O âmbito de aplicação temporal do nº 3, e designadamente da sua alínea b) , do artigo 4º da Lei nº 4/83, na sua actual redacção
10. A conclusão a que acabou de chegar-se não significa necessariamente, porém, que todos os administradores da A., e das sociedades cujo capital é por ela integral ou maioritariamente detido, a que respeitam os presentes autos (ou seja, os administradores de uma e outras referidos no ofício de 31 de Janeiro do ano corrente, mencionado supra, nº 1) devam considerar-se sujeitos à obrigação de apresentarem as declarações de património e rendimentos previstas na Lei nº
4/83, na sua actual redacção. É que, para além da questão do âmbito de aplicação pessoal da alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, importa ainda considerar a do seu âmbito de aplicação temporal - já que se trata de preceito
'novo', introduzido pela Lei nº 25/95, de 18 de Agosto.
Sobre esta questão, no entanto, já o Tribunal se pronunciou e firmou doutrina, nos seus Acórdãos nºs 471/96, 473/96 e 474/96, de 14 de Março do corrente ano - pelo que, mantendo ele integralmente essa jurisprudência, desnecessário se torna reanalisar de novo o problema: bastará, sem ter de repetir a exposição dos seus fundamentos, aplicar a mencionada doutrina à situação em apreço.
Ora, de acordo com ela (com essa doutrina), a obrigação de apresentação das declarações de património e rendimentos a que se reporta a Lei nº 4/83, na versão da Lei nº 25/95, só é aplicável, no tocante às entidades previstas ex novo neste último diploma - entre as quais as da alínea b) do nº 3 do artigo 4º
-, àquelas de tais entidades que hajam iniciado o mandato depois da entrada em vigor daquele segundo diploma legal, ou, pelo menos, após a publicação dele, mas em momento tal que o prazo fixado no artigo 1º da Lei nº 4/83 não tivesse ainda terminado, quanto a elas, à data daquela entrada em vigor. Ou seja: tal obrigação de apresentação das declarações só é exigível a essas entidades, ou aos titulares desses cargos (entre eles, os de administrador de sociedades de capitais públicos ou de economia mista), cujo mandato se haja iniciado em 17 de Setembro de 1995 ou em data posterior. E isto vale, tanto para a obrigação de apresentar a declaração aquando do início de funções (prevista no artigo 1º), como para a da apresentação da declaração na altura da cessação de funções
(prevista no artigo 2º, nº 1), como ainda para a obrigação de renovar anualmente a declaração (estabelecida no nº 3 do artigo 2º, todos da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95).
Assim - e tomando como referência a data da comunicação da A. a este Tribunal, de 31 de Janeiro do ano corrente, bem como os elementos dela constantes -, conclui-se que os administradores dessa sociedade aí mencionados, tendo iniciado as suas funções antes de 17 de Setembro de 1995, não se encontravam então sujeitos às obrigações decorrentes do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº25/95.
Quanto, por seu turno, aos administradores das sociedades participadas pela A., igualmente indicados na comunicação antes referida, apenas poderá dizer-se - uma vez que a data do início dos respectivos mandatos não consta dessa comunicação - que os mesmos só estariam sujeitos às obrigações emergentes do dito preceito se [além de não excluídos já da previsão dele por qualquer das circunstâncias referidas supra, nº 9, nomeadamente alínea d)] estivessem a exercer, em 31 de Janeiro de 1996, um mandato iniciado não antes de 17 de Setembro de 1995.
Mas é claro que, se, entretanto (depois de 31 de Janeiro do ano corrente), tiver ocorrido, quanto a algum ou alguns dos administradores sociais em causa
(sejam os da A., sejam os das sociedades por esta participadas), a 'renovação' do respectivo mandato (por reeleição ou recondução), já os mesmos terão passado a ficar sujeitos, desde então, às obrigações de declaração aqui em causa.
11. Resta, porém, fazer uma precisão e uma ressalva ao que fica dito - precisão e ressalva essas relativas aos quatro administradores da A. que, consoante se esclarece na mencionada comunicação de 31 de Janeiro do ano corrente, iniciaram funções em 2 de Maio de 1988, e apresentaram então, no quadro da versão originária da Lei nº 4/83, a declaração de património e rendimentos a que esta se reportava.
Na verdade, sendo a A., ao tempo, uma 'empresa pública', stricto sensu, os respectivos administradores, ou (mais rigorosamente) 'gestores', encontravam-se adstritos a essa obrigação, por força do disposto no nº 2 do artigo 4º daquela versão originária da lei - obrigação que, como se vê, cumpriram.
