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Processo nº 562/92
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
Tribunal Constitucional:
1. O recorrente A., notificado do Acórdão nº 220/95, a fls. 396 e seguintes,
que desatendeu o pedido de esclarecimento do Acórdão nº 160/95, a fls. 318 e
seguintes, tendo este negado provimento ao recurso de constitucionalidade por
ele interposto, veio agora 'invocar NULIDADES ou subsidiariamente a
inconstitucionalidade do ACÓRDÃO', o Acórdão nº 160/95, terminando o seu
requerimento da forma que se segue:
'Termos em que se argui a nulidade do douto Acórdão, ao abrigo dos cits. artºs.
668º, 1, d) do C.Pr.Civil e 20º da Const. da Rep. de não decisão prévia do
conteúdo normativo, com vigor legal e constitucional, geral e abstracto,
autónomo, a se e prioritário (e à luz dos artºs
9º do Cód. Civil e 16º, nº 2, 17º, 18º e 206º da C. da Rep.) dos arts. 27º, nº 5
da Const. da Rep. e 225º nº 1, do C.Pr.Penal, como premissa maior necessária à
decisão de conformidade constitucional ou não das normas ou interpretações
exornantes do concreto e casuístico Acórdão recorrido; ou, subsidiariamente, a
nulidade com base em oposição da decisão com os fundamentos (a premissa maior
do dito conteúdo normativo legal e constitucional), ao abrigo do cit. art.
668º, nº 1, c); ou subsidiariamente, a inconstitucionalidade do próprio Acórdão
ao permitir interpretações restrictivas do Acórdão recorrido, aos preceitos dos
artºs cits. 27º nº 5 e 225º, nº 1, por ofensa dos cits. preceitos
constitucionais, arts. 16º, nº 2, 17º, 18º e 206º'.
2. Para chegar a tal conclusão, o recorrente desenvolve a argumentação que,
em síntese, passa a transcrever-se:
2.1. 'O discurso jurisdicional decide (conclusão) a legalidade duma situação
(premissa menor) pela sua subsunção ao quadro legal (premissa maior)', e, assim
sendo, 'é imperativo manifesto do discurso jurisdicional - sob pena de petição
de princípio no plano geral do discurso intelectual e sob pena da dita nulidade
específica do discurso jurisdicional - fixar-se previamente o conteúdo normativo
da dita premissa maior (artºs 27, nº 5 da Const. Rep. e artº 225º, nº 1 do
C.Pr.Penal)', mas 'o douto Acórdão - e salvo melhor opinião - não fixa qual o
conteúdo normativo-constitucional que deriva dos artºs 27º, nº 1 da C. Rep. e
225º, nº 1, do C.Pr.Penal'.
'Ora afigura-se ao requerente - salvo melhor opinião - que o Acórdão não fixa
com prioridade lógica e temporal, autonomamente e a se, independentemente do
conteúdo do Acórdão recorrido e este meramente em análise (como premissa menor):
- Qual o conteúdo normativo constitucional, com valor geral e abstracto, da
garantia do cidadão face a prisões ilegais que exorna dos arts. 27º, nº 5, da
Const. da Rep e 225º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal e à luz dos princípios, de
obediência ex legis, do artº 9º do Cód. Civil'.
2.2. Formula depois o recorrente as seguintes perguntas que passa a
desenvolver:
'Isto é, os cits. arts. 27º, nº 5 e 225º, nº 1, têm um conteúdo normativo
autónomo, a se, concreto e determinado?
E esse conteúdo tem o valor de lei, geral e abstracta e impondo-se a todos com
tal vigor, inclusivé aos Tribunais? Qual?
Ou tais artigos não têm um fixado conteúdo normativo, com valor legal e
constitucional, autónomo e a se, geral e abstracto: e podem os Tribunais,
posteriormente, casuisticamente, fixar restrições por via jurisprudencial (tipo
sistema inglês). E em que os casos que tipificarem pela positiva estão
garantidos, mas os casos que excluírem não estão garantidos?'
2.3. 'Mas se se entender - adita o recorrente - que o douto Acórdão fixou o
conteúdo normativo, geral e abstracto, com vigor legal e constitucional,
autónomo, a se e prioritário, da garantia do cidadão face a prisão ilegal -
mas mais abrangente do que o conteúdo restritivo do Acórdão recorrido.
Então a interpretação restritiva recorrida do Acórdão recorrido ofendendo,
lógica e intelectualmente, aquele conteúdo normativo mais abrangente - é na
parte da exclusão inconstitucional.
E assim não se decidindo no Acórdão, então, a decisão estará em oposição com tal
fundamento e como tal é nulo o Acórdão, à luz do cit. art. 668, 1, c) do C. Pr.
Civil.
O que subsidiariamente se argui'.
