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Proc. nº 104/95
1ª Secção
Rel.: Consª. Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de
Justiça, sendo recorrente A. e recorrida B., em Liquidação, foi apresentada
exposição prévia do relator a fls. 577 a 589, a qual mereceu a resposta do
recorrente de fls. 591 a 593.
Nessa resposta sustenta que o acórdão recorrido fez uma
inversão argumentativa das questões da inconstitucionalidade do artigo 4º, nº 1,
alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, e da remissão abdicativa, o
que levaria a uma solução do recurso de constitucionalidade diferente da
propugnada na exposição prévia. Alega-se nos seguintes termos:
'(...) Na matéria de facto apurada verifica-se que a 'remissão' se
operou após a declaração da extinção da B. (C.) e foi comunicada após o acto
administrativo considerado ilegal.
A questão da inconstitucionalidade tal como foi considerada pelo
Acórdão recorrido do STJ pressupõe a inversão destas duas realidades.
De facto, no momento em que é proposta ao recorrente a possibilidade
de remitir, já o seu contrato de trabalho estava extinto e, nos termos que
posteriormente vieram a ser apreciados nas diversas brigas a nível de todas as
instâncias e foros, nascera o direito a ser indemnizado,
e se o não fosse, isto é, a não fazer aplicação da norma que
determinou a obrigatoriedade do dever a indemnizar, recorrer-se-ia em
desaplicação das normas consideradas de aplicação com força obrigatória geral.
No entendimento do recorrente o que se verifica em 1º lugar é o
direito que lhe assiste imediatamente decorrente da extinção da empresa e, só
depois é que, nas circunstâncias conhecidas, se opera a chamada 'remissão
abdicativa'.
É esta a questão que o recorrente pretende seja submetida à
apreciação deste Tribunal. Se a aceitação da remissão ocorrida já depois de
nascido o direito que vem a ser violado por aplicação inconstitucional do
direito está ou não ferida de inconstitucionalidade (...)'.
2. Porém, a sequência cronológica invocada (primeiro a extinção da
empresa e a caducidade do contrato e depois a remissão abdicativa) não tem
qualquer repercussão específica no plano lógico-jurídico.
Conforme se procurou demonstrar na exposição prévia, na lógica
interpretativa do acórdão recorrido, mesmo a ser considerada inconstitucional a
alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, sempre o direito
indemnizatório daí decorrente teria sido objecto de uma remissão válida, pelo
que é irrelevante a sequência cronológica verificada. E por isso se disse, na
exposição, que uma decisão do Tribunal Constitucional no sentido da
inconstitucionalidade da norma do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº
137/85, apenas teria como consequência a 'certeza' de ter existido o direito
indemnizatório alegado pelo autor, mas em nada afectaria a decisão do tribunal
recorrido de julgar verificada a excepção peremptória da remissão abdicativa, ou
seja, de ter ocorrido um facto extintivo desse direito. Ir mais além na
'pronúncia' do Tribunal Constitucional e apreciar, designadamente, se 'a
aceitação da remissão está ferida de inconstitucionalidade', como pretende o
recorrente, seria já fiscalizar o modo como o tribunal recorrido interpretou o
direito ordinário e, consequentemente, entrar num domínio que escapa aos poderes
de cognição deste Tribunal.
Não procede, pois, a objecção colocada pelo recorrente na sua
resposta à exposição prévia formulada ao abrigo do nº 1 do artigo 78º-A da Lei
do Tribunal Constitucional.
3. Nestes termos, e pelas razões constantes da exposição prévia do
relator de fls. 577 a 589, que não foram abaladas pela resposta do recorrente,
decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente em
custas, cuja taxa de justiça se fixa em 3 unidades de conta.
Lisboa, 30 de Maio de 1995
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 104/95
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Exposição prévia ao abrigo do disposto no nº 1
do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. A. propôs, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa,
uma acção emergente de contrato individual de trabalho contra B., em Liquidação,
pedindo que esta fosse condenada a reconhecer um crédito do autor, no montante
de 2.482.343$00, e que tal crédito fosse incluído no mapa a que se refere o
artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, para ser graduado no
lugar que lhe competisse.
Prevenindo a alegação pela ré da inexistência de
qualquer direito indemnizatório do autor com base na alínea c) do nº 1 do artigo
4º do Decreto-Lei nº 137/85, sustentou logo o autor na petição inicial a
inconstitucionalidade dessa norma, que previa a extinção por caducidade dos
contratos de trabalho em que aquela empresa fosse parte como consequência da sua
extinção decretada por aquele diploma.
