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Proc. nº 451/95
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., com os sinais dos autos, propôs em 3 de Abril de 1991, no Tribunal de Trabalho de Setúbal, uma acção com processo ordinário contra a sua entidade patronal, B., pedindo a condenação desta a pagar-lhe determinadas quantias já vencidas a título de subsídio de assiduidade e de comparticipação nos lucros, bem como as que se viessem a vencer a esse duplo título, e ainda a ver reconhecida pela entidade patronal a categoria profissional de escriturário principal 'B' com efeitos a partir de Outubro de 1989 e correspondentes diferenças salariais. Alegou na petição inicial que vinha exercendo desde 1974 as funções de delegado sindical na empresa, pertencendo há seis anos à direcção do sindicato C., e há quatro ao conselho D. e que, por virtude do exercício dessas funções sindicais, era forçado a ausentar-se do serviço por certos períodos, apresentando sempre as correspondentes justificações de faltas. Não obstante as garantias conferidas pela Lei Sindical aos trabalhadores que desempenham funções sindicais (arts. 22º, nº 1, e 37º, alínea b), do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril), não lhe haviam sido pagos prémios de assiduidade e participações nos lucros, visto os regulamentos internos da entidade patronal fazerem depender o pagamento dessas prestações da verificação de uma certa assiduidade por parte do trabalhador, não dando relevância às faltas justificadas por causa do desenvolvimento de tarefas sindicais. Do mesmo modo, o trabalhador em causa havia sido prejudicado na progressão da carreira profissional, em virtude da não atribuição de classificação de serviço de certo nível.
A acção foi contestada, foi elaborado despacho saneador, especificação e questionário e junto o rol de testemunhas de cada parte. A sociedade ré juntou aos autos um parecer jurídico da autoria dos Drs. ------------- e
---------------- (a fls. 89 a 143). Realizou-se julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção inteiramente improcedente.
Inconformado, interpôs o autor recurso de apelação. Nas alegações, sustentou o apelante que a decisão recorrida promovera uma 'errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 22º, nº 1, e 37º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, nos arts. 82º, nºs. 1 e 2, 39º, nº 1, e 13º do Regime Jurídico Anexo ao Decreto-Lei nº 49408 de 24 de Novembro de 1969 e do disposto nos arts.
55º, nº 6, 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa' (alínea o) das conclusões, a fls. 192 vº). Por acórdão da Relação de Évora de 12 de Abril de
1994 foi negado provimento ao recurso (a fls. 226 a 234 vº dos autos).
De novo inconformado, interpôs o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, continuando a sustentar que a decisão recorrida interpretara ilegalmente as disposições da Lei Sindical e do Regime do Contrato Individual de Trabalho em desconformidade com o disposto nos arts. 55º, nº 6,
17º e 18º da Constituição (a fls. 260 e 263). No seu parecer, o representante do Ministério Público propugnou pela concessão parcial da revista, sustentando que as faltas justificadas por exercício de cargos sindicais não podiam afectar negativamente a classificação funcional do trabalhador. Através do acórdão de fls. 277 a 283 vº, proferido em 28 de Junho de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista, considerando que a decisão de segunda instância não havia violado quaisquer preceitos da lei constitucional ou da lei ordinária.
Nesse acórdão, depois de se transcreverem os arts. 22º da Lei Sindical e 82º e 89º da Lei do Contrato de Trabalho, afirmou-se o seguinte:
' No caso vertente, temos de considerar o prémio de assiduidade e a participação nos lucros.
Se os considerarmos como formas de remuneração, os mesmos estariam abrangidos pelo art. 22º, nº 1, L. S. [ Lei Sindical, Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril], atrás transcrito e portanto seria lícita a sua exclusão em função das faltas dadas pelos dirigentes sindicais para além dos quatro dias contemplados no nº 2 do mesmo artigo, às quais, doravante, e por comodidade, nos vamos referir apenas como «as faltas».
Porém, não nos parece que o prémio de assiduidade e a participação nos lucros constituam contrapartidas do trabalho, antes revestindo natureza graciosa e estimulante.
Quanto à participação nos lucros, a disposição do art. 89º L. C. T. [Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº
49.408, de 24 de Novembro de 1969] atrás citado é expressa nesse sentido.
