Imprimir acórdão
Processo n.º 197/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por Acórdão de 26 de abril de 2012, proferido nos presentes autos, decidiu o Tribunal Constitucional não julgar inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada, negando, em consequência, provimento ao recurso interposto pelo arguido A..
O recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão, alegando, em síntese, que, tendo sido absolvido da prática dos crimes que justificaram a prisão preventiva cujo tempo quer ver descontado na pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos, e não condenado (por crime futuro ou posterior), como se refere, por diversas vezes, no mencionado acórdão, incorreu a decisão em contradição insanável, vício que deve ser suprido mediante a prolação de novo acórdão que, relevando a absolvição do arguido nos invocados processos, julgue inconstitucional a norma sindicada.
O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento do requerido, porquanto, contrariamente ao que pretende o recorrente, a absolvição só pode relevar, para o efeito do requerido desconto, se se verificarem os pressupostos previstos na norma do n.º 1 do artigo 80.º do Código Penal, que o Tribunal Constitucional, no acórdão em causa, não julgou inconstitucional, pelas razões que nele claramente se enunciam, não se verificando, pois, qualquer nulidade.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Estabelece a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, quando os fundamentos invocados para a justificar apontam logicamente em sentido oposto, ou pelo menos diferente, da decisão proferida.
Invoca o recorrente, em concretização do vício de «contradição insanável» que ora vem arguir, que a circunstância de ter sido absolvido dos crimes cujos indícios justificaram cautelarmente a aplicação da medida de prisão preventiva, e não condenado por crime posterior ou futuro, impunha necessariamente, dir-se-á logicamente, que se decidisse no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 80.º do CP, na interpretação sindicada.
Não tem, contudo, manifestamente, razão.
Na verdade, e como sublinha o Ministério Público, não se olvidou que o arguido sofreu a aplicação de tal medida cautelar em processos em que veio a ser absolvido e não pronunciado, sendo essas, aliás, hipóteses contempladas na norma do artigo 80.º, n.º 1, do CP, para o efeito de se proceder ao desconto da prisão preventiva.
Mas o que estava em causa, no presente recurso, era saber se o requisito a que a lei condiciona, designadamente em tais hipóteses, o desconto da prisão preventiva (anterioridade do facto que determinou a condenação em relação à decisão final proferida no processo em cujo âmbito foi aplicada tal medida de coação), viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Ora, ponderou-se, no acórdão ora reclamado, que o objetivo do legislador, ao obstar a que o arguido que foi sujeito a medidas processuais privativas de liberdade num processo, no âmbito do qual não foi possível proceder-se ao respetivo desconto, na totalidade ou em parte, mantenha, a seu favor, um tempo de privação da liberdade de que possa vir a aproveitar, por via do desconto, em eventual condenação por crime futuro, não era desrazoável ou arbitrário mas fundamentado em razões inteligíveis e racionalmente apreensíveis, o que, por si, afasta a invocada violação do princípio da igualdade.
E não se descortina em que poderá ter consistido a incongruência lógica deste raciocínio. O que releva, para efeito da aplicação do disposto no artigo 80º, n.º 1, do Código Penal, é a anterioridade do facto pelo qual o arguido foi condenado em relação à decisão final do processo no âmbito do qual a prisão preventiva foi aplicada. E essa não é a situação dos autos, visto que os factos pelos quais o requerente foi condenado são posteriores à data das decisões finais de absolvição ou não pronúncia proferidas nos processos em que foram aplicadas as medidas de coação. Por isso o arguido não poderia beneficiar do desconto do tempo de prisão preventiva que sofreu em processo diferente daquele em que foi condenado. E o Tribunal Constitucional considerou, no acórdão reclamado, que o critério normativo adotado pelo legislador não implicava qualquer violação do princípio da igualdade.
Não há, como bem se vê, qualquer contradição entre os fundamentos do acórdão e a decisão final de não inconstitucionalidade nele proferida.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 23 de maio de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.