2. Por sentença de 6 de Outubro de 1993, foram julgadas
improcedentes as excepções de remissão abdicativa (esta com fundamento em
coacção e abuso de direito) e de prescrição suscitadas pela ré e totalmente
procedente a acção, com a condenação da ré a reconhecer um crédito do autor, no
montante peticionado, e a ordem de inclusão desse crédito no mapa a que se
refere o nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85 e subsequente graduação no
lugar que lhe competisse.
3. Dessa sentença interpôs a ré recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 21 de Abril de 1994, foi julgada
procedente a excepção de remissão abdicativa, pelo que se concedeu provimento ao
recurso, revogando a decisão impugnada e absolvendo a ré do pedido.
Na fundamentação argumentou-se do seguinte modo:
'(...) a Ré elaborou proposta de 'compensação' (nos termos de acordo subscrito,
com data de 8-5-85, pelo 'Ministro do Mar' e 'Comissão Executiva das CTs e
Sindicatos do Sector da Marinha Mercante' - e que constitui fls. 25 a 33) que
ninguém era obrigado a aceitar (designadamente o A. da presente acção), mas à
qual podia dar o seu acordo assinando o recibo adequado (como aquele cuja
fotocópia constitui fls. 34).
No caso dos autos, o Autor deu o seu acordo à proposta que lhe foi
feita, assinando o mencionado recibo.
Houve, portanto, remissão válida (art. 863º C. Civ.). (...)
Nos autos o autor não provou que tenha enviado rejeição,
irrevogável, da proposta e antes fez prova de ter procedido à sua aceitação,
assinando o recibo referido (e recebido o montante nele mencionado). (...)'
E formulou-se, a concluir, a seguinte síntese:
'(...) A Ré foi extinta pelo D.L. 137/85, de 3/5, entrando em
liquidação;
Ao autor foi apresentado o recibo cuja fotocópia constitui fls. 34,
que assinou sem aditamentos, em face da proposta feita nesse sentido;
Tal acordo consubstancia remissão e não se encontra ferido de
qualquer nulidade, pelo que se extinguiu o direito de crédito do autor para com
a Ré.
E assim sendo procedem as conclusões da recorrente tendentes a levar
à revogação da decisão recorrida. (...)'
4. Dessa decisão foi interposto pelo autor recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 24 de Janeiro de 1995, foi confirmada a
decisão impugnada, por se entender verificada a remissão abdicativa.
Aí se aflorou a questão de inconstitucionalidade
suscitada pelo autor, reconhecendo-se que este tinha razão nessa parte. Mas logo
se acrescentou que 'o ponto decisivo a resolver não está em saber se estamos
perante caducidade ou despedimento colectivo, mas sim na interpretação e
eficácia do documento junto a fls. 34: recibo assinado pelo autor'. E veio a
concluir-se ter sido celebrado entre autor e ré um 'contrato de transacção
extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão da obrigação da ré e a sua extinção
por cumprimento', perfeitamente válido, sem ocorrência de 'coacção' ou de 'abuso
de direito'.
5. Desta decisão foi interposto pelo autor o presente
recurso para o Tribunal Constitucional, nestes termos:
'O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a)
do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, porquanto o douto
acórdão recorrido recusou a aplicação da norma contida no nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85, não obstante na sua douta fundamentação e conclusões se
pronuncie sobre a inconstitucionalidade de tal norma'.
E desenvolve-se a sua formulação deste modo:
'[O acórdão recorrido] (...) prosseguindo, como prosseguiu, com o
acolhimento do reconhecimento da remissão abdicativa e da tese de que entre o
autor e a ré foi celebrado um contrato de transacção extrajudicial, e não
havendo que falar em coacção nem em abuso de direito, não levou às últimas
consequências a declaração de inconstitucionalidade da referida norma, aliás, ao
arrepio do que vem sendo doutrina pacífica desse Tribunal Constitucional
designadamente pelas razões que o levaram a emitir o douto Acórdão nº 81/92 no
proc. nº 393/89, da 1ª Secção, no qual expressamente decidiu que 'a caducidade
dos contratos de trabalho (...) sem qualquer pagamento indemnizatório, acaba por
se traduzir em infracção à garantia do direito à segurança no emprego consagrada
no art. 53º da Constituição'.
Conclui tal aresto pela violação do disposto nos arts. 18º, nº 3,
168º, nº 1, b) e 53º da Constituição.
Conclui o douto Acórdão recorrido que o recorrente tem razão no que
diz respeito à 'caducidade', questão largamente debatida já nestes Tribunais.
Ao partir desse pressuposto sobre a forma da cessação do contrato
para concluir pela existência da vontade negocial do recorrente, o douto Acórdão
recorrido violou os arts. 349º do C.C., 31º do Decreto-Lei nº 372-A/75.