Significará isto que tais benefícios deverão ser atribuídos aos dirigentes sindicais não obstante as suas faltas?
De modo algum: pois se a remuneração de base é excluída por tais faltas, como pode aceitar-se que o não seja uma atribuição graciosa e estimulante?
Por outro lado, a regulamentação de tais atribuições pela empresa, mediante critérios objectivos, tal como resulta da prova aceite pelas instâncias, nada tem de ilegal e nomeadamente não viola o art. 22º, nº 1, da Lei Sindical, atrás transcrita.
Igualmente não há qualquer violação da Constituição, nomeadamente dos arts.
55º, nº 6, 17º e 18º.
Pois se a entidade patronal tem o poder de atribuir ou não atribuir os falados prémios de assiduidade, em função das faltas dadas pelos dirigentes sindicais, nada tem de ilícito, uma vez que tais faltas são equiparadas a quaisquer outras'
(a fls. 282 vº).
E sobre a questão da não progressão na carreira profissional, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão em causa, referiu o seguinte:
' Como se vê da matéria de facto dada como provada pelas instâncias a classificação de desempenho depende da consideração de vários pontos e não apenas do referente à assiduidade.
Mas as faltas dadas pelo recorrente foram determinantes da sua classificação?
Trata-se da matéria do nexo de causalidade, matéria de facto a que as instâncias responderam e que este Supremo Tribunal não pode alterar.
E a resposta foi no sentido de que o ora recorrente não provou o nexo de causalidade entre as faltas e a classificação.
Deste modo fica prejudicada a questão de saber se o Regulamento da Empresa sobre classificação de desempenho viola ou não a Lei Sindical e a própria Constituição.
Não se sabe, portanto, se a recorrida teria atendido às faltas para efeito da classificação de serviço do recorrente' (a fls. 283 e vº).
2. Notificado deste acórdão, dele veio interpor recurso de constitucionalidade o autor recorrente, o qual foi admitido por despacho de fls.
288.
3. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Após a distribuição, o relator convidou o recorrente, nos termos do nº
5 do art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, a indicar os elementos em falta no seu requerimento de interposição do recurso.
Correspondendo ao convite, o recorrente indicou que interpusera o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'sendo as normas cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada a do nº 1 do art. 22º do Dec.-Lei 215-B/75, de [30] de Abril, na interpretação que obteve vencimento no douto acórdão recorrido segundo a qual as faltas dadas pelos dirigentes sindicais, para além do crédito de horas que lhes
é atribuído, podem ter, de acordo com tal preceito legal, reflexos, nomeadamente de ordem económica e em classificação de serviço, para além dos que resultam da perda de retribuição pelo tempo de serviço perdido e as normas regulamentares internas da empresa recorrida que disciplinam a atribuição do prémio de assiduidade e da participação nos lucros da empresa e a atribuição da classificação de mérito, na parte em que fazem reflectir, para efeito de tal classificação, as faltas dadas pelos dirigentes sindicais nos «items» de
«assiduidade» e «quantidade de trabalho» e fazem ainda reflectir tais faltas na determinação do grau de assiduidade de que depende a percepção daquelas prestações' (a fls. 294 e vº). Esclareceu ainda que o preceito constitucional violado era o nº 6 do art. 55º da Lei Fundamental no referente à inconstitucionalidade do art. 22º, nº 1, do Decreto-Lei nº 215-B/75, caso se considerasse tal norma como uma norma de mediação de tal preceito constitucional, 'ou esse mesmo preceito conjugado com os arts. 17º e 18º da Constituição da República no referente à inconstitucionalidade da referida regulamentação interna da recorrida' (ibidem).
