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Processo n.º 790/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (5.ª Secção), de 20 de setembro de 2011.
2. A decisão reclamada tem, na parte útil à economia da reclamação, o seguinte teor:
“[…]
4. O recorrente pretende a apreciação da questão de constitucionalidade da “norma contida no art.º 287.º, n.º 2, e, consequente e conjugadamente, do art.º 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, - com o sentido de que, sumariamente, inexiste possibilidade legal de admitir a instrução em processo criminal se não estiverem expressos no seu requerimento de abertura todos os pressupostos exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 283.º, como impõe o art.º 287.º, n.º 2 da respetiva lei adjetiva, mesmo que tais faltas derivem da impossibilidade efetiva do Assistente/Requerente ali poder identificar com rigor e individualidade os agentes dos imputados ilícitos e o grau de intervenção e responsabilidade de cada um deles, por via da omissão de indispensáveis atos de investigação por parte de quem dirigiu o Inquérito, o Ministério Público, não sendo sequer admissível a indiciação desses agentes por simples reporte aos cargos funcionais que ocupam na administração pública, como foi feito”.
[…]
7. Ora examinado o Acórdão recorrido, constata-se que este não interpretou “a norma contida no art.º 287.º, n.º 2, e, consequente e conjugadamente, do art.º 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal” no sentido que foi definido pelo recorrente, transcrito acima no ponto 4, e que este pretende sindicar constitucionalmente.
Na verdade, o recorrente envolve na formulação da hipótese do critério normativo, que intenta censurar constitucionalmente, diversos elementos que mais não são do que ponderações ou valorações factuais e jurídicas concretas que, segundo a sua ótica, ocorrem no caso, mas que não encontram, no acórdão recorrido, qualquer expressão e que, por isso, não se podem dar como acolhidas por este.
É o que se passa relativamente à inclusão, no âmbito da norma, das situações em que “mesmo que tais faltas derivem da impossibilidade efetiva do Assistente/Requerente ali [no requerimento de abertura da instrução] poder identificar com rigor e individualidade os agentes dos imputados ilícitos e o grau de intervenção e responsabilidade de cada um deles, por via da omissão de indispensáveis atos de investigação por parte de quem dirigiu o Inquérito, o Ministério Público, não sendo sequer admissível a indiciação desses agentes por simples reporte aos cargos funcionais que ocupam na administração pública, como foi feito”.
Em retas contas, o que o recorrente pretende é sindicar a bondade da aplicação da norma dos artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, às virtualidades ou especificidades fáctico-processuais que o mesmo entende verificarem-se no caso e que estão traduzidas em tal dimensão enunciativa feita pelo recorrente.
Ora, já se viu que, no recurso de constitucionalidade, não pode sindicar-se a correção jurídica da sentença, seja no que se refere à determinação, no plano do direito infraconstitucional, da norma aplicada ao caso, seja no que importa à operação de subsunção das circunstâncias do caso ao quadro normativo elegido e ao resultado de uma tal atividade cognitivo-decisória, mesmo que a mesma faça diretamente aplicação das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios constitucionais.
8. Se tal realidade obsta ao conhecimento do objeto do recurso tal como o mesmo se encontra definido pelo recorrente, pode ainda acrescentar-se, ex abundante, que idêntica conclusão se alcançaria, in casu, também pela constatação de que a dimensão controvertida no presente recurso de constitucionalidade não fora previamente suscitada perante o Tribunal da Relação no sentido que o Recorrente agora trouxe ao recurso de constitucionalidade.
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso.
(...)”.
3. Refutando a correção da decisão reclamada, o reclamante esgrime os seguintes argumentos:
“(...)
Data venia, constata-se, desde logo, a existência de um fatal erro na apreciação desta adequação formal do recurso - relevante ainda que - complementar à essência da ora reclamada rejeição - porquanto, salvo melhor e douta opinião, está ela contrariada pela simples leitura das conclusões I e II do recurso apresentado ao juízo da Veneranda Relação de Lisboa que aqui se - transcrevem para mais fácil e célere perceção:
I É imperativo processual vinculado no art.º 97.º,n.º 5, do Código de Processo Penal, que os atos decisórios sejam sempre fundamentados, de facto e de direito, pelo que a decisão que rejeita a abertura de instrução requerida para declarar a nulidade do inquérito por insuficiência manifesta com devolução ao Ministério Público para prossecução ou, alternativamente, a realização das diligências em falta na fase de instrução, ao não indicar a norma legal que sustenta essa rejeição inquina-a de nulidade, ainda que sanável nos termos previstos no art.º 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o que urge por forma a poder-se aferir com segurança a eventual inconstitucionalidade da interpretação ali dada a essa norma fundante, que parece ser a do n.º 3 do art.º 287.º da citada lei processual.
II. E se, como parece, é esta a norma ali aplicada, com o entendimento de existir inadmissibilidade legal para a abertura de instrução saída da falta de indicação dos pressupostos exigidos pelo art.º 287.º, ‘ n.º 2, ex vi art.º 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), a sua aplicação viola claramente os preceitos constitucionais dos art.s 9.º,alínea b), 20.º, nºs 1,4e5,32.n.°s1e7,202.ºn.º 2, 203.º, 219º e 271.º, nºs 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa, o que cautelarmente se argui para todos os efeitos legais.
Este corpo textual, que delimitou eficaz e claramente a tese jurídica objeto do inconformismo e discordância do ali, como aqui, Recorrente, encontra verosimilhança no fundamento do recurso ora em apreço, como se alcança da sua letra, se não também do seu espírito:
2. Para apreciação da inconstitucionalidade do entendimento feito pelo Tribunal a quo, confirmando o expandido na 1.ª Instância, da norma contida no art.º 287.º, n.º 2, e, consequente e conjugadamente, do art.º 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, -com o sentido de que, sumariamente, inexiste possibilidade legal de admitir a instrução em processo criminal se não estiverem expressos no seu requerimento de abertura todos os pressupostos exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 3 do 283.º, como impõe o art.º 287.º, n.º 2 da respetiva lei adjetiva, mesmo que tais faltas derivem da impossibilidade efetiva Assistente/Requerente ali poder identificar com rigor e individualidade os agentes dos imputados ilícitos e o grau de intervenção e responsabilidade de cada um deles, por via da omissão de indispensáveis atos de investigação por parte de quem dirigiu o Inquérito, o Ministério Público, não sendo sequer admissível a indiciação desses agentes por simples reporte aos cargos funcionais que ocupam na administração pública, como foi feito.
Mal se entendendo, pois, a complementar inconformidade consignada na Decisão Sumária trazida ao superior entendimento da Conferência deste Soberano Tribunal.
Por outro lado, afigura-se ao Recorrente que, de modo suficientemente claro, se retira do texto recursivo supra transcrito que o aqui que se sindica ante este Tribunal Constitucional é a interpretação que o Tribunal de Instrução Criminal, com ratificação pela Relação de Lisboa, deu às normas invocadas, as dos art.º 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), e 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se conformam às garantias constitucionais em matéria penal dadas à vitima de um crime sem capacidade legal efetiva de identificar os seus agressores, sendo que a falta de atos e diligências de Inquérito Penal da exclusiva competência do Ministério Público não podem afetar os seus direitos de agir em juízo em plena defesa desses direitos e interesses legítimos.
Poderá mesmo transparecer que o inconformismo do Recorrente é também da decisão, mas este - que existe também, é facto inegável - é mera sequela consequente dos efeitos que essa errada interpretação normativa veio a ter na decisão, como sempre tem, e se não o tiver falecerá legitimidade ao recorre” abstrato ele.
