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Processo n.º 833/2011
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado, por acórdão da Vara Mista de Coimbra, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de diversos crimes tipificados na Lei n.º 37/87, de 16 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro (diploma que estabelece o regime jurídico dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos). Além disso, foi condenado a perder a favor do Estado o valor de €338.618,24, liquidado como vantagem da atividade criminosa, nos termos do artigo 7.º e segs. da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, impugnando a matéria de facto e a de direito e invocando, nomeadamente, nulidade da sentença, omissão de pronúncia e violação do direito de defesa. Suscitou ainda a inconstitucionalidade da interpretação dada à norma do artigo 163.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), por violação das garantias de defesa em processo criminal, previstas no artigo 32.º da Constituição.
Por acórdão de 28 de setembro de 2011 (fls. 3852 e seguintes), a Relação negou provimento ao recurso, tendo confirmado, na íntegra, a decisão recorrida.
2. Desta decisão foi interposto o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), para apreciação das questões de constitucionalidade assim identificadas no requerimento de fls. 3996 e seguintes:
- A questão que integra o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação da Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro (“que veio alargar, em paralelo com o regime do art.º do n.º 2 do art. 373º do Código Penal (CP), na redação conferida pela mesma Lei, o tipo objetivo de corrupção passiva para ato lícito, através da criminalização de situações em que o mercadejar do cargo de funcionário não tem em vista um ato ou omissão concreta do funcionário mas uma relação funcional, privilegiada, entre ele e determinada pessoa), quando entendido no sentido de abranger condutas iniciadas ou ocorridas antes da entrada em vigor desta Lei n.º 108/2001 em termos de não se exigir a verificação da causalidade direta entre a vantagem do prevaricador e a prática de determinado ato ou omissão, por violação do artigo 29.º, n.º 4 da Constituição”;
- A questão relativa ao artigo 163.º do CPP, “quando interpretado no sentido de permitir ao Tribunal a alteração dos pressupostos de perícias subjacentes à liquidação prevista no art. 7º, nº 1 da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, designadamente através da realização de operações contabilísticas corretivas, com base em argumentação puramente técnico-jurídica, contrariando anterior juízo pericial, sem assegurar ao Arguido os direitos de audiência e de defesa, por violação do princípio do contraditório e do direito de defesa previstos no artigo 32.º da Constituição”.
3. Notificado para alegar, o recorrente sustentou:
“(…)
h) A norma do art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/7, na redacção dada pela lei n.º 108/2001, de 28/11 (que veio alargar, em paralelo com o regime do artº do n.º 2 do art. 373º do Código Penal, na redacção conferida pela mesma Lei, o tipo objectivo de corrupção passiva para acto lícito, através da criminalização de situações em que o mercadejar do cargo de funcionário não tem em vista um acto ou omissão concreta do funcionário mas uma relação funcional, privilegiada entre ele e determinada pessoa), quando entendido no sentido de abranger condutas iniciadas ou ocorridas antes da entrada em vigor desta Lei n.º 108/2001 em termos de não se exigir a verificação da causalidade directa entre a vantagem do prevaricador e a pratica de determinado acto ou omissão, é inconstitucional por violação da garantia constitucional de proibição de lei penal incriminadora constante do art.º 29.º‘ n.º 1, da CRP
i) A norma do art. 163º do CPP, quando interpretado no sentido de permitir ao Tribunal a alteração dos pressupostos de perícias subjacentes a liquidação prevista no art. 7º, n.º 1 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, designadamente através da realização de operações contabilísticas correctivas, com base em argumentação puramente técnico-jurídica, contrariando anterior juízo pericial, sem assegurar ao arguido os direitos de audiência e de defesa, é inconstitucional por violação das garantias de defesa asseguradas em processo criminal e do princípio do contraditório, assegurados nos n.ºs 1 e 5 do art.º 32.º da CRP.”
O Ministério Público contra-alegou pugnando, em primeiro lugar, pelo não conhecimento do presente recurso e, sem conceder, pela não verificação de qualquer inconstitucionalidade.
Notificado para se pronunciar quanto às questões prévias suscitadas pelo Ministério Público, o recorrente pugnou pela não existência de qualquer impedimento quanto a pronúncia sobre o mérito do recurso.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir, começando por averiguar se, como sustenta o Ministério Público, subsistem questões prévias que obstem à apreciação do objeto do recurso.
4. O recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC exige, além dos requisitos e pressupostos processuais gerais do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o preenchimento de pressupostos específicos. Além do esgotamento das vias ordinárias – que aqui não está em dúvida –, é condição necessária que a norma (ou normas) jurídica que constitui o seu objeto (em sentido material) integre a ratio decidendi da decisão recorrida, correspondendo ao critério jurídico efetivamente adotado pelo tribunal que proferiu essa decisão na resolução de uma concreta questão que lhe foi sujeita. E, além disso, que a constitucionalidade de tal norma haja sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). O que implica que o interessado em aceder ao Tribunal Constitucional coloque a questão de modo claro e preciso e em momento processual idóneo a vincular esse tribunal, sob pena de incorrer em nulidade, a conhecer dela como questão (incidental) autónoma, se entender fazer aplicação da norma questionada. E exige, quando se questionem interpretações ou dimensões aplicativas particulares de um dado preceito ou bloco legal, que se identifique o sentido normativo que se considera inconstitucional, enunciando o critério normativo que se considera constitucionalmente repudiado.
Postas estas genéricas considerações, vejamos o caso.
5. No que toca à primeira questão de inconstitucionalidade agora colocada, relativa ao artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, quando entendido no sentido de abranger condutas iniciadas ou ocorridas antes da entrada em vigor desta Lei n.º 108/2001 em termos de não se exigir a verificação da causalidade direta entre a vantagem do prevaricador e a prática de determinado ato ou omissão, constata-se que não existe no processo, na fase de recurso perante a Relação, evidência da colocação de tal questão.
Está em causa o entendimento da decisão condenatória de que é punível nos termos da referida disposição legal a aceitação, por parte do titular de cargo político, de vantagens patrimoniais indevidas posteriormente a 1 de janeiro de 2002 (entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei n.º 108/2001), por virtude da prática de atos não contrários aos deveres do cargo anteriormente a essa data, sem que seja necessário provar que a solicitação ou aceitação de tais vantagens motivou ou norteou as intervenções do agente, como seria necessário para a condenação ao abrigo do regime penal anterior de punição da corrupção passiva para ato lícito. Na motivação do recurso, o ora recorrente versou, com clareza e desenvolvimento, a questão da sucessão das leis penais no tempo (maxime n.ºs 78 a 98 da Motivação), concluindo pela inaplicabilidade do preceito na referida redação por violação do princípio da lei penal mais favorável ao arguido. Mas fê-lo no plano da argumentação na questão de determinação da lei penal aplicável perante a sucessão de leis e o referido princípio, em função do seu entendimento de que, no caso, se sanciona uma conduta temporalmente plurilocalizada (face ao termo de referência que é a entrada em vigor da nova redação do preceito punitivo).
É certo que, a par do n.º 4 do artigo 2.º do (CP), o recorrente invocou perante a Relação, como suporte do seu entendimento quanto à determinação da lei aplicável, o disposto na 2ª parte do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição. Mas a mera referência, ao fio do discurso, a um preceito ou princípio constitucional não é condição suficiente para que se considere adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade normativa, designadamente aquela que o recorrente agora quer ver apreciada (aliás, no caso, dificilmente se compreende a invocação do comando da 2.ª parte do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição porque, na lógica do recorrente e sem compromisso na questão de saber se a situação entra verdadeiramente em contacto com dois regimes de punição, das leis em sucessão seria a posterior a mais gravosa; mais pertinente seria a invocação do disposto no n.º 1 do artigo 29.º da CRP como, aliás, o recorrente agora faz nas alegações de recurso). Como começou por dizer-se e de acordo com a constante jurisprudência do Tribunal, para que se considere suscitada uma questão suscetível de lhe ser posteriormente deferida, é sempre necessário que se tenha imputado desconformidade à Constituição por parte de uma determinada norma. O que significa que o tribunal da causa tem de ser colocado perante uma questão incidental autónoma de inconstitucionalidade para que da sua decisão negativa (ou, porventura, do seu silêncio, apesar de instado a exercer o poder a que se refere o artigo 204.º da CRP) possa emergir o recurso previsto no n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
O recorrente argumenta que a Relação, não obstante o modo como foi suscitada a questão, se apercebeu da problemática em causa, o que demonstraria a satisfação do ónus processual em análise.