4. Fixado prazo para alegação, vieram alegar recorrente e recorrida.
O recorrente pediu que fossem julgadas inconstitucionais a norma do nº
1 do art. 22º da Lei Sindical na dimensão e interpretação consideradas no acórdão recorrido e as normas do regulamento de empresa que mandavam considerar na componente assiduidade as faltas dadas pelos dirigentes sindicais no exercício das suas funções para efeitos de avaliação de determinados 'items' no processo de avaliação do desempenho profissional do trabalhador e formulou as seguintes conclusões:
'a) A recorrida atribui aos seus trabalhadores um prémio de assiduidade e participação nos lucros da empresa, sendo a percepção ou não percepção dessas prestações e o seu montante determinado pelo nível de assiduidade do trabalhador
(acrescido da sua informação de mérito para o caso da participação dos lucros) a aferir de acordo com os critérios fixados nos respectivos regulamentos internos.
b) Nos termos desses regulamentos as faltas dadas por membros da direcção de associações sindicais no exercício das suas funções, para além do crédito de horas que legalmente lhes é atribuído, conta para efeitos de determinação da sua assiduidade podendo, desse modo, determinar a percepção ou não percepção daquelas prestações ou o seu «quantum».
c) Nos termos do disposto no art. 22º, nº 1 da Lei Sindical, as faltas dadas pelos membros das direcções das associações sindicais para desempenho das suas funções «consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração como tempo de serviço efectivo».
d) Nos termos do nº 6 do art. 55º da Constituição da República «a lei assegura protecção adequada aos representantes eleitos dos trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções».
e) Atendendo a tal disposição constitucional, a única interpretação do disposto no art. 22º nº 1 da Lei Sindical que com ela se conforma terá de ser no sentido de que as ausências dos dirigentes sindicais ao trabalho, motivadas pelo exercício da sua actividade sindical, apenas poderão ter como consequência a perda da retribuição relativa exclusivamente ao período efectivo da ausência.
f) O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo de revista interposto pelo aqui recorrente, ao interpretar diferentemente a citada disposição do nº 1 do art. 22º da Lei Sindical, atribuindo-lhe uma amplitude que permite a repercussão das ausências dos dirigentes sindicais, motivadas pelo exercício da sua actividade sindical, na perda ou diminuição da percepção de outras prestações de natureza pecuniária não directamente dependentes e correlativas ao trabalho efectivo a que se falta, é inconstitucional, por violar materialmente o disposto no referido nº 6 do art. 55º da Constituição da República, interpretado este também à luz do disposto no art. 18º nº 2 do mesmo diploma legal.
g) O referido princípio do nº 6 do art. 55º da Constituição da República, nos termos do disposto nos arts. 17º e 18º do mesmo diploma, tem eficácia imediata vinculando, independentemente de qualquer lei de mediação, as entidades públicas e as entidades privadas.
h) Pelo que, de todo o modo, a regulamentação da empresa recorrida em matéria da atribuição de subsídio de assiduidade e participação nos lucros e de avaliação de desempenho, na medida em que permite a consideração do número de faltas dadas por um dirigente sindical no exercício da sua actividade sindical, para efeitos da sua atribuição ou da determinação do seu «quantum» e permitem ainda a consideração de tais faltas para efeitos de avaliação de determinados items em processo de avaliação de desempenho dos seus funcionários, viola os referidos preceitos constitucionais'. (a fls. 320 vº a 321 vº)
A entidade recorrida, por seu turno, propugnou pela confirmação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:
'a) O comando do art. 55º, nº 6 da Constituição não deve ser interpretado à luz do art. 22º, da Lei Sindical, devendo o processo interpretativo ser justamente o inverso.
b) Efectivamente, o art. 22º da Lei Sindical, ao considerar justificadas todas as ausências dos delegados sindicais e ao estabelecer o crédito de horas, conforma-se com o preceito constitucional, na medida em que este, não estabelecendo mecanismos concretos de protecção e devolvendo ao legislador ordinário a competência para os estabelecer, será respeitado desde que o seu fim
- a protecção adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das funções - seja prosseguido.
c) Não violando a Constituição da República a permissão estabelecida pelo art.
