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Proc. nº 606/95
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A. deduziu junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, oposição fundada nas alíneas b) e h) do nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Tributário (CPTr) a uma execução fiscal promovida pelo Chefe da Repartição de Finanças de -------------- contra a sociedade B., execução da qual ocorrera, contra ele, reversão na qualidade de gerente da executada, nos termos do artigo 13º do CPTr.
Julgada improcedente na 1ª Instância a oposição, pretendeu o oponente recorrer para o Tribunal Tributário da 2ª Instância que julgou o recurso deserto por falta de alegações, indeferindo posterior recurso pretendido interpor para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
1.1. Aquando da subida dos autos ao Tribunal Tributário de 2ª Instância, fora o processo contado (liquidação de fls. 126), nos termos do artigo 173º do CPTr, tendo em conta o respectivo valor (24.910.629$00), a taxa de justiça correspondente a esse valor, atenta a natureza do processo
(1.003.615$00, ou seja 1.672.686$00, com a redução do nº 2 do artigo 12º do Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos) e os encargos devidos (2.953$00), apurando-se, assim, o montante de 1.006.568$00 de custas da
1ª Instância.
Na 2ª Instância, por sua vez, procedeu-se separadamente às liquidações pela deserção do recurso para aí interposto e pelo indeferimento do recurso pretendido interpor para o Supremo tribunal Administrativo. Quanto à primeira (liquidação de fls.138), tendo por base uma taxa de justiça de
207.526$00 (obtida após a redução do artigo 15º do mesmo Regulamento das Custas), somando-lhe 522$00 de encargos, apurou o montante de 208.048$00 de custas. Quanto à segunda liquidação (liquidação de fls.139), sendo a taxa de justiça também de 207.526$00 (igualmente com a redução do artigo 15º) e os encargos de 322$00, foi apurado o montante de 207.848$00 de custas.
Feita a recopilação das contas (custas da 1ª Instância, mais as duas liquidações da 2ª Instância), apurou-se um montante global de custas a cargo do oponente de 1.422.464$00 (v.fls.140).
1.2. Notificado da conta veio o oponente reclamar da mesma, concluindo :
- não estar a taxa de justiça calculada em conformidade com a tabela anexa ao DL nº 199/90, de 19 de Junho;
- não ter sido levada em conta a redução inerente à rejeição liminar do recurso, prevista do artigo 15º do Regulamento das Custas;
- sofrer, em qualquer caso, o DL nº 199/90 de inconstitucionalidade material.
Sobre tal reclamação - prestada informação pelo funcionário contador e colhido parecer do Ministério Público - recaiu o Acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância de fls.150/159, indeferindo-a.
No que à questão de inconstitucionalidade respeita aí se escreveu:
'...diz o reclamante que (...) o DL nº 199/90 é materialmente inconstitucional. Ele colidiria 'com o direito fundamental de acesso dos cidadãos à justiça', com assento nos artigos 20º e 268º da Constituição da República, funcionando como um
'instrumento eficaz de dissuasão dos cidadãos ao uso dos meios contenciosos
(...) porque a justiça se faria a custos proibitivos. Para além de o cidadão não estar defendido contra o insucesso da instância por questões formais mais que discutíveis.
--------------------------------------------- não pode acolher-se a tese do reclamante, já que se não vislumbra a oposição que aponta entre o decreto-lei nº 199/90, de 19 de Junho, e os artigos 20º e 268º da Constituição da República.
As disposições constitucionais invocadas não consagram a gratuitidade da justiça. O grau de onerosidade desta foi deixado pelo legislador constitucional ao ordinário. A lei fundamental limitou-se, a ditar que 'a insuficiência de meios económicos' (artigo 20º nº1) não pode ser causa de denegação de justiça, ao que a lei deu corpo através do instituto do apoio judiciário.'
1.3. É deste Acórdão que vem interposto o presente recurso, sob invocação do artigo 70 nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, de 11 de Novembro, reportado à inconstitucionalidade material do 'Código das Custas Judiciais dos Tribunais Tributários'.
Refere-se no requerimento de interposição :
'Entende o Recorrente que o legislador ordinário violou os arts. 20º e 280º da CRP, quando leoninamente estabeleceu uma tabela de custas draconianamente cara, quando estão em causa actos da Administração Tributária, manifestamente mais cara que as tabelas de custas da jurisdição administrativa, cível ou criminal. A onerosidade das custas quando se recorre de actos tributários gera a incompatibilidade com o exercício do direito de acesso à justiça, consagrado nos arts. 20º e 268º da CRP.'