2.4. 'Ou se ainda se entender - é a posição final do recorrente - que o douto
Acórdão fixou o conteúdo normativo, geral e abstracto, com vigor legal e
constitucional, autónomo, a se e prioritário - mas mais abrangente que o
conteúdo 'restritivo' do Acórdão recorrido. E, que,
por sua vez se entende que esse conteúdo restritivo do Acórdão recorrido não
ofende a Constituição da República porque cabe também aos Tribunais restringir
o conteúdo normativo constitucional, prévia, autónoma e a se fixado dos cits.
arts. 27º, nº 5 e 225, nº 1 - então o Acórdão é inconstitucional por conter
norma ou interpretação que ofende os preceitos da Const. da Rep. artºs 16º nº 2,
17º, 18º e 206º.
Inconstitucionalidade que subsidiariamente se argui'.
3. Em resposta à arguição, o Ministério Público recorrido veio sustentar que
'improcede manifestamente a arguida invocação de nulidades', fundamentando a
resposta nestes termos:
1º
Persiste o recorrente em pretender discutir os méritos da tese
jurídico-constitucional que fez vencimento no acórdão reclamado, servindo-se,
para tanto, de meios processuais que manifestamente não são idóneos nem estão
vocacionados para tal função, como bem podia e devia saber.
2º
Não vemos, na realidade, que a prolixa e, em alguns pontos, manifestamente
pouco clara exposição constante de fls. 406 e seguintes indicie, de perto ou
de longe, que haja ocorrido o cometimento de qualquer das nulidades da decisão
prescritas na lei de processo em vigor, já que o não convencimento subjectivo do
recorrente pela argumentação constante na decisão proferida não constitui,
naturalmente causa de 'nulidade' daquela...
3º
Não competindo naturalmente a este Tribunal emitir 'pareceres' complementares
que resolvam as dúvidas subjectivas, de índole teórica ou metodológica, que,
porventura, continuem a assolar o espírito das partes - e que possam servir
de base à interposição de outros recursos, 'maxime' perante instâncias
internacionais.
4º
Em suma: o acórdão reclamado resolveu de forma clara, exaustiva e concludente as
questões que constituíam objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que não
padece obviamente de qualquer 'nulidade'.
5º
Não se entende, por outro lado, o que pretende o recorrente com a invocação da
'inconstitucionalidade'(?) de tal decisão, já que - como é pacífico - a
própria interpretação 'inconstitucional' de norma não vicia, em termos de
nulidade, qualquer decisão judicial.
4. Sem vistos, cumpre decidir (artigo 716º, nº 2, do Código de Processo
Civil).
São dois os patamares que o recorrente utiliza na sua arguição:
- o principal, consistindo numa omissão de pronuncia, com expressa invocação
dos artigos 668º, nº 1, d), 716º e 726º, do Código de Processo Civil, e que se
traduz, na sua essência, em não fixar o acórdão reclamado 'o conteúdo normativo
constitucional que deriva dos artºs 27º, nº 1 da C. Rep. e 225º, nº 1, do
C.Pr.Penal'.
- o subsidiário, consistindo, por um lado, numa oposição entre os fundamentos
e a decisão do acórdão reclamado, 'à luz do cit. artº 668º, 1, c) do C. Pr.
Civil', e, por outro lado, na inconstitucionalidade desse acórdão, 'por conter
norma ou interpretação que ofende os preceitos da Const. da Rep. artºs 16º, nº
2, 17º, 18º e 206º'.
5. Começando por este último segmento da arguição subsidiária, por comodidade
de raciocínio, é bom de ver, como regista o Ministério Público, na sua resposta,
que acaba por não se entender o que o recorrente pretende com a invocação da
'inconstitucionalidade do próprio Acórdão ao permitir interpretações
restritivas do Acórdão recorrido, aos preceitos dos artºs cits 27º, nº 5 e 225º,
nº 1', pois uma interpretação desse tipo, mesmo que fosse inconstitucional, por
afrontar normas da Lei Fundamental, não viciava, em termos de nulidade, a
decisão judicial, antes se caracterizava como possível erro de julgamento,
com suporte em violação de Lei.
Nem cabe, aliás, no quadro de uma arguição de nulidades, conforme prevê o
artigo 668º do Código de Processo Civil, a invocação da 'inconstitucionalidade
do próprio Acórdão', pois ela não preenche nenhuma das figuras tipificadas nas
diversas alíneas daquele artigo, sendo despiciendo estar aqui a fazer tal
demonstração.
6. Passando agora ao outro segmento da arguição subsidiária, traduzido numa
oposição entre os fundamentos e a decisão, não procede porém o discurso do
recorrente, ainda que eventualmente pudesse ter cabimento tal arguição, 'à luz
do cit. artº 668, 1, c) do C.Pr.Civil'.
