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Processo n.º 179/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 178/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, em 06 de fevereiro de 2012 (fls. 4724 e 4725), ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido pela Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 23 de janeiro de 2012 (fls. 4686 a 4704), para que se proceda à fiscalização da constitucionalidade de norma extraída do “art.º 374º nº 2 do C.P.P., quando interpretada no sentido de que não é necessário fundamentar de facto e de direito o douto acórdão, bastando apenas fazer referências aos elementos de prova, bem como uma referência ao exame crítico efetuado” (fls. 4741).
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recurso foi admitido por despacho da Relatora junto do tribunal “a quo”, proferido em 17 de fevereiro de 2012 (fls. 4750 e 4750-verso). Porém, por força do n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Deve frisar-se que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, conforme expressamente determina o artigo 79º-C da LTC. Ora, da análise da decisão recorrida resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que aquela nunca interpretou o artigo 374º do Código de Processo Penal (CPP) no no “sentido de que não é necessário fundamentar de facto e de direito o douto acórdão, bastando apenas fazer referências aos elementos de prova, bem como uma referência ao exame crítico efetuado”.
Bem pelo contrário, a decisão recorrida considerou que a decisão condenatória de primeira instância se encontrava suficientemente fundamentada, de facto e de Direito, apenas se verificando uma discordância do recorrente face à referida fundamentação. A mero título de exemplo, vejam-se as seguintes passagens da decisão recorrida:
“No caso concreto não se vislumbra da análise da sentença qualquer vício dos apontados pelo arguido, encontrando-se a prova dada como assente devidamente alicerçada na prova que foi produzida em audiência de julgamento (…).
A correção pretendida pelo recorrente A. prende-se com a pretérita falta de fundamentação da decisão de improcedência do recurso em matéria de facto. Para o reclamante «não chega» escrever o que se escreveu, deixando claro que não ficou convencido com os argumentos expendidos, que entendeu.
Porém, e salvo o devido respeito, o respeito pelo dever de fundamentação não depende da aceitação dos motivos da decisão por todos os seus destinatários, mormente pelo destinatário recorrente, mas sim pela inteligibilidade das razões avançadas.” (fls. 4692 e 4693)
Em suma, torna-se indesmentível que a decisão recorrida nunca aplicou a interpretação reputada de inconstitucional pelo recorrente, antes tendo afirmando que a decisão de primeira instância se encontrava suficientemente fundamentada de facto e de Direito. Assim sendo, mais não resta do que negar o conhecimento do objeto do presente recurso, conforme determinado pelo artigo 79º-C da LTC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s para o recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«A quando da interposição do recurso, requereu o arguido que, após a admissão do recurso lhe seja concedido prazo para a apresentação das alegações, de acordo com o disposto no art. 79°, nº 1 e 2 da Lei 28/82 de 15.11.
É (seria) em sede de tais alegações que o arguido/recorrente explanaria a sua motivação para o que alega.
Na Douta decisão sumária indica-se um pequeno excerto do Acórdão recorrido, mas sem ter em conta a globalidade da decisão recorrida.
Na verdade, é entendimento do recorrente que a Douta decisão recorrida enferma de violação dos preceitos constitucionais.
O arguido tem o direito constitucional de apresentar a quem de direito - Venerando Tribunal Constitucional - a sua argumentação, expressa nas alegações de recurso que pretende apresentar.
Salvo o devido respeito, decisão contrária, implica a violação dos direitos fundamentais do arguido previstos nos artigos 18°, n.º 2, 32°, n.º 1 e 8 e 34° n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, o que implica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32° n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Por essa razão e sempre como devido respeito por opinião contrária, tem o arguido, aqui reclamante, o direito de ver o recurso apresentado admitido e apreciado pela mais alta instância judicial do nosso País, devendo qualquer interpretação em sentido contrário, ser considerada inconstitucional.»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos.
«1º
A admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, depende da verificação de diversos requisitos.
2º
Naturalmente que admitido o recurso no tribunal a quo, a inverificação de um desses pressuposto de admissibilidade leva a que seja proferida decisão sumária a não conhecer do seu objeto (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
3º
Assim, devendo aplicar-se aquele n.º 1 do artigo 78.º-A, não tem o Senhor Conselheiro Relator de mandar notificar o recorrente para apresentar alegações (artigo 78.º-A, n.º 5, da LTC).
4º
Os requisitos de admissibilidade, constam, alguns da própria Constituição (artigo 280.º, n.º 1, alínea b)) e, quanto aos outros, a Constituição remete para a lei a fixação do regime (artigo 280.º, n.º 4 da Constituição), sendo essa Lei, a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), mais concretamente o seu artigo 70.º.
