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Proc. nº 133/93
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal
Constitucional:
1. Notificada do Acórdão nº 209/95 deste
Tribunal, que negou provimento ao recurso por si interposto, veio a recorrente
A. arguir a nulidade desse acórdão, nos termos da alínea c) do nº 1 do art.
668º do Código de Processo Civil, para tanto alegando o seguinte:
- A análise do Tribunal Constitucional, ao considerar que não era
desproporcionada ou arbitrária a solução limitativa constante da norma do nº 2
do art. 73º do Código das Expropriações de 1976 - e, por isso, que a mesma não
violava os arts.13º, 20º, nº 1, e 62º, nº 2, da Constituição -, é
'intrinsecamente contraditória nos seus próprios termos, pois os fundamentos
estão em oposição com a deliberação, pelo que esta é nula (art. 668º/1/C/do
CPC)' (a fls. 408 vº );
- De facto, por um lado, o Tribunal Constitucional disse que as partes deviam
ser admitidas a propor livremente os meios de prova e, por outro lado, afirmou
que a prova testemunhal devia 'também ser rejeitada drasticamente pelo julgador,
em matéria expropriativa', pelo que haveria 'um poço profundo de contradições
inconstitucionais' (ibidem);
- A proibição da produção de prova testemunhal constante da norma impugnada não
transitou para o art. 59º do novo Código de Expropriações, devendo o Tribunal
Constitucional ter considerado no caso concreto útil a prova testemunhal e
determinar a sua produção;
- Em Itália, o respectivo Tribunal Constitucional 'tem repetidamente declarado
inconstitucionais normas que impedem a prova, a limitam desrazoavelmente ou
deixam o recurso à produção da prova testemunhal à discricionariedade do Juiz,
sem que as partes tenham o direito de exigir a sua produção, mesmo quando, como
é a hipótese dos autos, é fundamental para a decisão da causa' (a fls. 409);
- O acórdão cuja nulidade se suscita, ao aplicar a norma impugnada, ofende o
disposto no art. 205º, nº 2, da Constituição, ou seja, o direito constitucional
de acesso à Justiça, na sua vertente do direito à prova;
- 'Porque a referida norma, da forma ambígua como foi interpretada, -
interpretação em simultâneo de não/sim constitucional - limitando o
contraditório, constitui inequivocamente um precedente inconstitucional (vd.
Prof. Doutor José Lebre de Freitas, in Inconstitucionalidades do CPC, em
intervenção no forum Justiça e Liberdades/Novembro de 1991 - Revista da OA, Ano
52/Abril, pág. 36)' (a fls. 409 e vº).
Com o seu requerimento - em que conclui
pedindo a procedência da nulidade arguida - a recorrente junta uma cópia de um
artigo publicado num semanário do antigo Juiz deste Tribunal, Dr. Vital Moreira,
sobre os dez anos do Tribunal Constitucional.
Por seu turno, a entidade recorrida,
respondendo à arguição de nulidade, afirma que 'só o manifesto desconhecimento
por parte da recorrente do que seja a nulidade de uma decisão judicial por
«contradição entre os fundamentos e a decisão» [...] permite compreender e
explicar' o requerimento de arguição, peça processual em que a recorrente se
limita 'a discordar da doutrina claramente plasmada em tal aresto, persistindo,
mesmo após a prolação da decisão final, na criação das confusões processuais que
caracterizam a sua intervenção ao longo dos autos' (a fls. 412). Conclui pela
improcedência, 'como é óbvio', do pedido de nulidade aduzido.
2. Cumpre apreciar.
A ora requerente vem sustentar que o acórdão
referido é nulo por os seus fundamentos estarem 'em oposição com a decisão'
(alínea c) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil, norma aplicável às
decisões do Tribunal Constitucional por força de remissão constante do art. 69º
da sua Lei Orgânica para o art. 716º, nº 1, daquele primeiro diploma).
Da leitura do requerimento de arguição da
nulidade que se deixou parcialmente transcrito resulta que a recorrente, ao
subscrever esse requerimento, manifesta a sua radical discordância com o Acórdão
nº 209/95, na parte em que não julgou ser inconstitucional o nº 2 do art. 73º do
Código das Exposições de 1976. Imputa a esse acórdão um sério erro de
julgamento, que ficaria demonstrado pelo abandono da solução no novo Código das
Expropriações, pela orientação da jurisprudência constitucional italiana sobre o
sentido do art. 24º da respectiva Constituição e pela inconstitucionalidade das
limitações do contraditório, reconhecida pela doutrina portuguesa.
3. Simplesmente, a arguição de nulidade não é
meio processualmente idóneo para impugnar o erro de julgamento, a injustiça da
decisão ou a sua não-conformidade com o direito aplicável, quando a decisão
impugnada seja irrecorrível, como sucede no caso sub judicio.
4. Não existe, assim, contraditoriedade entre
a decisão de negar provimento ao recurso e a fundamentação utilizada para esse
efeito.
Bastará recordar o que consta dos nºs 13 a 15
do acórdão reclamado. Aí se pode ler:
'A norma transcrita não veda em absoluto a produção de prova testemunhal,
admitindo-a apenas quando tal for considerado indispensável pelo juiz de
primeira instância, enquanto tribunal de recurso da arbitragem [...]
Não merece reservas o entendimento do Tribunal da Relação de
Évora, expresso no texto acima transcrito.
Na verdade, não se vê que o art. 62º, nº 2, da Constituição, ou os
arts. 13º e 20º, nº 1, desta, tornem inconstitucional o nº 2 do art. 73º do
referido Código das Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o
legislador pretende que seja determinada com rigor a justa indemnização devida
ao expropriado [...].
Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta
indiscutivelmente o direito à produção de prova (cfr. M. Teixeira de Sousa, As
Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e
segs.). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a
admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de
processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam
possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova [...].
Em muitos destes casos, [ de proibições de prova testemunhal], a
inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como
fundamento o juízo do legislador sobre as graves consequências de um testemunho
inverídico, dada a especial falibilidade desse meio probatório. Tais casos de
inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação
racional [...].
A opção do legislador constante da norma impugnada não se afigura
arbitrária ou irrazoável [...].
Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no
processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a
solução limitativa constante do nº 2 do art. 73º do Código das Expropriações de
1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa
e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.' (a fls. 389 a
397 dos autos)
Ora, da transcrição feita resulta que o
Tribunal Constitucional - independentemente da bondade da solução adoptada, que
é posta em causa pela requerente - procedeu a uma análise das proibições de
prova em geral, reconhecendo que o direito de acesso à justiça comportava
indiscutivelmente o direito à produção de prova, o qual não era, porém,
ilimitado, mas podia ser restringido ou condicionado, em casos excepcionais, que
sempre teriam de ter uma justificação racional. E, depois de expor esta
doutrina geral, analisou o regime de prova no processo expropriativo e concluiu
que o condicionamento da prova testemunhal nestes processos tinha fundamento
racional, nomeadamente dada a importância da arbitragem e da prova pericial na
fase de recurso.
Não há, assim, contradição intrínseca entre a
fundamentação utilizada e a decisão, sendo certo que a ora requerente se limita
a discordar - estando, claro, no seu pleno direito - da justiça ou bondade da
decisão. Simplesmente, sendo esta irrecorrível, não pode proceder-se a uma nova
ponderação dos argumentos da requerente.
5. Termos em que se desatende a arguição de
nulidade.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de
justiça em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 30 de Maio de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa