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Proc. nº 376/93
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A. e B. impugnaram, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (4º Juízo), a liquidação adicional do Imposto Complementar (Secção A), referente ao ano de 1984, no montante de 121.959$00, relativo ao valor do prémio de seguro de capital diferido, de que o primeiro recorrente era um dos beneficiários, pago pela empresa de que é administrador (C.) à companhia de seguros D..
Para tanto alegaram, além do mais, a inconstitucionalidade material do artigo 1º, § 2º, alínea f), na redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho, sustentando que a equiparação, para efeitos de imposto profissional, a rendimentos do trabalho dos '... subsídios, benefícios ou regalias sociais auferidos no exercício ou em razão do exercício da actividade profissional' é inconstitucional, na medida em que viola os princípios da legalidade e da tipicidade tributárias consagrados no artigo 106º, nº 2, da Constituição, por falta de clareza e precisão.
Alegaram ainda a inconstitucionalidade orgânica da norma contida naquele artigo, na medida em que o Governo, ao não proceder a uma definição clara e precisa dos tipos de benefícios sujeitos a imposto profissional, utilizando a fórmula '... auferidos no exercício ou em razão do exercício da actividade profissional', extravasou a autorização legislativa que o habilitava a 'caracterizar certos tipos de subsídios e outros benefícios ou regalias sociais considerados rendimentos do trabalho' [artigo 17º, alínea l), da Lei do Orçamento - Lei nº 8-A/80, de 26 de Maio].
O juiz julgou improcedente a impugnação.
2. Inconformados, os ora recorrentes recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção), que, por acórdão do Pleno, de 17 de Março de 1993, julgou a mencionada alínea f) do § 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional (redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho, ao abrigo do qual se procedeu às liquidações impugnadas), não inconstitucional, contrariamente ao que o recorrente sustentara.
3. É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Março de 1993, que vem o presente recurso, interposto ao abrigo dos artigos
280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da alínea f) do § 2º do artigo 1ª do Código do Imposto Profissional.
Neste Tribunal, os recorrentes - que, com as alegações, e para as apoiar, juntaram um parecer subscrito pelo Prof. Doutor Jorge Miranda - formularam as seguintes conclusões:
'I - A redacção dada pelo Governo pelo Decreto-Lei nº 183-D/70, de 09 de Junho à alínea f) do § 2º do art. 1º do Código do Imposto Profissional deve ser considerada inconstitucional.
II - Com efeito, a norma em causa não respeita os princípios da tipicidade e da legalidade tributária decorrentes do art. 106º da Constituição.
III - Não tendo o Governo procedido a qualquer caracterização dos subsídios, benefícios e regalias sujeitos a tributação em sede de imposto profissional, limitando-se a estabelecer a sua conexão com o exercício da actividade profissional.
IV - O princípio da tipicidade tributária saiu violado e consquentemente caiu-se no arbítrio administrativo e judicial.
V - Tratando-se de um domínio em que a Constituição impõe expressamente que as leis não podem ser indeterminadas.'
A Fazenda Nacional também apresentou alegações que concluiu do modo seguinte:
'a) O legislador do Código do Imposto Profissional usou correctamente a autorização legislativa concedida e, apesar de constituir norma relativa-mente indeterminada (como são a grande maioria das normas jurídicas), a alínea f) do parágrafo 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional não ofendeu os princípios da legalidade e da tipicidade;
b) O douto Acórdão recorrido respeitou, por isso, integralmente, a lei em vigor.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
4. O Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho, pretendeu 'repor o regime estabelecido no Decreto-Lei nº 297/79, de 17 de Agosto, declarado inconstitucional pela Resolução nº 116/80, de 5 de Abril, do Conselho da Revolução' - D.R., I Série, de 5 de Abril de 1980 - (cf. preâmbulo daquele diploma), em virtude de não ter sido cumprido o preceituado no nº 1 do artigo
141º, com referência ao artigo 137º, nº 1, alínea b), da versão originária da Constituição, que exigia a assinatura do Primeiro-Ministro em funções à data da respectiva promulgação (cf. Parecer nº 5/80 da Comissão Constitucional, Pareceres da Comissão Constitucional, 11º vol., p. 129 e ss.).
5. Tratando-se da criação de impostos, o Governo só pode legislar mediante autorização legislativa da Assembleia da República [artigo
168º, nº 1, alínea i), da Constituição], o que aconteceu no caso concreto.
Nos termos do artigo 17º, alínea l), da Lei nº 8-A/80, de 26 de Maio, a Assembleia da República autorizou o Governo a 'caracterizar certos tipos de subsídios e outros benefícios ou regalias sociais considerados rendimentos do trabalho', para o efeito de, por eles, fazer pagar imposto profissional.
O Governo, no uso dessa autorização, definiu como rendimentos do trabalho - rendimentos que passaram, assim, a ficar sujeitos a imposto profissional - 'os subsídios e outros benefícios ou regalias sociais auferidos no exercício ou em razão do exercício da actividade profissional' [alínea f) do
§ 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho].
Impõe-se, assim, saber se a norma em crise respeitou o sentido da lei de autorização.
6. As autorizações legislativas têm de definir o respectivo objecto, o seu sentido, a sua extensão e a respectiva duração [artigo 168º, nº
2, da Constituição; cf., sobre a conceptualização do sentido das leis de autorização legislativa, António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, s.d., p. 240 e ss., e, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal nºs 107/88, 473/88 e 70/92 (D.R., I Série, de 21 de Junho de 1988, e II Série, de 26 de Setembro de 1989 e 18 de Agosto de 1992, respectivamente)].
A norma sub iudicio, ao invés de definir os tipos de subsídios, benefícios e outras regalias sociais que passaram a ficar sujeitos a imposto profissional, procedeu apenas à definição da sua origem para efeitos de tributação: passaram a ser tributados os benefícios '... auferidos no exercício ou em razão da actividade profissional'.
Contudo, a autorização referia-se precisamente à caracterização desses subsídios. Quanto à sua origem, porque se tratava da delimitação da incidência do imposto profissional, só podiam estar em causa os subsídios recebidos em função da actividade profissional. O que se pretendia, repete-se, era a caracterização desses subsídios - necessariamente auferidos em função do exercício da profissão.
Assim sendo, a norma sub iudicio não cumpriu o sentido da autorização legislativa, o que significa que o Governo violou os poderes que lhe foram delegados, porque legislou sobre matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República fora dos limites da respectiva autorização legislativa.
A norma da alínea j) do § 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional (redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho viola, pois, o artigo 168º, nº 2 (conjugado com a alínea i) do seu nº 1) da Constituição. Neste sentido tem, aliás, decidido este Tribunal (cf., entre outros, o acórdão nº
493/94, D.R., II Série, de 17 de Dezembro de 1994).
7. Alcançada esta conclusão, torna-se inútil averiguar se tal norma é materialmente inconstitucional por violar o artigo 106º, nº 2, da Constituição.
III Decisão
8. Pelos fundamentos expostos:
a) Julga-se inconstitucional - por violação do artigo 168º, nº
2 [conjugado com a alínea i) do seu nº 1], da Constituição - a norma constante da alínea f) do § 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho;
b) Concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido, que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido quanto à questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 10 de Julho de 1996 Maria Fernanda Palma Maria Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração junta aos Acódãos nºs. 492/94 e 493/94)