Esta linha argumentativa foi desenvolvida nas alegações produzidas junto deste Tribunal, sintetizadas nas seguintes conclusões :
'1 - As custas do processo das contribuições e impostos (DL 199/90, de 19 de Junho) estão em total discrepância em relação às custas estabelecidas no Código das Custas Judiciais;
2 - Discrepância esta prejudicial ao acesso dos cidadãos à justiça e ao normal desempenho da função jurisdicional em conformidade com o art. 206 e 20º da CRP;
3 - O direito à justiça tem natureza análoga aos direitos e liberdades fundamentais (art.17º);
4 - A onerosidade das custas tributárias materializa a negação do Estado de direito democrático (CRP - art. 2º, 206º);
5 - E viola o princípio da igualdade que se traduz na ideia geral de proibição do arbítrio (art. 13º nº 1 da CRP);
6 - Também se verifica ofensa ao art. 8º nº 2 da Constituição e do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.'
Termina o recorrente pedindo a declaração de inconstitucionalidade material da Tabela I e II anexa ao Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos, aprovadas pelo DL nº 199/90, de 19 de Junho.
A Fazenda Pública, por sua vez, contra-alegou pugnando pela não verificação da inconstitucionalidade suscitada.
Finalmente, corridos que se mostram os competentes vistos da Secção, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Importa, antes de mais, delimitar com rigor o objecto do recurso.
Está em causa o quantitativo das tabelas anexas ao DL nº199/90, de 19 de Junho, que o recorrente reputa de excessivamente onerosas, comparativamente às tabelas correspondentes do Código das Custas Judiciais
(CCJ), consistindo a inconstitucionalidade nessa onerosidade e na desproporção.
As tabelas referidas aplicam-se em função do artigo 3º desse DL nº 199/90 e interessam-nos no trecho em que regulam a taxa de justiça, num processo do tipo aqui em causa, face a um valor processual de 24.910.629$00. Esta delimitação é-nos imposta pela específica natureza da fiscalização concreta de constitucionalidade, totalmente ligada à relação processual em que se gera.
Habilitado que está o Tribunal à apreciação desta questão, invocada que foi, no requerimento de reclamação da conta, anteriormente ao Acórdão recorrido
(note-se que quanto às custas da 1ª Instância, embora liquidadas anteriormente no processo, a sua notificação para pagamento ao recorrente só ocorreu - como dispõe o artigo 173 do CPTr - no final do processo na 2ª Instância - v. aviso postal de fls. 141), importa determinar a conformidade constitucional do artigo
3º do DL nº 199/90, conjugado com as Tabelas I e II a ele anexas, nos trechos relativos ao valor acima indicado, num processo desta natureza.
2.1. Vejamos, ainda que perfunctoriamente, o aparecimento do diploma contendo a norma questionada.
As custas relativas ao processo tributário foram, com o assumido objectivo de pôr fim à 'dispersão do regime das custas e emolumentos dos serviços tributários por uma pluralidade de diplomas legais desarticulados entre si, complexos na sua aplicação e, na maior parte desactualizados', reguladas pelo DL nº 449/71, de 26 de Outubro (ao preâmbulo deste diploma se refere a anterior citação) que aprovou o «Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos» (RCPCI). Estabelecia este, na sua primitiva redacção (que em muitos aspectos ainda se mantém), a sujeição a custas dos processos de impugnação, transgressão e execução fiscal (artigo 1º nº1), compreendendo essas custas, então, 'o imposto de justiça, o imposto do selo e os encargos' (artigo 1º nº 2 na redacção inicial). No processo de execução, e mais especificamente na oposição (em redacção que permanece) o valor atendível para efeito de custas era e é 'o da dívida ou parte da dívida exequenda a que respeitar' (v.artigo 7º nº 1).