Independentemente da questão de saber em que termos o tratamento efetivo da questão de constitucionalidade poderia influenciar o juízo sobre a suficiência da suscitação, o certo é que esta afirmação do recorrente não tem correspondência na realidade processual. O acórdão discorre no ponto 5.1. (págs. 113 a 123) sobre os elementos constitutivos dos delitos de corrupção e sobre a diferença dos regimes penais em sucessão, mas de modo algum se ocupa de qualquer questão de constitucionalidade normativa, designadamente daquela que o recorrente vem agora pedir que o Tribunal julgue. O acórdão dá conta da evolução do regime, mas não para considerar um específico problema de aplicação da lei penal no tempo, designadamente da constitucionalidade da aplicação da lei nova a situações como a dos autos.
Sustenta ainda o recorrente que, se não se entendesse que teria ocorrido suscitação adequada da questão de constitucionalidade, então este seria um caso em que, por se tratar de interpretação insólita ou imprevisível, não seria exigível a satisfação do referido ónus durante o processo.
Também não é possível acolher esta argumentação. Os casos em que, num entendimento funcional e proporcionado do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, o Tribunal tem admitido não ser exigível o seu comprimento, dizem respeito a situações em que não foi possível ou não seria razoável impor ao interessado antecipar a questão de constitucionalidade nos termos em que, uma vez proferida a decisão final, ela vem a colocar-se. Protegem-se situações em que, pela concreta tramitação processual ou por qualquer motivo objetivo, designadamente pelo inesperado da aplicação de determinada norma ou pelo caráter insólito da interpretação feita, não foi possível ao interessado, atuando com as cautelas processuais normais, vir ao processo suscitar, antes de o tribunal a quo ter proferido a sua decisão final, o problema de inconstitucionalidade que pretende, posteriormente, integrar no objeto do recurso de fiscalização concreta.
Ora, não pode entender-se que, no caso, a decisão da Relação revista, nesta parte, um caráter insólito ou imprevisível. Efetivamente, o acórdão recorrido reitera a interpretação que havia sido já adotada pela decisão proferida em primeira instância, consubstanciada no entendimento de que, o artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, tipifica como crime de corrupção passiva para ato lícito as situações em que se verifica um mercadejar com o cargo público exercido, independentemente da existência de um ato ou omissão concreta, bastando a demonstração de que o agente solicitou ou recebeu uma vantagem oriunda de quem esteve, está ou previsivelmente virá a estar numa relação de índole funcional com ele. E – mantendo os factos e a qualificação jurídica - fez aplicação da norma assim entendida, tal como a 1ª instância o havia feito, a uma situação em que a obtenção de vantagem ocorreu já na vigência do novo regime, embora as intervenções funcionais motivadores do enriquecimento indevido sejam anteriores a essa entrada em vigor. Face a essa identidade, no plano da matéria de facto e de direito entre as duas instâncias, nada há que possa justificar a dispensa do ónus de suscitação prévia decorrente das disposições conjugadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 7.º da LTC.
Não pode, pois, conhecer-se do objeto do recurso quanto à primeira questão de constitucionalidade.
6. Relativamente à segunda questão de constitucionalidade (que integra o artigo 163.º do CPP, “quando interpretado no sentido de permitir ao Tribunal a alteração dos pressupostos de perícias subjacentes à liquidação prevista no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, designadamente através da realização de operações contabilísticas corretivas, com base em argumentação puramente técnico-jurídica, contrariando anterior juízo pericial, sem assegurar ao arguido os direitos de audiência e defesa”), estão igualmente suscitadas duas questões prévias: (i) não ter havido suscitação adequada da questão de constitucionalidade e (ii) a interpretação normativa que constitui objeto do recurso não corresponder à ratio decidendi do acórdão recorrido.
Independentemente de saber se a questão de constitucionalidade pode considerar-se adequadamente suscitada, o facto é que a norma assim entendida não corresponde à ratio decidendi do acórdão recorrido no que respeita à questão da valoração da prova pericial na determinação do montante perdido a favor do Estado, como se verá de seguida.
