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Proc. nº 515/94
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. Em processo de execução fiscal para cobrança de
dívida à Segurança Social, que corre termos na Repartição de Finanças de Olhão,
o executado A. deduziu oposição à execução.
Remetido o processo ao Tribunal Tributário de 1ª
Instância de Faro, nos termos do artigo 290º do Código de Processo Tributário,
veio o juiz daquele Tribunal a proferir despacho em 6 de Outubro de 1994. Aí,
depois de se considerar a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 25º do
Decreto‑Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, em que se atribui competência ao
Ministério Público para representar as instituições de previdência ou de
segurança social nos tribunais tributários, entendeu-se que essa norma tinha
sido editada sem prévia autorização legislativa da Assembleia da República, em
matéria de reserva legislativa parlamentar, prevista no artigo 168º, nº 1,
alínea q), da Constituição, pelo que se decidiu ser essa norma organicamente
inconstitucional.
2. Desta decisão interpôs o Ministério Público o
presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70º, nº
1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, atenta a recusa de
aplicação pelo tribunal a quo, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma
do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, e com vista à apreciação da sua
constitucionalidade.
3. Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público
apresentou alegações, nas quais sustenta a inconstitucionalidade orgânica da
norma em apreço.
As suas conclusões foram formuladas como segue:
'1ª - Desde a vigência da Constituição de 1976 e nos termos do artigo 168º,
nº 1, alínea q) (redacção actual) constitui matéria da exclusiva competência da
Assembleia da República legislar sobre a organização e competência do Ministério
Público;
2ª - Deste modo, a atribuição legal, em termos inovatórios, de
competências adicionais ao Ministério Público (tal como a retirada de
competência que lei anterior lhe cometesse), nos termos previstos na alínea n)
do nº 1 do artigo 3º e na alínea f) do nº 1 do artigo 5º da Lei Orgânica do
Ministério Público (Lei nº 47/86, com as modificações introduzidas pela Lei nº
23/92), sempre que resulte de diploma posterior à vigência da Constituição da
República Portuguesa, depende da indispensável credencial parlamentar, sob pena
de inconstitucionalidade orgânica.
3ª - O artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, ao
atribuir ao Ministério Público a repre-sentação dos interesses patrimoniais das
instituições de previdência no processo tributário, colide com o sistema
instituído pelo Código de Processo Tributário (artigos 41º e 42º, alínea c)) e
pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (artigos 72º a 74º), que
assentam numa diferenciação funcional entre as estruturas do Ministério Público
e da representação da Fazenda Pública, a esta competindo o patrocínio em juízo
dos interesses tributários de que são sujeitos a Administração Fiscal e as
demais pessoas colectivas públicas.'
Por sua vez, o recorrido apresentou igualmente
alegações, em que aderiu também à tese da inconstitucionalidade da norma do
artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91.
4. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Fundamentação
5. O presente recurso tem por objecto a questão da
constitucionalidade da norma constante do artigo 25º do Decreto‑Lei nº 411/91,
de 17 de Outubro.
Esse diploma rege a regularização das dívidas à
segurança social, prevendo-se naquele artigo 25º o regime de representação
judiciária das instituições de previdência ou de segurança social nos tribunais
tributários. Nessa norma, aplicável ao caso dos autos, determina-se que 'a
representação das instituições de previdência ou de segurança social nos
tribunais tributários é exercida por representante do Ministério Público'.
6. Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal
Constitucional, através do Acórdão nº 115/95, desta 1ª Secção (Diário da
República, II, de 22 de Abril de 1995).
Nele se concluiu que a norma em causa sofre de
inconstitucionalidade orgânica, por se entender que a mesma reveste carácter
inovatório no âmbito da competência do Ministério Público, o que constitui
matéria de reserva legislativa parlamentar, em face do disposto no artigo 168º,
nº 1, alínea q), da Constituição, sendo certo que tal norma foi emitida sem a
necessária autorização legislativa.
Continuam válidos esse entendimento e os seus
fundamentos.
7. Assim, constituem dados essenciais da questão, e que
importa considerar, os seguintes: por um lado, o artigo 168º, nº 1, alínea q),
da Constituição, determina ser da exclusiva competência da Assembleia da
República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre matéria de 'organização
e competência (...) do Ministério Público'; e, por outro lado, o Decreto-Lei nº
411/91 foi editado sem prévia autorização legislativa da Assembleia da
República, já que emitido ao abrigo do artigo 201º, nº 1, alínea a), da
Constituição, ou seja, no exercício da competência legislativa originária do
Governo.
É certo também que uma norma que rege quanto à
representação judiciária a desempenhar pelo Ministério Público se refere a
matéria de competência desta entidade. Deste modo, cabe fundamentalmente apurar
se a nova função atribuída ao Ministério Público se integra ou não no elenco de
competências que lhe foram cometidas pela Lei Orgânica do Ministério Público
(Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, alterada pela Lei nº 23/92, de 20 de Agosto).
Tendo presente os artigos 3º e 5º (sob as epígrafes
'competência' e 'intervenção principal e acessória' da Lei nº 47/86, bem como o
entendimento doutrinal unânime sobre essa matéria, constata-se estar fora da
esfera de actuação do Ministério Público a representação orgânica de pessoas
colectivas de direito público distintas do Estado‑Administração, como sejam as
instituições de previdência ou segurança social. Essa representação só pode ser
atribuída ao abrigo das normas residuais dos artigos 3º, nº 1, alínea o)
['exercer as demais funções conferidas por lei'], e 5º, nº 1, alínea f)
['intervenção principal (...) nos demais casos em que a lei lhe atribua
competência para intervir nessa qualidade'], da Lei nº 47/86, e através de
diploma proveniente da Assembleia da República ou por esta autorizado, por força
do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição.
Por sua vez, considerando igualmente o ordenamento
processual tributário, verifica-se que a opção do legislador do Código de
Processo Tributário (Decreto-Lei nº 154/91, de 21 de Abril) foi a de atribuir ao
Ministério Público apenas funções de fiscalização e defesa da legalidade e do
interesse público, bem como a representação de ausentes, incertos e incapazes
(artigo 41º, nº 1), não sendo já da sua competência a promoção dos interesses da
administração fiscal e demais pessoas colectivas cujos direitos sejam
efectivados através dos tribunais tributários [artigo 42º, nº 1, alínea c)], o
que foi atribuído ao representante da Fazenda Pública, entidade distinta do
Ministério Público.
8. De tudo resulta que a norma do artigo 25º do
Decreto-Lei nº 411/91 não se enquadra na Lei Orgânica do Ministério Público, nem
se adequa ao regime de intervenção do Ministério Público previsto na lei
processual tributária - o que lhe confere um carácter verdadeiramente inovatório
no âmbito da competência desta entidade.
Por isso se conclui que a matéria regulada pela norma em
causa integra-se na reserva legislativa parlamentar, pelo que deveria ter sido
editada mediante autorização legislativa. Nessa medida, sofre aquela norma de
inconstitucionalidade orgânica.
III
Decisão
9. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma constante do artigo
25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, por violação do artigo 168º, nº
1, alínea q), da Constituição;
b) Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão
recorrida, quanto à questão de constitucionalidade suscitada.
c)
Lisboa, 7 de Junho de 1995
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à junta ao Acórdão nº
115/95)