E ao decidir pela 'validade' da remissão o douto Acórdão fez
indevida aplicação do art. 235º, 2 do C.C. e violou o art. 255º do mesmo Código.
O direito à indemnização (legalmente prevista na ocorrência de
encerramento material que constitui motivo de possível despedimento colectivo),
foi já entendimento perfilhado pelos doutos acórdãos do Tribunal Constitucional
que se mencionam entre outros: Acórdãos nºs 258/92, de 13/7, 353/94, 354/94,
355/94, 356/94, 357/94 e 358/94.
Existindo evidente contradição na interpretação e aplicação da norma
constitucional com força obrigatória geral, como, com todo o devido respeito, se
afigura ao recorrente, ao invés, deveria o douto acórdão recorrido ter aplicado
a norma com a interpretação de que da declaração da inconstitu-cionalidade advém
para o recorrente o direito a ser indemnizado nos termos em que vem sendo
uniformemente decidido, até porque se encontra violado o direito consignado no
art. 53º C.R.P. e violou, também, o art. 207º da C.R.P.'.
6. O recorrente pretende, através do presente recurso,
suscitar a questão da constitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº
1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.
Através deste diploma foi determinada a extinção da
empresa pública B., com fundamento na degradação progressiva da sua situação
económico-financeira, entrando, a partir de então, em liquidação, para cujo
efeito manteria a personalidade jurídica, até à aprovação final das contas a
apresentar pela comissão liquidatária (artigo 1º).
De acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
diploma, a extinção da B. implicava:
'c) A extinção por caducidade imediata de todos os contratos de trabalho em
que seja parte a B., com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado,
os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto
nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações
em dívida à data da extinção do contrato de que se trate.'
Resulta deste preceito que, com a entrada em vigor do
Decreto-Lei nº 137/85, se extinguiram de imediato, por caducidade, os contratos
de trabalho dos trabalhadores daquela empresa pública, sem que estes tivessem
direito a qualquer indemnização.
7. Ao sustentar a inconstitucionalidade da alínea c) do
nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, pretendeu o recorrente, na qualidade
de trabalhador daquela empresa à entrada em vigor do diploma, que os tribunais
comuns recusassem a aplicação dessa norma e reconduzissem a situação dos autos a
um despedimento colectivo ilegal, ferido de nulidade, de que emergiria para o
recorrente, nos termos gerais, um direito de indemnização pelo despedimento.
Neste enquadramento, surge como contraditória a
formulação do requerimento de interposição de recurso do recorrente, quando diz
que recorre 'ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, porquanto o acórdão recorrido recusou a aplicação da
norma contida no nº 1 do artigo 4º do Decreto‑Lei nº 137/85': a recusa de
aplicação dessa norma era precisamente o que o recorrente pretendia, ao suscitar
a sua inconstitucionalidade.
Parece, assim, haver um equívoco na invocação da alínea
a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do tribunal Constitucional.
8. Essa alínea a), aliás em consonância com a alínea a)
do nº 1 do artigo 280º da Constituição, prevê o recurso de constitucionalidade
das decisões dos tribunais que 'recusem a aplicação de qualquer norma, com
fundamento em inconstitucionalidade'.
Constitui pressuposto de admissibilidade desse tipo de
recurso a verificação do seguinte circunstancialismo: que, num processo
judicial, uma determinada norma seja tida como relevante para a decisão do caso
concreto e que, em seguida, seja formulado um juízo de inconstitucionalidade
relativamente a essa norma, de que decorre a recusa da sua aplicação. Ou dito de
outro modo: que a norma desaplicada na decisão teria de ser nela utilizada como
seu fundamento, caso não tivesse sido rejeitada por inconstitucionalidade (neste
sentido, cf. designadamente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 239/92,
Diário da República, II, de 16 de Novembro de 1992).
9. No caso dos autos, houve uma efectiva desaplicação da
norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85 - como se verá
adiante, pela análise da decisão recorrida.
Isso explica a invocação, no requerimento de recurso, da
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a norma da
alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85 não foi, de facto,
aplicada na decisão recorrida, pelo que não poderia o recorrente apelar,
designadamente, ao nº 1, alínea b), do mencionado artigo 70º (que parecia melhor
quadrar a um não acolhimento da sua pretensão em matéria de
inconstitucionalidade), na medida em que esse preceito pressupõe uma efectiva
aplicação da norma cuja inconstitucionalidade se invoca.
Só que essa desaplicação não se fundamentou num juízo de
inconstitucionalidade, contrariamente ao exigido no artigo 70º, nº 1, alínea a),
da Lei do Tribunal Constitucional. O que ocorreu foi uma interpretação do
direito ordinário, à margem de qualquer juízo de inconstitucionalidade, que
conduziu à não aplicação desse preceito.