2.1.1. Anexas ao texto inicial do RCPCI constavam duas Tabelas
(1ª Instância e Recursos), indicando os sucessivos valores do imposto de justiça em função dos valores processuais atendíveis. Para que, desde já, se tenha uma ideia dos montantes envolvidos, comparativamente aos indicados no Código das Custas Judiciais, anotaremos que o valor máximo do «imposto de justiça» alcançado pela Tabela referente à 1ª instância era de 71.683$00, correspondente a um valor processual de 2.000.000$00, acrescendo, daí em diante, por cada
50.000$00 ou fracção a importância de 1.332$00. Ao tempo, em Outubro de 1971, para os mesmos valores estabelece o CCJ (DL nº 44329, de 8 de Maio de 1962, então na redacção introduzida pelo DL nº 49213, de 29 de Agosto de 1969) na tabela de 1ª instância de processos cíveis (excluindo os, então, chamados
«processos orfanológicos») a importância de 41.100$00 de «imposto de justiça», nas acções até 2.000.000$00, acrescendo nos valores superiores 225$00, por cada
50.000$00 ou fracção.
As duas primeiras alterações introduzidas ao DL nº 449/71, respectivamente pelos DL/s nºs 217/76, de 25 de Março e 500/79 de 22 de Dezembro, deixaram intocadas as tabelas relativas ao «imposto de justiça». Estas, só viriam a ser substituídas pelo DL nº 160/84, de 18 de Maio, através do seu artigo 2º.
Repetindo o exemplo acima indicado vemos que para o valor máximo atingido pela tabela (acções até 5.000.000$00, de valor) se fixou um
«imposto de justiça» de 227.405$00, acrescendo 3.996$00, nos valores superiores por cada 100.000$00 ou fracção. No CCJ mantinham-se, então, em vigor as tabelas fixadas pelo DL nº 49213, pelo que, numa acção até 5.000.000$00 o «imposto de justiça» seria de 54.600$00, acrescendo daí em diante por cada 50.000$00 ou fracção, 225$00. Este valor, no que ao regime decorrente do CCJ respeita, foi alterado pelo DL nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, estabelecendo a tabela respectiva (v. a Declaração publicada no DR-I Série de 31/12/87) para acções de valor até 5.000.000$00 uma (desde então chamada) «taxa de justiça» de
119.000$00.
Surge finalmente o DL nº 199/90, de 19 de Junho - o diploma contendo as disposições aqui em causa - referindo preambularmente encontrarem-se as tabelas de custas dos Tribunais Tributários ('revistas em 1984')
'profundamente desajustadas'.
Assim sendo, surge-nos a norma questionada, com o seguinte teor : Art. 3º As tabelas das custas dos tribunais tributários e a tabela dos emolumentos dos serviços das contribuições e impostos, na redacção do Decreto-Lei nº 160/84, de
18 de Maio, são substituídos pelas correspondentes tabelas publicadas em anexo ao presente diploma.
Adiante procederemos ao cotejo entre o valor decorrente dessas tabelas, na situação aqui em causa, com o valor decorrente das tabelas anexas ao CCJ numa situação paralela. Por agora, seguindo o esquema comparativo com que percorremos a evolução legislativa atrás relatada, anotaremos que nos processos fiscais, em 1ª instância, se estabelece para um valor até 10.000.000$00 uma
«taxa de justiça» de 687.741$00, acrescendo aos valores superiores 65.663$00, por cada 1.000.000$00 ou fracção. Para a mesma situação, o CCJ na sua versão actual (a introduzida pelo artigo 2º do DL nº 212/89, de 30 de Junho), estabelece a «taxa de justiça» de 136.000$000 e mais 10.000$00 por cada
1.000.000$00 ou fracção a mais.
2.1.2. Deste processo podemos, desde já, extrair uma conclusão segura : os valores fixados para a «taxa de justiça» (anteriormente «imposto de justiça») relativos à jurisdição fiscal, foram, desde sempre, substancialmente mais elevados que os correspondentes valores estabelecidos para a justiça cível comum, situando-se actualmente essa diferença, relativamente à 1ª instância, em cerca de cinco vezes mais o valor da «taxa de justiça» no processo tributário
(136.000$00 x 5 =680.000$00).
Se tomarmos como exemplo as tabelas relativas aos recursos, obteremos igualmente valores sempre substancialmente mais elevados na justiça fiscal (183.049$00 para um valor até 10.000.000$00, contra 68.000$00 para um recurso, numa acção de igual valor, na justiça cível - v. artigo 35º nº 1 da CCJ).