O acórdão recorrido ocupou-se da questão da valoração da perícia, para efeitos da liquidação da vantagem da atividade criminosa a perder a favor do Estado, nos seguintes termos:
“(…)
Ora, certo como é que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o exercício pleno do contraditório, discutindo, à exaustão, os relatórios periciais bem como as questões suscitadas a seu respeito pelo recorrente.
Por outro lado as correcções efectuadas pelo tribunal colectivo ao teor das perícias, não foram apenas operações de “adição” em desfavor do arguido mas também de operações de “subtracção” em seu benefício.
Com efeito, além do mais o tribunal recorrido, no quadro 4, apenas considerou as contas discriminadas no quadro 2 da sua liquidação, precisamente porque o arguido apenas destas podia defender-se - é essa a razão pela qual naquele quadro não se faz referência à conta n.º 50214708001 do Banco Santander.
Não foi violado, minimamente, o princípio do contraditório, com assento constitucional desde logo porque foi realizada 2ª perícia, precisamente a requerimento do recorrente, na qual foram respondidas todas as questões por este suscitadas. E ainda porque ambas as perícias foram submetidas a contraditório exaustivo durante a audiência de discussão e julgamento, tendo, além do mais, sido ouvidas em audiência, sobre o conteúdo das perícias, duas testemunhas ouvidas ao abrigo do disposto no art. 340° do CPP, além de duas outras convocadas pelo próprio recorrente que se socorreram de elementos escritos que tiveram por convenientes.
Sendo certo, outrossim, que essas testemunhas nada adiantaram sobre elementos subjacentes a qualquer juízo técnico insito nas perícias realizadas.
Nesta perspectiva, carece de fundamento o aduzido nos pontos 245-246 da motivação do recurso. Porquanto as aludidas testemunhas não põem em causa qualquer juízo técnico subjacente à peritagem. Além de “justificarem” as suas afirmações com base naquilo que “ouviram dizer” ao próprio arguido. Não dispondo, assim, de razão de ciência autónoma sobre o facto nem aduzindo qualquer conhecimento de natureza técnica sobre o mesmo.
Do mesmo modo, no que toca a cheques depositados em conta da titularidade do arguido/recorrente concluíram as ditas testemunhas tratar-se de cheques referentes a vencimentos do filho do recorrente. Mas apenas “porque” o arguido lho terá afirmado. Sem que tenham tido o cuidado de apoiar tal afirmação em qualquer outro meio de prova, nomeadamente, por exemplo, as declarações fiscais do dito filho do recorrente.
Alega o recorrente que «apesar de considerar que a perícia “apresenta rigor e isenção”, o tribunal corrige e desconta inúmeras quantias que não foram consideradas quer na 1ª, quer na 2ª perícias efectuadas».
Certo é que a valoração, pelo tribunal, da prova pericial é vinculada.
Com efeito, nos termos do art. 163º do CPP o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
No entanto apenas esse juízo científico está subtraído à livre apreciação do julgador, em conformidade ainda com o objecto da prova pericial, tal como definido pelo art. 151º do CPP: a percepção ou apreciação de factos que exigem especiais conhecimentos técnicos.
O mesmo é dizer que, no caso, tal apenas sucede com o juízo científico inerente à descrição daquilo que foi objecto de análise pelo perito e ao juízo técnico desenvolvido a partir de tal análise.
Como refere Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, p. 209) “... Se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que contrariando-os pode furtar validade ao parecer –, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é passível de uma crítica igualmente material ou científica. Quer dizer: perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quando porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser também científica e estará, por conseguinte, subtraída, em princípio, à competência do tribunal”.
Ora, no caso, o tribunal não se afastou de qualquer juízo técnico-científico emanado ou subjacente à prova pericial – nem o recorrente identifica em que possa constituir esse juízo técnico supostamente violado.
Por outro lado o tribunal justifica adequadamente as correcções efectuadas.
Assim:
No que concerne à conta do Banco B. com o n.º .…., justifica que não foram consideradas como entradas a crédito:
- por se tratar de valores referentes a estornos.
No que toca ao ano de 2002 foram considerados os valores constantes da perícia a fls. 3241, sendo que o valor de 1.076,99€, de 24.06.2002:
- por se tratar de movimento anulado
No que toca ao quadro de fls. 3241, do Relatório de Perícia, valor de 2.594,00€:
- por ser urna transferência a crédito, embora entre contas, terá que se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.