5º
Não faz, pois, sentido, falar, em geral, em inconstitucionalidade - como faz o recorrente -, ao exigir-se a verificação de requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
6º
Ora, como muito bem se diz e demonstra na douta decisão reclamada, a decisão recorrida, proferida no Tribunal da Relação de Guimarães, não aplicou a norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na interpretação que o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional e enunciou no requerimento de interposição do recurso, faltando, pois, aquele requisito de admissibilidade do recurso.
7º
Invocando o recorrente a insuficiente fundamentação do acórdão proferido em 1.ª instância, a Relação entendeu que tal decisão não enfermava de qualquer vício, designadamente do invocado.
8.º
Elucidativo de que, na opinião do recorrente, é a insuficiente fundamentação que viola princípios constitucionais, é o afirmado, por aquele (ainda que de forma pouca rigorosa quanto se refere a “decisão recorrida”, que é a da Relação e não a proferida em 1ª instância), na presente reclamação:
“ Na verdade é entendimento do recorrente que a douta decisão recorrida enferma de violação de preceitos constitucionais”.
9.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão reclamada não conheceu do objeto do recurso por entender que a decisão recorrida não tinha aplicado a norma com a interpretação reputada de inconstitucional pelo ora reclamante.
Com efeito, a decisão recorrida nunca afirmou que seria dispensável a fundamentação de facto e de Direito de uma decisão condenatória. Pelo contrário – como, aliás, já evidenciado pela decisão reclamada – afirmou que tal fundamentação havia sido plenamente assegurada pelo tribunal de primeira instância, razão pela qual o Tribunal Constitucional mais não podia fazer do que recusar conhecer do objeto do presente recurso, em estrita aplicação do artigo 79º-C da LTC.
Quanto à alegada inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, por permitir a prolação de decisão sumária em caso de não preenchimento dos pressupostos processuais necessários ao conhecimento do objeto do recurso, deve notar-se que já existe sobre esta questão jurisprudência unânime e consolidada no Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.º 80/99, n.º 550/99, n.º 223/2001, n.º 307/2001, n.º 456/2002, n.º 402/2005, n.º 420/2005, n.º 283/2006, n.º 49/2007, n.º 530/2007 e n.º 193/2008, todos disponíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Conforme notou o Acórdão n.º 530/2007, a dispensa de alegações escritas “constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual constitucional, ao dispensar a competente secção da análise aprofundada de uma questão controvertida sobre a qual não subsistem dúvidas significativas”, para além de se apresentar como a medida menos lesiva de entre as medidas alternativas, já que permite, precisamente, a impugnação da decisão do Relator para a conferência prevista no artigo 78º-A, n.º 3, da LTC, tal como está a ocorrer, em sede do presente acórdão, o que assegura plenamente o direito de acesso à Justiça Constitucional. Mais uma vez, este Tribunal, através do Acórdão n.º 714/98 (igualmente disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) também já notou, reportando-se à possibilidade legal de prolação de decisões sumárias, que:
«Este regime substituiu um outro em que o relator, verificando que se não podia conhecer do objeto do recurso ou que a questão a decidir era simples, elaborava uma sucinta exposição escrita do seu parecer e mandava ouvir cada uma das partes por cinco dias - seguidamente, o processo ou era logo julgado (pelo colégio dos juízes) ou continuado para alegações.
O regime que passou a vigorar com a Lei nº. 13-A/98 visou uma maior celeridade na decisão dos recursos, sem perda dos direitos de audiência das partes.
Estes direitos estão convenientemente assegurados com a faculdade que é dada às partes de reclamar para a conferência nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da LTC, podendo, designadamente, o recorrente defender, nessa reclamação, que não deveria ter havido lugar a decisão sumária, caso em que, a obter vencimento, se seguirão os termos previstos no nº. 5 do mesmo artigo 78º-A.
A própria razão de ser da norma contida no artigo 78º-A nº. 1 da Lei nº.28/82 e o caráter provisório, ou precário, da decisão sumária (ela só se converte em definitiva se não for reclamada), afastam, pois, a aplicação do artigo 3º nº. 3 do CPC, no sentido pretendido pelo reclamante - a decisão do Tribunal, com a sua formação colegial, nunca constituirá, para o recorrente, uma decisão-surpresa.”
Acrescente-se ainda que o recorrente chega mesmo a afirmar que a própria decisão recorrida é que padeceria de inconstitucionalidade, por alegada violação de preceitos constitucionais. Sendo o Tribunal Constitucional apenas competente para controlar a constitucionalidade de “normas jurídicas” e não de decisões jurisprudenciais, também por esta razão lhe seria impossível conhecer do objeto do recurso apresentado.
Assim sendo, mais não resta do que confirmar o teor da decisão reclamanda, indeferindo-se a presente reclamação.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 15 de maio de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.