Na verdade, in casu, só existe decisão desfavorável aos desígnios processuais do Recorrente porque o Tribunal de 1.ª Instância, como depois o Superior, se sustentou numa interpretação das normas relevantes a aplicar – ainda que sem as referenciar de forma expressa e clara, como é seu dever – que, na ótica do Recorrente, decapitam liminarmente a possibilidade de um qualquer cidadão vítima de ilícito criminal poder pedir a um órgão jurisdicional a confirmação ou infirmação da decisão do órgão inquisicional que determina arquivar o procedimento por achar que inexiste crime.
De facto, se por não haver ilícito se não investiga e determina a identidade dos agentes e seu grau de responsabilidade criminal nos eventos denunciados, e essa determinação é exigência essencial para a sindicância judicial pretendida e necessária, ficam totalmente derrogadas as possibilidades de ser requerida a abertura de instrução sempre que o Ministério Público incumpra tais deveres de diligência formal, fora do alcance do cidadão interessado.
Essa a vexata quaestio do recurso trazido ao Superior juízo deste Tribunal máximo, matéria essencialmente constitucional, como compete, sem que, no entanto, se possam retirar dos autos que acompanham toda a demais que é consequência da deficiente e errada interpretação e aplicação das normas indicadas e aplicáveis, isto é a decisão.
Ela está lá, nos termos exarados, apenas porque o entendimento dos julgadores para aquelas normas adjetivas penais foi desconforme aos imperativos constitucionais sobre a tutela jurisdicional dos direitos, liberdades e garantias do cidadão vitima dos crimes denunciados.
Destarte, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, configura-se erro de julgamento na Decisão Sumária, porquanto o recurso se mostra adequadamente formulado e interposto e a questão jurídica a resolver é essencialmente de submissão aos preceitos fundamentais de Estado de Direito, consagrados na Constituição da República, quanto às normas processuais indicadas - ainda que subentendidamente - como sustentáculo para a decisão judicial tomada, sem que os efeitos dessa errada interpretação normativa deixem de se fazer sentir ou possam ser escamoteados, matéria a jusante da que enforma o presente recurso”.
4. O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Constitucional pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, afirmando, entre o mais, que:
“[…]
3º
(...) o Ilustre Conselheiro Relator entendeu – e bem, na apreciação deste Ministério Público – que a decisão recorrida não fez aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pelo recorrente.
4º
Para comprovar o acerto desta conclusão, atente-se, por exemplo, no seguinte passo do Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 450-451 dos autos) (destaques do signatário):
“É certo que o assistente tinha o direito a discordar. E, de duas uma: ou reclamava hierarquicamente, como se disse já, o que não consta que tenha feito, ou requeria a abertura de instrução, o que nem sequer parece ter feito (se o fez foi-o de modo completamente à revelia dos mais elementares pressupostos a que deve obedecer um requerimento de abertura de instrução).
Não indicou factos situados no tempo, modo, local cometidos e imputáveis objetivamente a pessoas concretas minimamente identificadas, o que, aliás, nesta parte, ele próprio, em contradição total com o que agora pretende, admite claramente quando refere que deve ser declarada a nulidade exatamente com a finalidade «da realização dos atos e diligência necessários a identificar os vários e sucessivos agentes dos ilícitos criminais determinados e transparentes na matéria fáctica já apurada, escamoteados e não analisados no douto despacho de arquivamento, com vista a instruir os autos com os elementos necessários e indispensáveis à adequação formal do requerimento de abertura de instrução» (…).
Dito isto, é por demais evidente que o assistente o que pretendeu no essencial foi a declaração de nulidade, nulidade essa claramente inexistente como muito bem o salientou o despacho recorrido pelas razões ali expostas e que não foi adequadamente impugnado pelas vias processuais ao dispor. E, de outro modo, ao aludir à alternativa da instrução como suprimento daquelas omissões, fica-se também sem se perceber mesmo se chegou a requerê-la formalmente o que, a admitir que o tenha feito, o efetuou de modo, salvo o devido respeito, confrangedoramente inepto”.
Ora, uma tal motivação, da decisão recorrida, está bastante longe da dimensão normativa apresentada pelo recorrente, no seu recurso para este Tribunal Constitucional.
5º
Ora, como se sabe, é jurisprudência constante, deste Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso, formulado ao abrigo da alínea b), do nº 1, do art. 70º da LTC, depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários, tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequando perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente (cfr. a este propósito, Acórdãos 269/94, 352/94, 367/94, 560/94, 155/95, 192/00, 199/98, 618/98, 710/04).
Faltando um destes requisitos, como aconteceu no caso em apreciação, o recurso não pode ser conhecido.
6º
Entendeu, por outro lado, o Ilustre Conselheiro Relator (cfr. fls. 481-482 dos autos):
“8. Se tal realidade obsta ao conhecimento do objeto do recurso tal como o mesmo se encontra definido pelo recorrente, pode ainda acrescentar-se, ex abundante, que idêntica conclusão se alcançaria, in casu, também pela constatação de que a dimensão controvertida no presente recurso de constitucionalidade não fora previamente suscitada perante o Tribunal da Relação no sentido que o Recorrente agora trouxe ao recurso de constitucionalidade.
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso.”
7º
Ou seja, considerou o mesmo Conselheiro Relator, que a questão de constitucionalidade não foi suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequando perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Conclusão, essa, que, entende este Ministério Público, se afigura igualmente correta.
8º
Basta compulsar, para o efeito, o recurso interposto, pelo interessado, perante o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 393-403 dos autos).
O recorrente requeria, aí, fundamentalmente (cfr. fls. 399 dos autos), “a declaração de nulidade de insuficiência do inquérito e sua sanação através da realização dos atos e diligência necessários a identificar os vários e sucessivos agentes dos ilícitos criminais determinados e transparentes na matéria fáctica já apurada, escamoteados e não analisados no douto despacho de arquivamento, com vista a instruir os autos com os elementos necessários e indispensáveis à adequação formal do requerimento de abertura de instrução, se a sua necessidade se vier a manter.”
9º
E, um pouco mais adiante, reporta-se a eventuais inconstitucionalidades existentes (cfr. fls. 400-401 dos autos) (destaques do signatário):
“Por tudo isto reúnem os presentes autos, por tudo isto, um conjunto de anomalias que implicam graves violações de direitos, liberdades e garantias consagradas na lei e na constituição, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo estado Português e ao seu integral cumprimento vinculado, o que é agravado pela circunstância de em causa estarem funcionários e agentes do Estado (cfr. art. 271º, nº 1, da C.R.P.).
É imperativo processual vinculado no art. 97º, nº 5 do Código de Processo Penal, que os atos decisórios sejam sempre fundamentados, de facto e de direito, pelo que a decisão que rejeita a abertura de instrução requerida para declarar a nulidade do inquérito por insuficiência manifesta com devolução ao Ministério Público para prossecução ou, alternadamente, a realização das diligências em falta na fase de instrução, ao não indicar a norma legal que sustenta essa rejeição inquina-a de nulidade, ainda que sanável nos termos previstos no art. 380º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, o que urge por forma a poder-se aferir com segurança a eventual inconstitucionalidade da interpretação ali dada a essa norma fundante, que parece ser a do nº 3 do art. 287º da citada lei processual.
E se, como parece, é esta a norma ali aplicada, com o entendimento de existir inadmissibilidade legal para a abertura de instrução saída da falta de indicação dos pressupostos exigidos pelo art. 287º, nº 2, ex vi art. 283º, alíneas b) e c), a sua aplicação viola claramente os preceitos constitucionais dos arts. 9º, alínea b), 20º, nº s 1, 4 e 5, 32º, nºs 1 e 7, 202º, nº 2, 203º, 219º e 271º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, o que cautelarmente se argui para todos os efeitos legais.”
Fundamentalmente, pois, o que o assistente aqui pretende contestar é a falta de fundamentação do despacho do juiz de instrução, de que recorre.
10º
Ora, desde logo, o despacho a que se alude, do Juiz de Instrução Criminal de Lisboa (cfr. fls. 387-390 dos autos), foi claro, ao definir as razões pelas quais entendeu não admitir o requerimento de abertura de instrução, por parte do assistente (cfr. fls. 387-388 dos autos):
“Tal requerimento, para além de não ser um ato claro, por um lado, não contém a descrição dos factos cuja prática pretende atribuir ao(s) arguido(s), por outro lado não identifica quem pretende ver pronunciado em virtude do seu requerimento para a abertura da instrução.
Por isso, não é admissível o requerimento apresentado pelo assistente. (…)
Tendo sido apresentado um requerimento para a abertura da instrução sem a descrição expressa dos factos criminosos, encontra-se por definir o objeto do presente processo sobre o qual este Tribunal se possa debruçar o que torna inadmissível este procedimento e, por isso, nessa parte, o requerimento do assistente, na medida em que não dá cumprimento ao disposto no art. 283º, nº 3, b) e c), aplicável por via do disposto no art. 287º, nº 2 do Código de Processo Penal, será indeferido.”
Não há, aqui, lugar a nenhuma falta de fundamentação, muito pelo contrário, estão expressamente indicadas as normas desrespeitadas pelo requerimento do assistente, que determinaram a decisão da sua não admissão pelo juiz de instrução.
11º
Acresce que, a forma como a questão de constitucionalidade foi suscitada, no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. supra nº 9 do presente parecer), está longe de corresponder aos parâmetros que o Tribunal Constitucional tem definido para a apresentação de uma questão de constitucionalidade normativa (cfr. a título de exemplo, os Acórdãos 269/94, 367/94, 18/96, 663/96, 680/96, 37/97, 618/98, 710/04, 178/10).
12º
Para além de que, não deveria ser a questão de falta de fundamentação do despacho do juiz de instrução, que deveria estar em causa, mas a falta de elementos do requerimento de abertura de instrução.
Isso mesmo terá compreendido o ora recorrente, que procurou, no recurso de constitucionalidade, “emendar” a mão, cingindo a questão de constitucionalidade à falta dos referidos elementos. Só que não foi essa a questão que verdadeiramente suscitou perante o tribunal recorrido, pelo que tal tribunal, afinal, não pôde apreciar a questão de constitucionalidade, que o interessado pretende, agora, seja apreciada pelo Tribunal Constitucional.
13º
O ora recorrente acha, assim, que, para poder apresentar o requerimento de abertura de instrução, outro órgão, designadamente o Ministério Público, deverá fazer o seu (dele, assistente) trabalho, juntando os elementos que ele próprio não foi capaz de reunir.
Original e singular forma de repartir as responsabilidades no processo penal.
14º
Por todo o exposto ao longo deste parecer, crê-se que a presente reclamação para a conferência deverá ser desatendida por este Tribunal Constitucional, não só pelo facto de a decisão recorrida não ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pelo recorrente, como também pelo facto de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequando perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
[…]”
II. Fundamentação
5. A argumentação do reclamante não logra abalar os fundamentos pelos quais se decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal.
Vejamos.
5.1. No recurso de constitucionalidade, como ademais nos outros recursos, cabe ao recorrente definir o objeto do recurso.
Deste modo, sendo o objeto imediato do recurso de constitucionalidade constituído pela norma arguida de inconstitucionalidade, recai sobre o recorrente o ónus de precisar essa norma cuja declaração de invalidade constitucional intenta alcançar.
Foi o que o reclamante fez no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
E fê-lo nos termos que se reproduziram no ponto 4. da decisão sumária reclamada.
Ao Tribunal Constitucional incumbe, no domínio da aferição dos pressupostos especiais do recurso de constitucionalidade, e para assegurar a sua utilidade, saber se a norma pretendida questionar constituiu ou não ratio decidendi da decisão recorrida, pois, caso o não tenha sido jamais a sua pronúncia poderá vir a demandar a reforma do julgado.
Ora, confrontando os fundamentos da decisão recorrida com o critério normativo que o reclamante pretende ver apreciado constitucionalmente, verifica-se que, de modo algum, os mesmos se sobrepõem, tal como se concluiu na decisão sumária ora reclamada.
Na verdade, o acórdão recorrido não afirma sequer que o recorrente tenha efetivamente exercido o direito de requerer a instrução segundo os termos que estão previstos no art.º 287.º do CPP. Limitou-se a admitir que o tenha pretendido fazer, mas que, a tê-lo querido fazer, o havia efetuado à revelia dos mais elementares pressupostos a que deve obedecer um requerimento de abertura de instrução.
Nestes termos, não pode ler-se o acórdão no sentido de o mesmo abranger uma compreensão do critério normativo dos art.ºs 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal” de modo correspondente ao que foi enunciado pelo reclamante, no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, e muito menos com o recorte das hipóteses normativas, aí apontadas.
O acórdão recorrido entendeu a reação do recorrente enquanto consubstanciando não o exercício do direito processual de requerer a abertura da instrução, nos termos do art.º 287.º do CPP, mas a arguição de uma nulidade processual que, no caso, declarou inexistente.
Esse foi, de facto, o remédio jurídico pedido no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Nele, o que o ora reclamante pretendia, e por cujo sucesso se bateu, foi, fundamentalmente, “a declaração de nulidade de insuficiência do inquérito e sua sanação através da realização dos atos e diligência necessários a identificar os vários e sucessivos agentes dos ilícitos criminais determinados e transparentes na matéria fáctica já apurada, escamoteados e não analisados no douto despacho de arquivamento, com vista a instruir os autos com os elementos necessários e indispensáveis à adequação formal do requerimento de abertura de instrução, se a sua necessidade se vier a manter”.
5.2. Do mesmo passo, a reclamação não merece, também, deferimento quanto ao objetado sobre o fundamento subsidiário da decisão sumária reclamada: o da falta de suscitação atempada da questão de constitucionalidade perante o Tribunal da Relação.
No recurso para a Relação, o reclamante bateu-se, fundamentalmente, pela declaração de nulidade de insuficiência do inquérito e pela sua sanação, nos termos que vêm de ser transcritos, por falta de fundamentação da decisão do juiz de instrução.
O juiz de instrução havia tomado a posição de não admitir o requerimento de abertura de instrução por não ser claro que fosse este o objeto do requerimento do reclamante, até porque o mesmo, “por um lado, não contém a descrição dos factos cuja prática pretende atribuir aos arguidos, por outro, não identifica quem pretende ver pronunciado em virtude do seu requerimento para abertura da instrução”.
Perscrutando, todavia, que essa sua tese de falta de fundamentação do despacho do juiz de instrução não colheria, desviou o reclamante o sentido da sua arguição para a falta dos elementos do requerimento de instrução.
Fê-lo, porém, reportando as eventuais inconstitucionalidades não ao critério normativo em si, transportado pelo “art.º 287.º, n.º 2, ex vi art.º 283.º, alíneas b) e c)”, do CPP, mas ao seu ato de aplicação, por parte do julgador.
É a esta visão das coisas que se devem os termos segundo os quais o reclamante enuncia a questão de constitucionalidade cuja apreciação demanda deste Tribunal.
Só que – e repetindo – não se vê que do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa a questão lhe aja sido colocada desse modo. Donde, se impõe concluir que o reclamante não cumpriu adequadamente o ónus processual de prévia e atempada suscitação.
Deste modo, não pode a reclamação ser deferida.
III. Decisão
6. Termos em que, face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.