22º da Lei Sindical de descontar a remuneração, nenhuma razão haverá para impor
à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador com funções sindicais uma prestação sem carácter remuneratório como é o caso de participação nos lucros.
d) No que concerne ao prémio de assiduidade, o mesmo - para utilizar a argumentação do Recorrente - não é exterior ao sinalagma próprio do contrato de trabalho. Compensando uma característica específica da prestação laboral, que não existe desligada dessa prestação, é contrapartida da mesma.
e) Nesta conformidade, quer o prémio de assiduidade tenha carácter retributivo quer não, será sempre lícito considerar, para efeitos da sua atribuição, as ausências dos dirigentes sindicais, pois, no primeiro caso a lei permite o desconto da remuneração e, no segundo, não fará qualquer sentido proteger uma remuneração sem essa dignidade.
f) A alegação de que qualquer desconto nestes prémios constitui um constrangimento para o trabalhador, que violaria o preceito constitucional, prova demais já que, levado às últimas consequências, tornaria inconstitucional o próprio desconto da remuneração correspondente ao período em falta, o que, como o próprio Recorrente admite, não está vedado pela Constituição.
g) Os prémios de assiduidade e de comparticipação nos lucros, pela forma como se encontram regulamentados na empresa da Recorrida, tratam de forma igual o que é igual, ou seja, todas as ausências ao trabalho, independentemente da sua causa.
h) O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça concluindo pela licitude à face da Lei Ordinária e da Lei Constitucional do facto de o Recorrente deixar de receber os prémios de assiduidade e as participações nos lucros em consequência das faltas dadas no exercício das suas funções de dirigente sindical, julgou bem e a sua decisão não merece reparos' (a fls. 334 vº e 335).
5. Foram corridos os vistos legais.
Impõe-se, por isso, começar por apreciar se é possível ao Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso.
II
6. Como resulta do requerimento apresentado pelo recorrente, em resposta ao convite formulado ao abrigo do nº 5 do art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, aquele indicou como objecto do recurso de constitucionalidade as seguintes normas:
- o nº 1 do art. 22º da Lei Sindical (Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril) na interpretação segundo a qual 'as faltas dadas pelos dirigentes sindicais, para além do crédito de horas que lhes é atribuído, podem ter, de acordo com tal preceito legal, reflexos, nomeadamente de ordem económica e em classificação de serviço, para além dos que resultam da perda de retribuição pelo tempo de serviço perdido';
- as normas regulamentares internas da empresa recorrida que disciplinam a atribuição do prémio de assiduidade e da participação nos lucros da empresa e a atribuição da classificação de mérito, 'na parte em que fazem reflectir, para efeito de tal classificação, as faltas dadas pelos dirigentes sindicais nos
«items» de «assiduidade» e «quantidade de trabalho» e fazem ainda reflectir tais faltas na determinação do grau de assiduidade de que depende a percepção daquelas prestações'.
7. Ora, relativamente às normas regulamentares internas da empresa recorrida - no caso, trata-se de uma sociedade comercial anónima regida pelo direito privado - carece o Tribunal Constitucional de competência para apreciar a respectiva constitucionalidade, não sendo sindicável o juízo sobre a sua legalidade e constitucionalidade feita no acórdão recorrido. De facto e como se escreveu no Acórdão nº 156/88 - a propósito de normas de um regulamento interno de uma empresa pública sobre a prevenção e combate do alcoolismo - '... a fiscalização da constitucionalidade é de normas ou de actos normativos do Estado, das regiões autónomas e do poder local, não abrangendo, portanto, normas provenientes da autonomia privada'. No mesmo acórdão transcreveu-se, além do ensinamento de Jorge Miranda, um passo do comentário de Gomes Canotilho e Vital Moreira onde estes constitucionalistas referem que, se certas normas não provenientes de um poder normativo público (como sejam os regulamentos e estatutos de associações, regulamentos internos de empresas e regulamentos de locais privados abertos ao público) infringirem a Constituição, 'na parte em que esta se aplica directamente também a entidades privadas, esses actos serão inválidos; só que os meios de defesa não são os meios específicos do controlo de constitucionalidade, mas sim os meios judiciais comuns de impugnação de actos ilícitos' (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 1057 e segs.; na doutrina, vejam-se Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, torno II,
3ª ed., Coimbra, 1991, págs. 416 e segs.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra, 1993, págs. 991 e segs.; deste autor e de Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, págs. 983 e segs.; na jurisprudência do Tribunal Constitucional vejam-se ainda os Acórdãos nºs. 472/89, no 14º vol. dos Acórdãos, pág. 7 e segs., 92/94, inédito, e 730/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 31, de
06-02-1996).