Transformada a A., pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março, em
'sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos', perderam então os seus administradores ora em causa aquela qualidade (de 'gestor de empresa pública') - pelo que poderia sustentar-se que logo aí deveriam ter apresentado nova declaração de património e rendimentos, agora em razão da sua 'cessação de funções' (artigo 2º, nº 1, da dita versão originária da Lei nº 4/83).
No contexto da situação concreta em presença - em que realmente se verificou uma 'continuidade' no exercício de funções, até porque a A., não obstante a lei o não impor, manteve uma estrutura de capital integralmente
'público' - há-de reconhecer-se, todavia, que um tal entendimento não era absoluta ou forçosamente exigível. Bem pode compreender-se, portanto, que os mesmos administradores não o hajam adoptado.
Só que, sendo assim - e se não tiver entretanto ocorrido nenhuma mudança na sua situação que os haja colocado sob a alçada da nova redacção da Lei nº 4/83
(cfr. supra, nº 10, in fine) - deverão então, pelo menos, apresentar essa nova declaração de património e rendimentos logo que cessem as funções que presentemente exercem, ou logo que ocorra a mudança de estatuto jurídico da A., no termo do processo da sua 'privatização', neste momento em curso. Tratar-se-á, porém, como já resulta de quanto precede, de uma declaração cuja obrigatoriedade resultará ainda do dito artigo 2º, nº 1, da versão originária da Lei nº 4/83, e que, portanto (de acordo com o entendimento que o Tribunal, a esse respeito, já também firmou), ficará integralmente sujeita ao regime dessa redacção primitiva de tal diploma.
III. Decisão.
12. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) os administradores da A., referidos na comunicação feita ao Tribunal pela Direcção de Recursos Humanos dessa empresa, de 31 de Janeiro do ano corrente, não deviam, nessa data, considerar-se abrangidos pelo disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, nem, consequentemente, sujeitos às obrigações estabelecidas pelo artigo 1º e pelos nºs 1 e 3 do artigo 2º da mesma Lei, todos na redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto;
b) aqueles desses administradores que iniciaram funções em 2 de Maio de
1988, ainda como gestores da A., (empresa pública – EP), sempre estarão, porém, adstritos à obrigação de apresentação da declaração de património e rendimentos prevista no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 4/83, na sua redacção primitiva, logo que cessem as suas actuais funções;
c) os administradores das sociedades participadas pela A., igualmente referidos na dita comunicação de 31 de Janeiro - salvo os que, porventura, houvessem sido eleitos através dos mecanismos previstos nos nºs 1 e 6 do artigo
392º do Código das Sociedades Comerciais ou em execução de um acordo parassocial e cuja designação devesse, por isso, imputar-se à minoria de capital privado dessa sociedades -, só deveriam considerar-se abrangidos, naquela data, pelo disposto na dita alínea b) do nº 3 do artigo 4º e sujeitos às obrigações dos ditos artigo 1º e nºs 1 e 3 do artigo 2º da Lei nº 4/83, na redação da Lei nº
25/85, se tivessem iniciado funções em 17 de Setembro de 1995 ou em data posterior.
Maria da Assunção Esteves Bravo Serra Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Vitor Nunes de Almeida (vencido, em parte, quanto ao âmbito da aplicação temporal da Lei nº 25/95). Maria Fernanda Palma (vencida, em parte, quanto ao âmbito de aplicação temporal da Lei nº 25/95, nos termos de declaração de voto junta ao Acórdão nº 471/96). José de Sousa e Brito (vencido, em parte, nos termos da minha declaração de voto junta ao Acórdão nº 471/96) Antero Alves Monteiro Diniz (vencido, em parte, quanto ao âmbito de aplicação temporal da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, nos termos da declaração de voto produzida no Acórdão nº 471/96). Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta)
Vencido, por entender que em caso algum os administradores da A., e os administradores das sociedades participadas pela mesma A. estariam abrangidos pelas disposições legais da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95, citadas no acórdão.
Isto porque, contrariamente à posição tomada no acórdão, faço uma interpretação e delimitação estreitas e muito rigorosas do disposto no artigo
4º, nº 3, b), daquela Lei nº 4//83, quanto ao universo de administradores abrangidos por esse preceito legal.