2.2. Na situação que nos ocupa, estamos perante uma oposição a uma execução fiscal, que apresentará, em termos de mecanismo processual, um acentuado paralelismo com uma situação de dedução de embargos de executado (um meio de oposição à execução comum - v. artigos 812º e ss. do Código Civil; cfr. artigos 285º e ss do CPTr). Face a um valor como o aqui em causa (24.910.629$00) a uns embargos de executado (v. quanto ao valor destes, para efeito de custas, o artigo 8º nº 1 alínea g) do CCJ) corresponderia como «taxa de justiça» a importância de 143.000$00 (metade de 286.000$00, tendo presente o disposto no nº
2 do artigo 22º do CCJ, com referência ao valor constante da tabela a que se refere o artigo 16º do mesmo diploma).
Quanto à oposição em causa neste processo, já verificámos que a taxa apurada - em 1ª instância - foi de 1.003.615$00 (1.672.686$00 com a redução a três quintos prevista no artigo 12º nº 2 do RCPCI, na redacção do artigo 1º do DL 199/90).
Em sede de recursos os valores apresentam igualmente grandes discrepâncias (vejam-se os valores apurados no processo nas contas de fls. 138 e
139 e tenha-se presente - se de uns embargos de executado se tratasse - as reduções previstas nos artigos 35º nº 1 e 40 nº 1 do CCJ, face aos valores consabidamente mais baixos constantes da tabela anexa ao CCJ).
2.3. Traçado este quadro geral ilustrativo das situações concretas a ponderar, é altura de dar conta da abordagem que as questões deste tipo (fixação do montante das custas face à garantia emergente do artigo 20º nº
1 do texto constitucional) tem sido feita na jurisprudência deste Tribunal.
No Acórdão nº 352/91 (publicado nos ATC, 19º vol., p.549), discutindo-se através dos artigos 16º e tabela anexa, 35º nº 1 e 40º nº 1 do CCJ, na versão introduzida pelo DL nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, uma suscitada onerosidade excessiva das custas, referiu-se :
' O direito de acesso aos tribunais não compreende (...) um direito a litigar gratuitamente, pois, (...) não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cfr., neste sentido, também o Acórdão nº
307/90, Diário da República, 2ª Série, de 4 de Março de 1991). O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade, pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata. Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite - limite que é o da justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que, o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor). Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.'
E acrescenta-se, mais adiante, no mesmo aresto :
'Como todas as decisões legislativas, as decisões que o legislador toma em matéria de custas no que concerne ao quantum delas, são, obviamente sindicáveis sub specie constitucionis. Mas, ao menos em geral (...) tais decisões só haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.'
Esta mesma ideia é sublinhada no Acórdão nº 467/91, proferido em sede de fiscalização abstracta (publicado nos ATC, 20º vol., p.289), sublinhando-se que o 'espaço de conformação' do legislador em matéria de custas
:
'tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da proporcionalidade vem aqui 'alicerçar um controlo jurídico-constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa'. (J.J.Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274). O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça : o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder
à justiça.
--------------------------------------------- Um julgamento de constitucionalidade pressupõe ainda uma avaliação do
«equilíbrio interno» do sistema legal das custas judiciais não sendo indiferente a existência ou inexistência de uma desproporção nas custas à luz de um critério de comparação dos diferentes processos.'
Dando seguimento a esta ideia, no Acórdão nº 248/94 (publicado no Diário da República - II Série de 26/7/94) aludindo-se ao referido
'equilíbrio interno do sistema' requerido pelos princípios da proporcionalidade e da não discriminação, afirmou-se a ilegitimidade constitucional (embora a conclusão aí tirada fosse a de que o DL nº 387-D/87 o não fazia) consistente em
:
' onerar, de forma discriminatória, determinados processos em relação a outros.'
2.4.Reporta-se a jurisdição fiscal essencialmente aos 'litígios emergentes das relações jurídicas fiscais' (artigo 214º nº 3 da Constituição), as que decorrem da actuação do «sistema fiscal» (artigo 106º da Constituição) e têm na sua base a realidade «imposto». Não pode, assim, olvidar-se que se trata de uma jurisdição intimamente ligada a algo que na sua intencionalidade constitucional 'visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza'
(artigo 106º nº 1 da Constituição) e que visa, por exemplo, numa das suas vertentes, 'a diminuição das desigualdades' (artigo 107º nº 1 da Constituição). Como 'uma das poucas obrigações públicas dos cidadãos constitucionalmente consagradas' (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1993, p.459), não podem os impostos (a sua especial natureza) deixar de constituir um elemento a ter em conta na indagação de constitucionalidade aqui em causa.