É o que ressalta do acórdão recorrido no trecho em que
se afirma que 'o ponto decisivo a resolver não está em saber se estamos perante
caducidade ou despedimento colectivo, mas sim na interpretação e eficácia do
(...) recibo assinado pelo autor'. Entendeu-se que, previamente à questão de
saber se se aplicava ou não o artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº
137/85, importava apurar se o documento assinado pelo autor implicava uma
renúncia (remissão abdicativa) válida ao direito de crédito que eventualmente
lhe assistisse, independentemente da fonte desse direito: só na hipótese de
improceder a excepção de remissão abdicativa se verificaria então se esse
direito de crédito se deveria conceber como consequência de um despedimento
ilegal, o que passaria necessariamente por um juízo de inconstitucionalidade da
norma em apreço. Mas como a decisão recorrida considerou verificada a remissão
abdicativa, não se chegou a ponderar a aplicabilidade da norma cuja
inconstitucionalidade é invocada e esta não foi efectivamente aplicada na
decisão.
Ou seja, na lógica interpretativa do acórdão recorrido,
mesmo a ser considerada inconstitucional a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85, o direito indemnizatório daí decorrente teria sido
objecto de uma remissão válida, pelo que se pôde nesse caso prescindir de um
juízo sobre a aplicabilidade dessa norma e, consequentemente, de um juízo sobre
a sua inconstitucionalidade, sem interesse para a decisão do caso concreto.
A menção feita no acórdão recorrido à
inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto‑Lei nº
137/85, que se reconheceu ocorrer, surge, nesse contexto, como um mero obiter
dictum, insuficiente para a verificação dos pressupostos do tipo de recurso
utilizado (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 206/92, Diário da
República, II, de 12 de Setembro de 1992).
Não se chegou, portanto, a admitir a aplicabilidade da
norma arguida de inconstitucional, em termos de esta poder constituir o
fundamento jurídico da decisão. E essa norma não foi efectivamente aplicada,
como, aliás, propugnava o recorrente. Dessa desaplicação não decorreu, no
entanto, o pretendido reconhecimento de um direito de indemnização do
recorrente, na medida em que se acolheu um outro enquadramento normativo, no
âmbito do direito ordinário e sem recurso a qualquer prévio juízo de
inconstitucionalidade.
Afinal, o que o recorrente pretende, através do presente
recurso de constitucionalidade, é reagir ao modo como o tribunal recorrido
interpretou o direito ordinário, ou seja, impugnar a fundamentação normativa
acolhida na decisão recorrida. Só que essa actuação do tribunal recorrido não é
sindicável pelo Tribunal Constitucional: essa matéria escapa aos poderes de
cognição deste Tribunal, que são delimitados pela sua função específica de
controlo da constitucionalidade. Apenas por via de um recurso jurisdicional,
sendo possível, se poderia atacar a decisão do tribunal recorrido.
10. O que se vem de expôr reflecte também a função
instrumental do recurso de constitucionalidade, segundo a qual só se deve
conhecer das questões de constitucionalidade 'se a sua decisão puder influir
utilmente na decisão da questão de fundo' (cf. o Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 169/92, Diário da República, II, de 18 de Setembro de 1992).
Se porventura o Tribunal Constitucional ignorasse a
falta dos requisitos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea a) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 e se viesse a pronunciar sobre a
constitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85, acabaria por proferir uma decisão sem interesse para o julgamento da
causa. Com efeito, um juízo de inconstitucionalidade daquela norma (em
consonância, aliás, com a jurisprudência uniforme deste Tribunal) e a revogação
da decisão recorrida em conformidade com esse juízo nunca poderiam ter como
efeito o reconhecimento do direito de indemnização alegado pelo autor: é que,
como se viu, na lógica do acórdão recorrido, o direito indemnizatório decorrente
do juízo de inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85 sempre teria sido objecto de uma remissão abdicativa
válida, pelo que em nada se alteraria a decisão de julgar verificada essa
excepção.
11. Em suma: falta um pressuposto processual respeitante
ao objecto do recurso de constitucionalidade, exigido pelos artigos 280º, nº 1,
alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro - concretamente, uma decisão positiva de inconstitucionalidade, ou
seja, uma decisão que tivesse recusado a aplicação de uma norma por motivo de
inconstitucionalidade. E a falta de tal pressuposto processual é determinante do
não conhecimento do recurso.
Conclui-se, pois, que o presente recurso é inadmissível
e que não deve ser conhecido.
Ouça-se cada uma das partes por 5 dias, nos termos do
disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 21 de Março de 1995
Maria Fernanda Palma