Concordando com o acórdão quando se faz depender a delimitação do âmbito da aplicação da citada alínea b) de duas circunstâncias - a 'natureza das sociedades em causa' e a 'entidade designante dos respectivos administradores
(é necessário que os mesmos sejam designados por uma entidade pública)' - e não questionando que 'tanto a A. como as sociedades em que ela se encontra numa relação de grupo (isto é, em que ela detém partes de capital) integram o universo das sociedades a que se reporta a alínea b) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95', já divirjo do acórdão no ponto em que se apuram o sentido e o alcance da limitação que resulta da necessidade de serem os administradores em causa designados 'por entidade pública'. 'Ou seja: o que há-de entender-se por designação por entidade pública, para o efeito do preceito legal em causa', talqualmente se expressa o acórdão.
Sem cuidar de apurar, como se afadiga o acórdão, qual o significado do termo 'designação' - em todo o caso, há-de abranger sempre uma 'indicação' ou
'indigitação' -, o que faço é restringir as hipóteses possíveis àquela a que se refere a alínea b) da parte do acórdão em que se elencam os administradores que haverão de considerar-se como 'designadas por entidade pública':
'b) os administradores das 'sociedades de economia mista' nomeados pelo Governo, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 76-C/75 [estes, afinal, já abrangidos pela alínea a) do preceito em causa, porque 'gestores públicos': cfr. artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 464/82], ou por aquele ou outra entidade pública, ao abrigo de preceito legal ou estatutário especial;'.
Este é o exemplo - 'e exemplo por excelência' - a que se refere o acórdão, quando nele se fala ' na atribuição ao Estado da faculdade de, através do Governo, nomear administradores para certas sociedades: essa faculdade pode encontrar-se prevista no respectivo estatuto ou no diploma legal que o aprovar (cfr. o artigo 1º, nº 1, in fine, do Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro), mas acha-se em geral, ainda hoje, contemplada - quanto, justamente, entre outras, às sociedades de capital público e às sociedades de economia mista, com certa composição de capital - no Decreto-Lei nº 76-C/75, de 21 de Fevereiro'.
Mas há mais: Freitas do Amaral, a propósito das sociedades de interesse colectivo, e do seu regime jurídico, nelas incluindo como espécies as sociedades de economia mista e as sociedades de economia pública, indica como um dos 'deveres ou encargos especiais impostos por lei às sociedades de interesse colectivo' o de se achar o funcionamento delas
'submetido à fiscalização efectuada por delegados do Governo' (Curso de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 2ª ed., págs. 561/ /562).
E acrescenta a seguir:
'A este respeito, importa não confundir a figura do delegado do Governo com a figura dos administradores por parte do Estado. Numa empresa de interesse colectivo, o delegado do Governo é o representante do Estado, que fiscaliza a actividade da empresa: não é órgão da empresa, é órgão do Estado, e fiscaliza em nome do Estado a actividade desenvolvida pela empresa. Os administradores por parte do Estado são órgãos da empresa, que fazem parte do seu Conselho de Administração, mas são designados pelo Estado nos casos em que o Estado seja accionista dessa empresa ou tenha por lei o direito de se fazer representar na respectiva administração. Numa palavra, os delegados do Governo são órgãos do Estado-administração, que fiscalizam o funcionamento da empresa, ao passo que os administradores por parte do Estado são órgãos da empresa, que representam o Estado-accionista. As duas qualidades confundem-se, de algum modo, quando - como sucede em certas ex-empresas públicas agora reprivatizadas - haja um administrador por parte do Estado com poderes especiais, ou acções privilegiadas na posse do Estado
(golden chares) que confiram ao administrador por parte do Estado um direito de veto sobre determinadas decisões fundamentais para a vida da empresa (Lei nº
11/90, de 5 de Abril, art. 15º)'.
A tais hipóteses - ou outras que se assimilem, a coberto de outros preceitos legais ou estatutários especiais - me cinjo, para delimitar o que se deve entender por designação por entidade pública e os respectivos administradores assim designados, distanciando-me totalmente das demais alíneas que se podem ver no acórdão (a), c), d) e e)), quando se elencam os administradores submetidos à regra da alínea b), do nº 3, do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95.
Daí que não acompanhe o acórdão quando nele se conclui que todos os administradores da A. e das sociedades participadas pela mesma A. são de considerar abrangidos por aquela alínea b), pois em parte alguma se demonstrou ter havido a tal designação 'por entidade pública', nos termos restritos que julgo dever ser ela entendida.
Nem se diga, como parece inculcar o acórdão que, afinal, com esse entendimento, tais administradores já estariam abrangidos pela alínea a) do nº 3 do mesmo artigo 4º, porque 'gestores públicos', pois, a ser mesmo assim, isso poderá só evidenciar uma má técnica legislativa, situação que se detecta muitas vezes a nível dos órgãos legiferantes, não competindo aos aplicadores da Lei suprir essa má técnica legislativa. José Manuel Cardoso da Costa