2.4.1. Importa explicitar mais detalhadamente esta ideia.
Já acima aludimos amplamente à circunstância de as custas no processo tributário se terem assumido sempre como substancialmente mais elevadas. A procura de uma racionalidade para esta situação, não pode deixar de ter presente a especificidade do fenómeno jurídico em torno do qual se constrói esta jurisdição. A banalização, através da ausência ou da exiguidade de custos adicionais, da discussão judicial da tributação, poderia levar - e note-se que levaria principalmente quanto aos contribuintes de maior potencial económico e tributário - a um constante procrastinar do recebimento pelo Estado das receitas tributárias. As custas judiciais não deixam, nesta medida, de assumir, no processo de actuação dos agentes económicos, um papel similar aos «custos de transacção» [transaction costs (todos os custos necessários aos agentes económicos para alcançar uma regulamentação autónoma das suas relações contratuais : os custos de saber com quem se vai contratar, da obtenção da informação para contratar, das negociações e conclusão do contrato e os custos da exigência do seu cumprimento) v. Manuel Victor Martins, 'Ronald Coase : Na Fronteira da Economia e do Direito', in Sub Judice, Janeiro/Abril 1992, nº 2, p.29] e, como tal, não deixam de influenciar o comportamento desses agentes : se uma justiça fiscal eficaz potencia uma melhor tributação, a existência de custos irrisórios de utilização desta, não deixa de potenciar uma menor eficácia da tributação, enfim, do sistema fiscal.
2.5. O acesso à justiça, implicando a criação e afectação de importantes meios a um fim, representa para o Estado - para a generalidade dos contribuintes através dos impostos - custos. O estabelecimento de custas (da obrigação, em determinadas condições, do pagamento de importâncias pela utilização da «máquina judiciária») funciona acessoriamente como um redutor desses custos sociais suportados pelo Estado, redutor que a Constituição, ao não impor a gratuitidade da justiça, aceita dentro de certos limites.
Nesta circunstância, paralelamente à especificidade do fenómeno tributário, podemos encontrar um fundamento apresentando relevância constitucional para que a justiça tributária seja, comparativamente a outros sectores da actividade jurisdicional, mais cara. O problema, no entanto, não reside no ser mais cara, mas no quanto ela é mais cara. Aqui, no quantum, haverá que pesquisar se a justiça fiscal é realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem de recorrer ao sistema de apoio judiciário' (Acórdão nº
467/91).
A prossecução do interesse constitucionalmente protegido com a tributação, implica, neste caso, certa compressão do direito fundamental de acesso à justiça (um bem mais caro que outro equivalente é um bem menos acessível). Há que procurar, assim, se essa compressão, relativamente àqueles que não têm o acesso à justiça garantido neste domínio, pelo apoio judiciário, se situa dentro de limites razoáveis, como o impõe a observância do princípio da proporcionalidade, implícito no artigo 18º nº 2 segundo trecho da Lei Fundamental.
Num primeiro momento perguntar-se-á se a medida legislativa em causa - o encarecimento das custas em processo tributário - é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente (v. Gomes Canotilho, Direito Constitucional,
6ª ed., Coimbra 1993, p. 382/383): aquilo que atrás qualificámos como a optimização do sistema tributário através da não banalização da discussão infindável de toda a actividade fiscal nos tribunais.
A este objectivo - que é tão legítimo como o é o estabelecimento de alçadas - é apropriada, tendo presente a margem de liberdade de conformação do legislador neste campo, a opção por uma tributação mais pesada da actividade processual.
Seguidamente haverá que perguntar se essa opção, nos seus exactos termos, significou a 'menor desvantagem possível' para a posição jusfundamental decorrente do direito de acesso aos tribunais. Aqui, equacionando-se se o legislador 'poderia ter adoptado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos' (ibidem), dir-se-á que outros meios são pensáveis (condicionamentos diversos de natureza processual, ou não, à impugnação judicial da actividade tributária, etc.), embora não seja minimamente seguro que qualquer outra opção neste domínio pudesse à partida ser considerada menos desvantajosa.