8. Assim sendo, o objecto do recurso há-de confinar-se à norma do nº 1 do art. 22º da Lei Sindical.
Dispõe essa norma:
' As faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração como tempo de serviço efectivo'.
Cabe perguntar se tal norma foi aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça com a interpretação que o recorrente reputa de inconstitucional.
Importará recordar a fundamentação do acórdão daquele Supremo Tribunal atrás parcialmente transcrita.
Assim, aquele acórdão distinguiu duas situações diversas, relativamente aos pedidos formulados pelo autor recorrente na petição inicial.
Na primeira situação - respeitante à não atribuição dos prémios de assiduidade e da participação nos lucros ao trabalhador ora recorrente _ o Supremo Tribunal de Justiça aplicou o nº 1 do art. 22º da Lei Sindical, interpretado de uma forma ampla, considerando uma alternativa: ou tais atribuições patrimoniais poderiam qualificar-se como remunerações ou haveriam de ser qualificadas como 'atribuições graciosas e de carácter estimulante'. De harmonia com a primeira qualificação, seria seguro que não seria ilícita a privação dessas atribuições relativamente ao recorrente, enquanto dirigente sindical; em conformidade com a segunda, seria ainda mais clara a natureza lícita dessa privação, valendo um raciocínio por maioria de razão, a partir do tratamento legal da remuneração de base.
Na segunda situação - respeitante à invocada não progressão do recorrente na carreira profissional na empresa - o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou o art. 22º, nº 1, da Lei Sindical com a interpretação inconstitucional que lhe é imputada pelo recorrente. O Supremo entendeu que o recorrente não lograra provar, apesar de sobre si recair o ónus de prova, que as faltas dadas por ele haviam sido determinantes da sua não progressão na carreira. O Supremo declarou que estava vinculado à fixação da matéria de facto pelas instâncias e que tal matéria de facto não permitira estabelecer 'o nexo de causalidade entre as faltas e a classificação'.
Como é evidente, não pode o Tribunal Constitucional sindicar o modo como o Supremo Tribunal de Justiça considerou a matéria de facto apurada pelas instâncias, impondo-se a conclusão de que este Alto Tribunal não aplicou quanto
à segunda situação o nº 1 do art. 22º da Lei Sindical ('deste modo fica prejudicada a questão de saber se o Regulamento da Empresa sobre classificação de desempenho viola ou não a Lei Sindical e a própria Constituição').
9. Em conclusão, o objecto do recurso confina-se, pois, à questão da constitucionalidade do nº 1 do art. 22º da Lei Sindical na interpretação segundo a qual 'as faltas dadas pelos dirigentes sindicais, para além do crédito de horas que lhes é atribuído, podem ter, de acordo com tal preceito legal, reflexos, nomeadamente de ordem económica (quanto à atribuição de prémios de assiduidade e de participação nos lucros da entidade patronal), para além dos que resultam da perda de retribuição pelo tempo de serviço perdido'.
III
10. A Constituição portuguesa vigente reconhece como liberdade fundamental dos trabalhadores a liberdade sindical, 'condição e garantia da constituição da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses' (nº 1 do art. 55º). No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, a liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis, a liberdade de inscrição em sindicatos, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, o direito de exercício de actividade sindical na empresa e ainda o direito de tendência, 'nas formas que os respectivos estatutos determinarem' (nº 2 do mesmo art. 55º).
Na primeira revisão constitucional foi aditado um novo número ao correspondente artigo da versão originária (art. 57º, que passou a ser o 56º), estabelecendo que a lei asseguraria 'a protecção adequada aos representantes eleitos dos trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções'.