Desde logo, porque no acórdão reclamado se decidiu, em síntese geral, acerca
da 'interpretação e aplicação que as instâncias (incluindo, portanto, o acórdão
recorrido) fizeram da norma do nº 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal
de 1987'. O que claramente diz o recorrente é que 'a interpretação restritiva
recorrida do Acórdão recorrido ofendendo, lógica e intelectualmente, aquele
conteúdo normativo mais abrangente - é na parte da exclusão inconstitucional'
('E assim não se decidindo no Acórdão, então, a decisão estará em oposição com
tal fundamento e como tal é nulo o Acórdão, à luz do cit. art. 668, 1, c) do C.
Pr. Civil' - acrescenta o recorrente).
Se, como se disse, houve lugar à decisão acerca da tal 'interpretação e
aplicação' das instâncias, em termos de se considerar estar-se 'ainda no âmbito
normativo constitucional do nº 5 do artigo 27º' (da Lei Fundamental), nunca
pode ocorrer a invocada oposição entre os fundamentos e a decisão, para dar como
verificada a nulidade da alínea c), do nº 1, do artigo 668º, do Código de
Processo Civil. Exactamente porque o acórdão reclamado deu uma resposta negativa
à questão de saber - e tudo se resume a esse ponto - 'se a aplicação do nº 1 do
artigo 225º que é feita no acórdão recorrido, com a interpretação nele seguida
de que aí se abrangem 'não só as prisões ou detenções preventivas manifestamente
ilegais levadas a cabo por quaisquer entidades administrativas ou policiais,
como ainda por magistrados judiciais', tipificando-se as condições em que estes
podem agir ilegalmente, contraria o nº 5 do artigo 27º da Constituição, quando
este se reporta à 'privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na
lei'' (só assim, sem se embrenhar o acórdão reclamado na consideração que o
recorrente quer fazer de um conteúdo normativo, 'geral e abstracto, com vigor
legal e constitucional (...) mais abrangente do que o conteúdo restritivo do
Acórdão recorrido').
7. Resta, por último, a arguição principal da omissão de pronúncia, mas,
aqui, só uma deficiente leitura do acórdão reclamado pode justificar a tomada
de posição do recorrente.
Na verdade, no aresto houve a preocupação de reduzir a 'controvérsia
presente ao confronto entre o nº 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal
e o nº 5 do artigo 27º da Constituição' e fez-se apelo ao acórdão deste Tribunal
Constitucional nº 10/84 para se saber como tinha já sido analisada a norma
constitucional.
Depois, 'quanto ao regime de indemnização por privação da liberdade fixado
inovatoriamente no Código de Processo Penal vigente', procedeu-se no mesmo
aresto à análise do artigo 225º desse Código.
E, foi a partir de tais análises que se entendeu que o 'legislador, portanto,
cumpriu a directiva constitucional no nº 1 do artigo 225º, prevendo aí os casos
de 'detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal' e distinguindo no nº
2 os casos em que ela não é ilegal. Não lhe estava vedado pelo legislador
constitucional seguir esse caminho, pois o nº 5 do artigo 27º limita-se a prever
a 'privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei',
derivando, no plano da responsabilidade civil, o dever de indemnizar por parte
do Estado de actuações lícitas ou ilícitas dos órgãos intervenientes nessa
privação da liberdade'.
Como sustentar agora, talqualmente se posiciona o recorrente, que se não fixou
no aresto 'qual o conteúdo normativo-constitucional' de tais normas? É pergunta
que só pode frontalmente ter uma resposta negativa, como se colhe da leitura do
acórdão reclamado.
Tanto basta, e sem entrar em linha de consideração com o que se entende por
'omissão de pronúncia', para ver que no acórdão reclamado se conheceu do tal
'conteúdo normativo constitucional', a que, como 'premissa maior',
constantemente se refere o recorrente, e - bem ou mal - analisara-se as normas
postas em confrontação, concluindo-se pela apreciação da 'interpretação e
aplicação que as instâncias' (incluindo o acórdão recorrido) fizeram dessas
mesmas normas.
Como regista o Ministério Público, o que o recorrente pretende e persiste é
'discutir os méritos da tese jurídico-constitucional que fez vencimento no
acórdão reclamado', mas não são os meios processuais que agora usa idóneos para
alcançar esse objectivo. A menos que queira à exaustão estabelecer dialéctica
com aquela tese, para se munir de argumentos que possa brandir quando for -
como anuncia - 'accionar o Estado Português por violação da cit. Convenção
Europeia dos Direitos do Homem nos Tribunais Internacionais competentes'. Mas
não é este processo, decidida já a causa no Acórdão nº 160/95, o areópago
próprio para dialeticamente confrontar teses em redor do regime de indemnização
por privação da liberdade fixado inovatoriamente no Código de Processo Penal
vigente.
8. Termos em que, DECIDINDO, desatende-se o requerido, condenando-se o
requerente nas custas, com a taxa de justiça fixada em dez unidades de conta.
Lisboa, 20 de Junho de 1995
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa