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Processo nº 224/93
2ª Secção
Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
A CAUSA
1. A., arguido no processo comum nº 98/90, do Tribunal
do Funchal (2º Juízo, 2ª Secção) na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça (STJ) de 26 de Fevereiro de 1992 (certificado a fls. 7/21) - que nesse
processo o condenou na pena de 17 anos de prisão e 1 500 000$00 de multa, pela
prática do crime p. e p. pela aplicação conjugada dos artigos 23º, nº 1 e 27º,
al. g), do Decreto-Lei nº 430/ /83, de 13 de Dezembro (tráfico agravado de
estupefacientes) - interpôs, para o Plenário das Secções Criminais do STJ,
recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alegando assentar esta
decisão em solução oposta, relativamente à mesma questão de direito, à do
Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 1991, publicado na Colectânea de
Jurisprudência, Ano XVI - 1991, Tomo I, pág. 5/6.
Com efeito, alegou desde logo o recorrente, ter-se
decidido no Acórdão recorrido não ser de considerar alteração substancial dos
factos a condenação pelo crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 23º,
nº 1 e 27º, do Decreto-Lei 430//83, quando a acusação imputava ao arguido
exclusivamente o crime do artigo 23º referido, contrariamente, no Acórdão
invocado como fundamento, fora decidido que idêntica alteração da incriminação
constituía 'alteração substancial', só possível cumpridas as formalidades do
artigo 359º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP).
Proferido em 7 de Outubro de 1992 (fls. 29/32), Acórdão
interlocutório - constatando apreciarem ambos os arestos '... a mesma questão de
direito (enquadra-se ou não na figura da alteração substancial da acusação a
requalificação jurídica, em julgamento ou por via de recurso, da matéria de
facto constante daquela), à luz dos mesmos preceitos legais (o actual Código de
Processo Penal e o Decreto-Lei 430/83)' - foi determinado nesse Acórdão o
prosseguimento do recurso.
Das respectivas alegações, apresentadas nos termos do
artigo 442º, nº 2 do CPP, fez o recorrente constar, entre outras, as seguintes
conclusões:
'a razão de ser da proibição de alteração substancial da sentença face à
acusação ou pronúncia visa proteger de modo intenso o princípio constitucional
do contraditório (artigo 32º, nº 5 da CRP e artigos 61º, nº 1, alínea b) e 327º
do CPP), o qual abrange hoje também o tratamento dado à matéria de facto para o
efeito de a subsumir aos preceitos incriminadores; uma interpretação do aludido
princípio ou da sua concretização prática no domínio em apreço - que é o dos
artigos 358º e 379º, alínea b) do CPP - que restringisse o seu âmbito de
protecção apenas à vertente fáctica - proibição de novos factos - obliterando a
sua dimensão jurídica - proibição de novas imputações - seria proibida pela
própria constituição - artigo 18º, nº 2 da CRP.'
2. Através de Acórdão de 27 de Janeiro de 1993 (fls.
134/148), negou o Plenário das Secções Criminais do STJ provimento ao recurso,
fixando obrigatoriamente a seguinte doutrina:
'Para os fins dos artigos 1º, alínea f), 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº
2, 359º, nº 1 e 2, e 379º, alínea b), do Código de Processo Penal, não
constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na
pronúncia, a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou
convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura
criminal mais grave.'
Notificado tal Acórdão (Assento nº 2/93, no Diário da
República, I Série-A de 10 de Março de 1993), dele interpôs recurso para este
Tribunal o arguido A., nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, indicando pretender a apreciação da
inconstitucionalidade do 'artigo 1º, nº 1 al. f), do Código de Processo Penal
(...) na sua conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2,
359º, nºs 1 e 2 e 379º, al. b), do mesmo diploma adjectivo', por violação dos
artigos 32º, nº 5 e 18º, nº 2 da Constituição.
3. Admitido o recurso apresentou o recorrente as
respectivas alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:
'(1) deve ser decretada a desconformidade com a Constituição da alínea f) do nº
1 do artigo 1º do CPP nomeadamente com a interpretação que dele extraíu o
Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência de 27.01.93 (Assento 2/93,
publicado no Diário da República, I Série-A, nº 58 de 10.03.93);
(2) a definição do conceito de alteração substancial de factos resulta de
operação legislativa necessária dado que ele não é alcançável pela mera
constatação naturalística de novos factos;
(3) interpretar o conceito em causa como pressupondo novidade de factos, de
cuja alteração se tratasse seria tautológico e faria integrar o definido na
definição, tudo regras que contradizem as técnicas definitórias e lógicas
essenciais;
(4) o conceito de alteração de factos deve ser buscado numa análise jurídica e
não materialista;
(5) a circunstância de o preceito citado - bem como outros do CPP - empregar a
expressão factos não implica que de factos naturalísticos se trate, do mesmo
modo que a expressão 'facto' usada no Código Penal abrange todos os elementos
necessários à incriminação, ainda que de natureza jurídica, como é o caso da
consciência da ilicitude essencial à caracterização do dolo.
(6) caracterizando-se o sistema processual penal pela estrutura acusatória e
pelo respeito pelo princípio da acusação, impõe-se a vinculação e
estabilização do objecto do processo, limitando-se assim os poderes cognitivos
do tribunal e delimitando materialmente o caso julgado;
(7) estes valores garantem a estabilidade processual, acautelam os direitos
dos sujeitos processuais e tutelam a certeza jurídica inerente à delimitação
do caso julgado;
(8) nesta medida o princípio da vinculação temática é um princípio
constitucional que decorre do princípio da legalidade;
(9) a alteração substancial de factos significa a alteração do próprio objecto
do processo que a lei por regra não consente se não com limites apertados;
(10) o objecto do processo é o crime tal como está definido na alínea a) do
artigo 1º do CPP;
(11) ocorre hoje à face do CPP um alargamento epistémico do âmbito do objecto
do processo, tal como o reflecte o artigo 386º do CPP;
(12) o próprio relevo da consciência da ilicitude como elemento positivo
determinante para a realização do dolo implica que o objecto do processo tenha
que englobar elementos de tipo jurídico e não meramente factual;
(13) a própria circunstância de a lei possibilitar a narrativa sintética dos
factos da acusação (alínea c) do nº 3 do artigo 283º) evidencia que não serão os
factos aqueles elementos pertinentes a levar em linha de consideração como
definidores do objecto do processo;
(14) a circunstância de a lei não empregar o conceito de 'novos factos' quando
define a alteração substancial de factos e sucedendo que tal conceito existe no
Código (artigo 449º, nº 1 alínea d)) mostra que de coisas diferentes se trata;
(15) considerar que integra o limite da convolação jurídica permitida a
qualificação de circunstâncias modificativas não previstas, desde que a
factualidade subjacente seja pré-existente ofende princípios constitucionais;
(16) ofende o princípio do contraditório (artigo 32º, nº 5 da CRP), o qual
abrange hoje as questões incidentais e a prova mas também o tratamento dado ao
arguido em termos de possibilitar participar nas alterações jurídicas e
intervir tempestivamente quanto às questões de direito que se coloquem;
(17) ofende também o princípio das garantias de defesa (artigo 32º, nº 1 da
CRP), o qual impõe um processo justo e leal sem encurtamento intolerável ou
desproporcionado das garantias de defesa, sucedendo que a defesa que o arguido
faz tem em vista não apenas a vertente fáctica do objecto do processo mas também
a qualificação jurídica nele consignada pelo que surpreendê-lo à traição com
qualificações não previstas é lesionar de modo insuportavelmente
inconstitucional aqueles valores;
(18) ofende finalmente o princípio de igualdade de armas que está consignado na
Constituição como decorrência do princípio da igualdade e também expresso nas
Convenções Internacionais que protegem os direitos do Homem;
(19) o Tribunal mantém poderes soberanos que lhe possibilitam a convolação
jurídica sem ofensa da Constituição.'
Apresentou igualmente alegações o Exmº Procurador-Geral
Adjunto em exercício neste Tribunal, concluindo 'dever julgar-se não
inconstitucional o Assento nº 2/93, de 27 de Janeiro, e, consequentemente,
negar-se provimento ao recurso'.
Corridos os pertinentes vistos, importa decidir.
II
FUNDAMENTAÇÃO
4. Importa determinar qual, ou quais, as realidades
normativas a que o recurso se irá reportar.
O recorrente, tanto no requerimento de interposição como
nas alegações, indica constituirem objecto do presente recurso a conformidade
constitucional do artigo 1, nº 1, al. f), do CPP, conjugado com os artigos 120º,
284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, al. b), deste
diploma, na interpretação que dele (e implicitamente deles) fez o Assento
2/93. O Mº Pº, por sua vez afirma que esse objecto consiste na própria 'questão
da constitucionalidade do Assento 2/93'.
Neste caso, porém, importa reter a
circunstância de se estar perante o próprio processo de que resultou o Acórdão
de fixação e não perante uma aplicação - autonomizada do processo que o
originou - desse Acórdão, aplicação essa decorrente do seu carácter obrigatório.
A este propósito, ocorre sublinhar que 'os assentos não
são os próprios acórdãos do tribunal pleno, mas estritamente as proposições
normativas de estrutura geral e abstracta que se autonomizam, formal e
normativamente, desses acórdãos', que o mesmo é dizer que estes, 'originados
embora numa decisão jurisprudencial que deles constitui pressuposto jurídico,
(...) normativamente objectivam, para além dessa decisão, uma prescrição que
fica a valer geral e abstractamente para o futuro' (correspondem as citações ao
Acórdão do Plenário deste Tribunal nº 810/93, publicado no Diário da República,
II Série, de 2 de Março de 1994).
Ora, neste caso, tratando-se de fiscalização concreta -
necessariamente indissociável da específica relação processual em que
incidentalmente aparece - emergente do próprio recurso de fixação de
jurisprudência que originou o Assento 2/93, o carácter autónomo deste não é
relevante no processo em que o mesmo foi interposto. Neste processo a decisão
'tem eficácia', mas não 'constitui jurisprudência obrigatória', nas palavras do
nº 1 do artigo 445º do CPP.
Assim sendo, consiste o presente recurso, tal como o
caracteriza o recorrente, na apreciação da constitucionalidade do artigo 1º, nº
1, al. f) do CPP, na interpretação que lhe deu a decisão recorrida,
entendendo-se essa interpretação integrativa das diversas disposições atrás
indicadas que no Código utilizam o conceito nele definido.
5. Consta entre as definições enlencadas no artigo 1º do
CPP a de 'alteração substancial dos factos', como 'aquela que tiver por efeito a
imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das
sanções aplicáveis' (nº 1, al. f)).
A decisão recorrida seguindo determinada linha
interpretativa procede a uma recomposição desta norma, em termos que nos
permitem lê-la (à luz do Assento) da seguinte forma '... considera-se (...) f)
Alteração substancial dos factos: aquela que tiver por efeito a imputação ao
arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções
aplicáveis, excluindo a simples alteração da qualificação jurídica (ou
convolação) dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, ainda que se
traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave'.
Só na base desta recomposição interpretativa,
necessariamente reflectida nos artigos 359º, nºs 1 e 2 e 379º, do CPP, foi
possível à decisão recorrida considerar que alguém (o recorrente em concreto)
sujeito a julgamento sob a acusação de haver cometido um crime 'simples' de
tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 23º, do Decreto-Lei 430/83, então
vigente, pudesse, em fase de julgamento e sem mais, ser condenado por um crime
de tráfico agravado, p. e p. pelo artigo 27º, al. g), com referência ao artigo
23º, ambos do citado diploma, por se entender que a circunstância em que
assenta tal agravação (o 'concurso de duas ou mais pessoas' na actividade de
tráfico) constava da acusação.
Nesta interpretação, a mera alteração da qualificação
jurídica dos factos descritos - no que aqui interessa - na acusação, não
carece, para que o tribunal a possa fazer na sentença, de prévia comunicação ao
arguido com o consequente facultar de oportunidade de defesa quanto a ela, mesmo
quando essa nova qualificação conduza à condenação por crime mais grave.
Assim caracterizado o problema que se nos coloca,
ressalta a sua semelhança com a questão subjacente ao Acórdão nº 173/92, desta
2ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de
1992. Aí, um arguido sujeito ao foro militar, acusado como cúmplice, foi sem
qualquer comunicação prévia confrontado com uma condenação como co-autor, ao
abrigo do trecho final do nº 2, do artigo 418º, do Código de Justiça Militar
(que permite a condenação 'por infracção diversa daquela por que o réu foi
acusado, ainda que seja mais grave, desde que os seus elementos constitutivos
sejam factos que constem do libelo').
Pronunciou-se então o Tribunal, unanimemente, pela
inconstitucionalidade material dessa disposição, por violação do princípio
emergente do artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental, quando a diversa qualificação
jurídico-penal dos factos levasse à condenação do arguido em pena mais grave,
mas isso apenas na medida em que não se previa que o arguido fosse prevenido da
nova qualificação e se lhe desse oportunidade, quanto a ela, de se defender.
Aludiu o Tribunal, na parte final desse Acórdão nº
173/92, à controvérsia jurisprudencial que este Assento 2/93 veio solucionar,
afastando uma tomada de posição sobre o assunto, por exceder o âmbito desse
recurso.
Eis-nos chegada, com o presente processo de
fiscalização concreta, a altura de tomar tal posição.
6. Segue o Assento 2/93 um entendimento que, no Código
de Processo Penal anterior, correspondia a uma disposição expressa, o artigo
447º, justificada por Beleza dos Santos, numa formulação já clássica, dizendo
que a descrição de determinados factos na acusação, facultava sempre ao réu a
possibilidade de deles se defender, antevendo nomeadamente as diversas
hipóteses de enquadramento jurídico destes, e que, por isso, seria 'exorbitante
e injustificado' conferir ao réu 'a vantagem de beneficiar com qualquer erro de
apreciação jurídica feito no despacho de pronúncia ou equivalente' (Revista de
Legislação e Jurisprudência, 63º, 385 e segs).
Presentemente, mesmo na ausência de disposição expressa
equivalente ao artigo 447º, do Código de 1929, a defesa da liberdade de
qualificação jurídica do juiz penal relativamente aos factos constantes da
acusação ou da pronúncia, continua a sublinhar esta ideia (a defesa do arguido
é relativamente aos 'factos que lhe são imputados e não das qualificações
jurídicas que deles se fazem', Frederico Isasca, Alteração Substancial dos
Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português, Coimbra 1992, pág. 103).
Tende-se, porém, cada vez mais a justificar essa liberdade de qualificação por
referência ao princípio da sujeição exclusiva dos tribunais à lei, expresso pelo
artigo 206º, da Constituição (é o que faz o Acórdão do STJ de 26 de Fevereiro de
1992, no trecho constante de fls. 15 destes autos), e à imposição de uma
correcta qualificação jurídica dos factos na sentença, decorrente do dever de
apreciação da matéria de facto 'sob todos os pontos de vista jurídicos
possíveis' (Frederico Isasca, ob. cit., pág. 104).
7. Porém, a questão que se nos coloca neste processo não
se ressolve satisfatoriamente por simples referência à liberdade de
qualificação jurídica na condenação. Estamos no domínio do processo criminal,
onde a afirmação dessa possibilidade processual sempre carece de
compatibilização com a plenitude de garantias de defesa exigida pelo artigo 32º,
nº 1, do texto constitucional. Conforme se referiu no Acórdão 173/92, o que aqui
importa saber é se, 'por imperativo constitucional, não tem de ser concedida ao
arguido a possibilidade de defesa, quando a nova qualificação jurídica pode
importar a sua condenação em pena mais grave'.
O 'direito a ser ouvido', enquanto direito a dispor de
oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer
decisões, particularmente as tomadas contra o arguido, traduz um dos aspectos
fundamentais do direito de defesa. Esse direito é, na ordem jurídica
norte-americana, um elemento fundamental do 'justo processo legal' - o 'due
process of law' referido na V Emenda - possibilitador da aplicação de sanções
criminais (Norman Vieira, Constitutional Civil Rights in a Nutshell, 2ª ed. St.
Paul, Minnesota, 1990, pág. 36 e segs).
Frisou-se no, já por diversas vezes referido Acórdão nº
173/92, - e tem total aplicação à presente situação - que um exercício eficaz do
direito de defesa não pode deixar de ter por referência um enquadramento
jurídico-criminal preciso. Dele decorrem, ou podem decorrer, muitas das opções
básicas de toda a estratégia de defesa (a escolha deste ou daquele advogado, a
opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e
não de outros, etc.) em termos que de modo algum podem ceder perante os valores
subjacentes à liberdade (mesmo que lhe chamemos correcção) na qualificação
jurídica do comportamento descrito na acusação.
É da essência das garantias de defesa que a operação de
subsunção que conduz o juiz à determinação do tipo penal correspondente a
determinados factos, seja previamente conhecida e, como tal, controlável pelo
arguido. Através da narração dos factos e da indicação das disposições legais
aplicáveis, na acusação ou na pronúncia (v. artigos 283º, nº 3 e 308º, nº 2 do
CPP), é fornecido ao arguido um modelo determinado de subsunção constituído por
aqueles factos entendidos como correspondendo a um específico crime. Tal modelo
serve de referência à face do julgamento - destinando-se esta, aliás, à sua
comprovação - e é em função dele que o arguido organiza a respectiva defesa.
Importa aqui sublinhar que o conhecimento pelo arguido desse modelo, tornando
previsível a medida em que os seus direitos podem ser atingidos naquele
processo, constitui como se disse um imprescindível ponto de referência na
estratégia de defesa, funcionando, assim, como importante garantia de exercício
desta.
As limitações quanto à possibilidade de conhecimento de
novos factos (artigos 358º e 359º do CPP) visam precisamente impedir que o
arguido seja confrontado com uma subsunção diversa daquela em função (na
previsão) da qual preparou a sua defesa. Ora, é diverso - e num processo após a
acusação ou a pronúncia é novo - tanto o modelo de subsunção que recaindo sobre
novos factos leva a uma incriminação diversa, como o modelo que baseando-se nos
mesmos factos tem como ponto de chegada uma incriminação diversa.
Sendo mais gravosa para o arguido esta nova
incriminação, não pode deixar de se lhe facultar, com a comunicação da
eventualidade da sua ocorrência, uma sequência processual, situada na fase de
julgamento, em que sendo previsível essa nova incriminação, o arguido possa
discuti-la e adaptar a sua defesa a essa alteração.
A solução está assim na compatibilização da liberdade
de qualificação com um mecanismo processual que torne efectivo esse direito a
ser ouvido, face a uma convolação que, mantendo os factos descritos na acusação
ou pronúncia, naturalisticamente considerados, importe condenação em pena mais
grave. O arguido deve ser prevenido da possibilidade da nova qualificação,
quando esta importar pena mais grave, facultando-se--lhe quanto a ela
oportunidade de defesa.
III
DECISÃO
8. Pelo exposto decide-se:
a) - Julgar inconstitucional - por violação do princípio constante do artigo
32º, nº 1 da Constituição - o disposto no artigo 1º, alínea f), do Código de
Processo Penal, conjugado com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº
2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, al. b), e interpretado nos termos constantes do
Assento 2/93, como não constituindo alteração substancial dos factos descritos
na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação
jurídica (ou convolação), mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente
qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais
grave, não se prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe
dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.
b) - Conceder-se, em função disso, provimento ao recurso, revogando-se a
decisão recorrida, que deve ser reformulada em consonância com o decidido sobre
a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 31 de Maio de 1995
José Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Bravo Serra
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Fernando Alves Correia
José Manuel Cardoso da Costa