Também o valor de 5.563,88 referente ao movimento de 26.01.2004, a que alude o quadro de fls. 3243 tem uma justificação:
- por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.
Quanto à conta do Banco B. com o n.º …., e no que respeita ao ano de 2002 foi considerado o valor de 50.243,09 referente ao movimento de 11. 09.2002, a que alude o quadro de fls. 3246 com base na razão de que:
- constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, que terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.”
No que tange à conta do Banco B. com o n.º …. foram considerados como entradas:
- porque se trata de transferências entre contas no sentido referido.
Na conta do Banco B. com o n.º …. foram considerados os valores efectivamente entrados em conta através de depósitos em numerário efectuados por C.:
- porque se extrai da respectiva assinatura na conta em apreço, que pese embora dos elementos disponíveis nos autos seria titulada pelo seu filho C., mas era dominada e utilizada pelo pai em seu benefício. O ora arguido A., à semelhança do que sucedia com as contas por si co-tituladas, conforme se extrai da própria alegação do arguido, na contestação que apresentou, de que as quantias ai depositadas faziam parte de um empréstimo concedido ao arguido D. (cfr.fls.2809 - art.52° e 53º), e nas justificações que apresentou em audiência para ilidir a presunção quanto à proveniência ilícita das quantias nesta depositadas e que não lograram a credibilidade do tribunal, por não se mostrar assente em qualquer meio consistente e credível a sua licitude.”
No que se refere à conta da E. n.º …. o tribunal recorrido entendeu considerar como entradas quer o valor das entradas dos sócios, dos alegados empréstimos e do depósito em numerário no valor de 16.5000,00€ e ainda o valor referente à avença:
- por se tratar de valores que efectivamente deram entrada na conta em causa.
Na conta da E. n.º …. o tribunal considerou como entradas em conta os valores relativos a transferências entre contas, proveitos e prestações suplementares:
- por se tratar de valores entrados a crédito nas contas, conforme se extrai de fls. 246 a 248 do apenso
1.
Na conta do F. com o n.º ….. foram os valores referidos no ponto 5.6. considerados como entradas a crédito no quadro descrito em 4:
- Porque todos eles deram entrada na conta e por tal facto se têm de considerar valores entrados, conforme se extraí do teor de fls. 79 a 105 do apenso 2”.
Trata-se, pois, de correcções devidamente justificadas do ponto de vista relevante de meras “entradas” e “saídas” de valores, meras operações contabilísticas que não contrariam qualquer juízo técnico subjacente á perícia. Afirmação que se aplica a todas as verbas impugnadas pelo recorrente. Sendo certo que em relação a todas as correcções efectuadas as mencionadas correcções não são contrariados por qualquer meio de prova de igual ou superior valor ao da perícia nem são rebatidos, materialmente, pelo recorrente.
(…).”
E, mais adiante:
“(…)
O artº 70 citado estabelece que se presume constituir vantagem da actividade criminosa, na parte em que consubstanciem ou traduzam uma diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Tal presunção apenas opera quando o arguido for condenado pela prática de um dos crimes enunciados no artº 1º.
No caso em análise o arguido vai condenado pela prática do crime de corrupção passiva para acto lícito p. e p. pelo artigo 17º da Lei 34/87 na redacção da Lei 108/2001 de 28.11, crime esse que se encontra elencado no artº 1º al. d) da Lei 5/2002.
Por outro lado, o arguido foi constituído como tal no dia 4.03.2006 (fls. 1248).
Assim para se poder apurar o valor global da vantagem resultante da actividade criminosa desencadeada pelo arguido, teremos de considerar a diferença entre o valor do património do arguido nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido nos autos, constituído este pelos valores das entradas apuradas no quadro 4 dos factos provados e o valor dos rendimentos líquidos fiscais declarados e que constam do quadro 2.
Ao montante dessa diferença foram deduzidos pelo acórdão recorrido os valores constantes do ponto 5. 1. al. a) por se tratar de reembolso de despesas de saúde, pagas ao arguido pelo sindicato dos Bancários, por ser também um rendimento lícito e que não se encontra englobado nos valores declarados fiscalmente.