Obteve, assim, consagração constitucional a preocupação de prever um regime eficaz de protecção aos dirigentes e delegados sindicais contra previsíveis represálias patronais, de forma a evitar quaisquer discriminações destinadas a não incentivar o desempenho de funções electivas nas organizações sindicais. Note-se que, no plano internacional, Portugal se achava já vinculado por convenções da Organização Internacional do Trabalho que visavam proteger os sindicalistas no exercício das suas tarefas sindicais (Convenções nºs. 98 e 135, ratificadas por Portugal). No dizer de Gomes Canotilho e de Vital Moreira, o disposto no nº 6 do art. 55º da versão vigente da Constituição comporta duas dimensões: '(a) a dimensão subjectiva pois trata-se da consagração de um verdadeiro direito de defesa dos representantes eleitos dos trabalhadores no exercício das suas funções; (b) a dimensão objectiva, traduzida na consagração de uma imposição constitucional dirigida ao legislador ordinário no sentido de este concretizar as formas de protecção adequada' (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. cit., pág. 303).
11. Anteriormente à entrada em vigor da Constituição de 1976, no plano da legislação ordinária, já haviam sido consagradas soluções que traduziam a protecção especial dos dirigentes eleitos pelos trabalhadores. De facto, na chamada Lei Sindical (Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril), além de uma disposição sobre a natureza justificada das faltas ao trabalho dadas pelos membros da direcção das associações sindicais e a concessão de um crédito de quatro dias por mês com direito à remuneração (art. 22º), aparecem outras disposições com idêntico objectivo: proibição de transferência de local de trabalho dos dirigentes sindicais, sem respectivo acordo (art. 23º), presunção de ausência de justa causa nos despedimentos dos dirigentes sindicais em funções ou num determinado período subsequente à cessação dessas funções (art. 24º, nº
1), indemnização agravada quando seja anulado o despedimento por falta de justa causa, no caso de o trabalhador não pretender a sua reintegração na empresa (nº
2 do art. 24º), e extensão desses direitos aos delegados sindicais (arts. 32º,
34º e 35º). Além disso, e para tutelar a liberdade sindical proíbe-se e considera-se nulo e de nenhum efeito todo o acordo ou acto que subordine o emprego do trabalhador à condição de este se filiar ou de não se filiar numa associação sindical ou de se retirar daquela em que esteja inscrito ou se vise
'despedir, transferir ou, que qualquer modo, prejudicar um trabalhador por motivo da sua filiação ou não filiação sindical ou das suas actividades sindicais' (art. 37º).
12. O Tribunal Constitucional teve ocasião em 1994 de apreciar a constitucionalidade das normas dos art. 24º, nº 2, e 35º, nº 2, da Lei Sindical. A entidade patronal de um delegado sindical despedido sustentara sem êxito perante a Jurisdição do Trabalho que essas normas, ao preverem uma indemnização agravada para o trabalhador despedido sem justa causa, violavam o princípio constitucional da igualdade, vindo a submeter a questão ao Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade.
Nessa ocasião, ponderou o Tribunal Constitucional:
' A questão do confronto com o princípio da igualdade de um sistema legal de particular protecção dos representantes dos trabalhadores orientado a prevenir a eventualidade de despedimento abusivo não é nova. A propósito da Lei nº 68/79, de 9 de Outubro, a Comissão Constitucional, primeiro, e o Tribunal Constitucional, depois, julgaram em jurisprudência pacífica que as medidas ali previstas, de jurisdicionalização do processo de despedimento dos membros dos corpos gerentes das associações sindicais, de delegados sindicais e de membros das comissões de trabalhadores e suas comissões coordenadoras não eram contrárias à Constituição [cf., Acórdãos da Comissão Constitucional, nºs. 458 e
476, Apêndice ao D. R., de 23-08-83, pág. 118 e pág. 143, respectivamente, e Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 126/84, 204/85, 309/85, 18/86 e 122/86, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º vol., págs. 393 e segs.; 6º vol., pág.
511 e segs.; 7º vol., tomo II, págs. 509 e segs.; 7º vol., tomo II, págs. 787 e segs., respectivamente].
Nessa jurisprudência, chamou-se à atenção para que a protecção especial da segurança no emprego dos dirigentes dos trabalhadores está já consignada na Convenção nº 135 da Organização Internacional do Trabalho, de 23 de Junho de
1971, e que outros lugares do Direito Comparado a reconhecem. E, ponderando a solução legislativa que consiste em impor o meio de acção judicial para se decidir do despedimento dos representantes dos trabalhadores, concluiu-se ali que a lei não infringira qualquer norma ou princípio constitucional' (acórdão nº
576/94 ainda inédito).