Haverá, então, que pensar em termos de 'proporcionalidade em sentido restrito', questionando-se 'se o resultado obtido (...) é proporcional à carga coactiva' que comporta (ibidem).A ponderação de meios e fins a que assim somos conduzidos não pode deixar de ter presente os quantitativos concretos das custas no processo tributário e, em função disso, não pode deixar de conduzir à conclusão que os valores em causa, quando encarados numa lógica comparativa com os decorrentes do CCJ, se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados, tornando a justiça tributária frequentemente incomportável, tomando por paradigma 'a capacidade contributiva do cidadão médio '(Acórdão nº 248/94). Veja-se, a este propósito a situação do ora recorrente que, ao discutir judicialmente a sua responsabilidade por uma dívida fiscal de cerca de
24.000.000$00 de uma empresa de que foi gerente, se vê confrontado com uma dívida de custas (num processo que terminou, sem julgamento, na 2ª Instância fiscal) de 1.838.088$00 (v. recopilação de fls.140 e liquidação de fls.169). Em suma: as custas fiscais, não tendo que corresponder às custas de outras espécies de processo, não podem ser desproporcionalmente mais altas ou por em risco o acesso à justiça.
2.5.1. Esta constatação - e retomamos aqui uma linha argumentativa baseada na comparação de situações - sai reforçada se tivermos presente que a jurisdição fiscal integra o Supremo Tribunal Administrativo
(artigo 214º da Constituição), cuja 2ª Secção trata do contencioso tributário
(artigos 2º e 14º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, constante do DL nº 129/84, de 27 de Abril). Ora, o regime de custas nesta 2ª Secção é o decorrente do CCJ e não o do RCPCI, designadamente do DL nº 199/90, pois, o artigo 6º da chamada «Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo e nas Auditorias Administrativas», aprovada pelo DL nº 42150, de 12 de Fevereiro de
1959, na sua actual redacção, estabelece aplicarem-se as taxas em vigor no Supremo Tribunal de Justiça na determinação do imposto de justiça nos recursos
'afectos à 2ª Secção' (ideia reforçada pelo DL nº 227/77, de 31 de Maio, ao remeter no seu artigo 5º, também quanto ao STA, para o regime do CCJ).
Significa isto, que dentro do mesmo processo, subindo este à 2ª Secção do STA, temos a aplicação de dois regimes de custas tão discrepantes nos seus valores, quanto o são o RCPCI (na 1ª e 2ª instâncias fiscais) e o do CCJ
(no STA).
O mesmo sucede com as diversas espécies processuais dentro do contencioso tributário. É o que decorre do artigo 130º nº 4 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (DL nº 267/95, de 16 de Julho, relativamente aos
'meios processuais comuns à jurisdição administrativa e fiscal'(o meio processual aqui em causa, sendo exclusivo da jurisdição fiscal, não tem essa característica). Tal norma, com efeito, 'em matéria de custas e preparos' manda aplicar nesses processos fiscais: 'a) Nos tribunais fiscais de 1ª instância, o regime estabelecido para tribunais administrativos de círculo; b) No Tribunal Tributário de 2ª instância e na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, o regime estabelecido para a 1ª Secção deste'.
Estas diferenças de regime de custas, dentro do mesmo processo e da mesma jurisdição, acentuam substancialmente a incongruência do sistema tornando patente aquilo que no Acórdão nº 248/94 se chama 'onerar, de forma discriminatória, determinados processos com relação a outros', numa completa perca daquele 'equilíbrio interno ao sistema necessário à observância dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação'.
2.6. Da ponderação de todos estes dados, não pode deixar de emergir um juízo de inconstitucionaldidade da conjugação normativa do artigo 3º do DL nº 199/90 com as tabelas anexas, na parte que interessa a uma acção deste tipo e valor, por ofensa do direito de acesso aos tribunais, subjacente ao artigo 20º nº 1 do texto constitucional, conjugado com o princípio da proporcionalidade.
III DECISÃO
3. Face ao exposto decide-se :
a) Julgar inconstitucional - por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º nº1 da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade - a norma que se extrai da conjugação do artigo
3º do DL nº 199/90, de 19 de Junho com as tabelas I e II a ele anexas, no trecho de que resulta a taxa de justiça para um processo de oposição com o valor de
24.910.629$00.
b) Conceder, em função disso, provimento ao recurso, revogando o Acórdão recorrido, determinando a respectiva reforma em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996
José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luís Nunes de Almeida