Foram ainda deduzidos os valores referidos em 5.1. al.b), 5.1 al.c), 5.2 al.a), 5.3 al.a) 5.3.al.b), 5.3.al.c), 5.5. al..a), 5.6. al. a), b), c) e d), por se tratar de transferências bancárias entre contas tituladas ou co-tituladas pelo arguido ou de que ele estava autorizado a movimentar, resgate de uma aplicação financeira e juros respectivos e bem assim cheques emitidos entre titulares das contas ou para um outro titular das contas titulas pelo arguido A., porquanto, tais movimentos embora efectivamente tenham entrado a crédito na conta em causa, verdadeiramente não constituem uma entrada de terceiro para a disponibilidade do arguido. Por outro lado, no caso das transferências bancárias entre contas poderia dar-se o caso de estarem a ser duplamente valoradas, se no referido período de cinco anos tivessem sido movimentadas entre contas mais do que uma vez.
Mais foram deduzidos os valores a que se reportam o ponto 5.4 al.a), 5.5 al.b), referentes a entradas dos sócios para a constituição do capital social da G. e prestações suplementares, por tais valores também terem origem justificada e, igualmente, também não terem sido objecto de declaração fiscal pelo arguido.
Foram também deduzidos os demais valores referidos em 5.4. a), b), c) e 5.5. b), uma vez que se trata de valores respeitantes a avenças que foram declarados como proveitos da G. para efeitos de IRC desta, pelo que, dessa forma, também constituem rendimentos de proveniência justificada, embora igualmente não declarados pelo arguido em sede do seu IRS.
Quanto aos demais valores referidos pelo arguido e não constantes do ponto 5. dos factos provados da liquidação, não logrou o mesmo provar, como lhe competia (cfr. artigo 9º) a origem licita de tais quantias.
Assim, presumindo-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, para a sua aferição há que deduzir ao montante apurado de entradas a crédito nas contas aludidas em 4. o valor dos rendimentos líquidos apurado para efeitos fiscais nos anos em questão e ao valor encontrado deduzir os montantes descriminados em 5., que se considerou pelas razões acima expostas, serem rendimentos a abater, por não constituírem rendimentos ou sendo-o nalguns casos, ter o arguido logrado ilidir a presunção no que aos mesmos se refere.
Pelo que, tendo em conta o valor de 854.785,78€ (valor do quadro 4) – 239.443,81€ (valor do quadro 2) = 615.341,97€
Tendo em conta a sorna das quantias descritas no ponto 5., entradas em conta e consideradas a abater ao valor do rendimento, a qual ascende a 276.723,73€, haverá que proceder à sua dedução ao valor acima referido. Ora, 615.341,97 - 276.723,73 = € 338.618,24.
(…).”
Esta transcrição torna evidente que o acórdão recorrido, confirmando o procedimento e o juízo do tribunal de 1ª instância, não interpretou o artigo 163.º do Código de Processo Penal como permitindo ao juiz contrariar o juízo científico ou técnico dos peritos sem assegurar ao arguido os direitos de audiência e defesa. O acórdão limitou-se a considerar que o tribunal de 1ª instância valorou o conjunto dos elementos probatórios, sem questionar qualquer juízo científico ou técnico dos peritos, que o recorrente, aliás, não identificara nem identifica. E que, nos limitados pontos em que se afastou do resultado a que haviam chegado os peritos – aliás, quase sempre a favor do arguido –, o fez com base na análise de outros elementos probatórios que afastam a base de facto pressuposta na perícia. Sendo que, quer a perícia, quer os demais elementos de prova, muitos deles apresentados pelo próprio arguido, foram sujeitos a análise e discussão por parte da acusação e da defesa.
Não corresponde, portanto, à realidade que o acórdão recorrido tenha aplicado o artigo 163.º do CPP com a interpretação de que o juiz pode afastar-se do juízo científico ou técnico constante da perícia sem conceder ao arguido direito de audiência e defesa. Falta qualquer destes dois elementos decisivos: a valoração da prova com substituição judicial do juízo científico ou técnico e a preterição do contraditório. Por isso, também não pode conhecer-se do objeto do recurso quanto à segunda questão de constitucionalidade.
7. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com 12 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.