Importará notar que, no acórdão nº 581/95, o Tribunal Constitucional considerou conforme à Constituição a solução adoptada pelo legislador ordinário de pôr termo ao sistema de jurisdicionalização do processo de despedimentos de dirigentes das organizações de trabalhadores - cfr. Diário da República, I Série-A, nº 18, de 22 de Janeiro de 1996).
E, abordando a questão de constitucionalidade da norma relativa à indemnização agravada, decidiu o Tribunal Constitucional que a mesma não era inconstitucional:
' Na perspectiva da relação empregador-trabalhador, e partindo daquele quadro jurídico-constitucional, dir-se-á que uma decisão legislativa como a que se contém nas normas em apreço, que sanciona com o dobro de indemnização a entidade patronal, em razão da concretização de despedimento sem justa causa de representantes dos trabalhadores, não se mostra em si mesma ilegítima. Não está aqui em causa o maior ou menor acerto da solução.
Já reconhecemos, antes, o primado político do legislador.
Neste momento de análise, está em causa é saber se a assimetria da relação contratual-laboral que se manifesta naquela forma particular de indemnização é constitucionalmente permitida. E a resposta não é negativa, se tivermos precisamente em conta que a relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do
«equilíbrio de liberdades» que a caracteriza e também que se não reconhece no sistema uma qualquer norma que, pelo contexto de sentido, torne desproporcionado o peso específico desta especial medida de protecção'.
13. É altura de apreciar a questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso.
Consta dos autos que a entidade recorrida decidiu atribuir unilateralmente aos seus trabalhadores um prémio de assiduidade, destinado a combater as elevadas taxas de absentismo verificadas na empresa (vejam-se as Ordens de Serviço nºs. 11/84, 1/85, 1/86, 3/86 e 3/88, a fls. 23 e seguintes dos autos), ficando a sua concessão condicionada à circunstância de não serem ultrapassados certos limites máximos de faltas. Por outro lado, decidiu igualmente atribuir uma prestação pecuniária variável respeitante à participação nos lucros do exercício social destinada a reconhecer a 'contribuição de cada trabalhador para a produtividade da Empresa e consequentemente nos seus resultados de exercício...' (Ordem de Serviço nº 9/88, a fls. 37 e seguintes dos autos; cfr. ainda as Ordens de Serviço nºs. 6/89 e 6/90, a fls. 40 e segs. dos autos).
Como se viu, o Supremo Tribunal de Justiça discutiu se tais atribuições patrimoniais se podiam ainda reconduzir ao conceito jurídico-laboral de retribuição ou remuneração, concluindo em sentido negativo, nomeadamente com referência ao disposto no art. 89º da chamada Lei do Contrato de Trabalho (sobre esta matéria, vejam-se Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lisboa, 1994, págs. 263-264; A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, 8ª ed., Coimbra, 1993, págs. 373 e segs.; Bernardo G. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., Lisboa,
1993, págs. 387 e segs). Esse Alto Tribunal considerou que tais prestações patrimoniais tinham natureza graciosa e estimulante, visando incentivar o trabalhador a não dar faltas desnecessárias e a melhorar a sua prestação de serviço. Tratar-se-ia, pois, de atribuições extraordinárias que, embora tendo causa no contrato de trabalho e nos serviços prestados, não seriam juridicamente devidas, tendo antes o carácter de recompensa voluntária ou prémio pelos bons serviços, não devendo integrar a noção de retribuição como correspectivo da prestação de trabalho.
14. O Tribunal Constitucional acha-se vinculado a esta qualificação feita pela jurisdição competente.
Partindo dela, pode desde já concluir-se que não viola a Constituição o art. 22º, nº 1, da Lei Sindical, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
15. De facto, o ora recorrente aceita que não sofre de inconstitucionalidade a norma do nº 1 do art. 22º da Lei Sindical na parte em que dispõe não ser devida remuneração pelas faltas justificadas dadas pelo dirigente sindical, para além do crédito de horas legal e remunerado previsto no nº 2 do mesmo artigo (sobre o regime legal dessas faltas, veja-se Jorge Leite, Ausência do Trabalho no Desempenho de Funções Sindicais, in Revista do Ministério Público, nº 32, págs. 85 e segs.). Considera, porém, através de uma interpretação a contrario sensu do nº 1 do art. 22º, que a imposição legal de que as faltas justificadas contem 'para todos os efeitos' implica que devam ser pagas a esses dirigentes sindicais as gratificações do tipo das previstas nos autos, sob pena de inconstitucionalidade.
Como se viu, o Supremo Tribunal de Justiça - seguindo o parecer jurídico junto aos autos - afastou tal interpretação a contrario sensu. E considerou que a mesma não violava o nº 6 do art. 55º da Constituição, nomeadamente por argumento a fortiori, a partir do disposto na parte final do nº
1 do citado art. 22º.
Considera-se que o nº 6 do art. 55º da Constituição não impõe uma parificação total dos trabalhadores que exercem funções de direcção em associações sindicais, relativamente aos outros trabalhadores da mesma empresa, quando estejam em causa diferentes períodos de efectiva prestação de trabalho e no que toca à percepção da retribuição ou a atribuições patrimoniais que pressupõem a prestação de trabalho efectivo. A Constituição apenas impõe ao legislador que estabeleça regras de protecção quanto a esses trabalhadores, de forma a que não sejam impedidos ou constrangidos relativamente ao desempenho de tais funções (o legislador considerou serem medidas idóneas para assegurar tal protecção a solução de considerar justificadas as faltas ao serviço, sem qualquer limite temporal, implicando que o trabalhador não seja afectado na sua antiguidade, por exemplo; bem como a de impedir a mudança de local de trabalho, sem o consentimento do visado).
Não se vê, assim, que a norma seja inconstitucional quando interpretada no sentido de que o absentismo (lícito) do trabalhador por causa do exercício de funções sindicais afasta a obrigação de a entidade patronal pagar as remunerações referentes às ausências para além do crédito de horas e, muito menos, a de a obrigação de atribuir prestações não devidas destinadas a estimular a assiduidade e a produtividade do trabalhador. De facto, seria desproporcionado pôr a cargo da entidade patronal o pagamento das retribuições e gratificações, sem quaisquer limites, não obstante a ausência do trabalhador, que é dirigente sindical, para assegurar as suas tarefas e funções sindicais.
O legislador ordinário procurou compatibilizar as pretensões em conflito, estabelecendo uma solução compromissória: a entidade patronal não pode pôr termo ao contrato de trabalho invocando a ausência de serviço do trabalhador, quando este dê faltas por causa da sua actividade de dirigente sindical, não podendo verificar se se justificam tais ausências; o trabalhador não tem o direito de exigir remuneração pelos períodos de ausência justificada ao serviço da organização sindical que dirige e que excedam um crédito máximo de dias atribuído pela lei. A suspensão do contrato de trabalho durante as ausências justificadas não tutela a estabilidade de emprego, em si mesma, mas traduz a protecção da liberdade sindical enquanto direito fundamental do trabalhador.
A interpretação perfilhada no acórdão recorrido no sentido de que é lícito à entidade patronal excluir de concessão de determinadas gratificações
(prémio de assiduidade; participação nos lucros) os dirigentes sindicais que hajam dado faltas justificadas, por causa do exercício de funções sindicais, para além do crédito legal de horas para essa tarefa, não viola, pois, o nº 6 do art. 55º da Constituição, sendo evidente que o dirigente sindical que se sacrifica pela respectiva associação sindical há-de estar consciente de que, ultrapassado o crédito de dias atribuído por lei, perde o direito à remuneração a que está obrigada a entidade patronal e, por maioria de razão, às atribuições patrimoniais não devidas que esta última confere aos trabalhadores com elevado grau de assiduidade e, presumivelmente, com maior produtividade. Não pode, assim, falar-se de qualquer retaliação ou abuso do poder da entidade empregadora face aos trabalhadores que se expõem, apresentando reivindicações e denunciando a violação dos direitos dos trabalhadores da empresa. Não existe, pois, violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade nem, claro, do nº 6 do art.
55º da Constituição.
16. Por estas razões não pode proceder o presente recurso de constitucionalidade.
IV
17. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996 Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa