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Proc. nº 552/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - No tribunal judicial da comarca de Penafiel, em processo sumário, foi o arguido A condenado pela prática do crime de condução sob influência do álcool, previsto e punido pelos artigos 2º, nº 1, e 4º, nºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 300$00, ou, em alternativa, em 53 dias de prisão, e inibido da faculdade de conduzir pelo período de seis meses.
Desta decisão levou o arguido recurso ao Tribunal da Relação do Porto, suscitando, além do mais, a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 135º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº
114/94, de 3 de Maio, na parte em que 'permite a manutenção em vigor do artigo
2º do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril', por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição.
Por acórdão de 28 de Junho de 1995, o Tribunal da Relação negou provimento ao recurso e confirmou por inteiro, a decisão impugnada. Para tanto, e no essencial, suportou-se na fundamentação seguinte:
'Parte o recorrente do pressuposto de que a acção em causa é qualificada pelos artigos 148º, alínea m) -, e 149º, alínea i) -, do Código da Estrada, como contra-ordenação, punível nos termos do artigo 87º, do mesmo diploma, com conteúdo mais favorável ao arguido, já que a sanção estabelecida é uma coima, em confronto com as penas de prisão ou multa cominadas no referenciado artigo 2º, do DL 124/90.
Para além do que acima já se disse a propósito da qualificação da acção delituosa em questão (como crime, punível nos termos deste
último normativo), sempre se dirá que o recorrente parte de um pressuposto errado, já que se não está perante sanções da mesma natureza (coisa diferente são coimas, por um lado, e prisão ou multa, por outro, só estas, tendo como suporte 'leis penais'), como se não está em presença de uma sucessão de leis
(penais) no tempo.
Só nesta hipótese (de sucessão de leis no tempo) é que poderia pôr-se a questão invocada (da inconstitucionalidade da norma do artigo
135º do Código da Estrada), chamando à colação o disposto no artigo 29º, nº 4, da Constituição da República, bem como o preceituado no artigo 2º, nº 4, do Código Penal, onde se estabelece o princípio da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
Só que, repetindo, não se está perante uma sucessão de leis penais no tempo, mas antes perante dois normativos, que se entende estarem ambos em vigor no momento do facto punível, sendo diverso o enquadramento jurídico que o arguido pretende seja adoptado, quando comparado com o que entendemos dever perfilhar.
Como o entendimento perfilhado é o de que o artigo 2º, do Decreto-Lei nº 124/90, não foi revogado, não poderá falar-se na referenciada sucessão de leis, pelo que não há lugar à aplicação do princípio da lei de conteúdo mais favorável, nem existe qualquer inconstitucionalidade.
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2 - Inconformado, trouxe o arguido, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, os autos em recurso ao Tribunal Constitucional, oferecendo depois alegações nas quais apresentou o seguinte quadro conclusivo:
DA QUESTÃO PRÉVIA:
1 - Confirmando a decisão tomada em primeira instância o Venerando Tribunal de Relação do Porto, através de douto Ac., decidiu no sentido da manutenção em vigor do artigo 2º do D.L. 124/90 de 14/4, tendo em conta o artigo 135º do novo Código da Estrada.
2 - Perante isto, o artigo 135º deverá ser considerado inconstitucional pois viola o princípio inerente ao artigo 29º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
3 - A acção de condução sob efeito do álcool foi discriminalizada com a entrada em vigor do novo Código da Estrada, mais concretamente com os artigos 148º al. m) e 149º al. i).
4 - Tal acção é, agora, uma contra-ordenação.
5 - Os tribunais são incompetentes, portanto, para julgar o caso visto que, tal matéria é, agora, da competência das autoridades administrativas.
6 - A favor da revogação do artigo 2º do D.L. 124/90 de
14/4 a regulação específica da acção de condução sob o efeito do álcool pelo novo Código da Estrada; A Lei de Autorização Legislativa 63/93 de 21/8, mais concretamente os artigos 1º e 2º nº 2 al. a) e nº 5; Ainda, o douto Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Évora datado de 15 de Novembro de 1994.
7 - Mais se complicou a questão com a entrada em vigor do novo Código Penal.
8 - Este diploma legal revoga expressamente, no seu preâmbulo, o mesmo artigo que o Código da Estrada já havia revogado (o artigo 2º do D.L. 124/90 de 14/4).
9 - Os tribunais não são competentes para julgar o caso pois trata-se de uma contra-ordenação o que faz com que esta matéria seja da competência dos Agentes Administrativos.
10 - Pede-se portanto, a remessa da questão para primeira instância a fim de ser avaliada a incidência do novo Código Penal sobre a questão atrás levantada.
DA INCONSTITUCIONALIDADE GLOBAL ORGÂNICA:
11 - A Lei de Autorização Legislativa 63//93 de 21/8 estabeleceu o prazo de 180 dias para o Governo legislar sobre o novo Código da Estrada.
12 - Esse prazo de 180 dias não foi respeitado, senão veja-se:
13 - A Lei de Autorização Legislativa (63/93 de 21/8) é de 21 de Agosto e o Decreto-Lei que aprova o novo C.E. data de 3 de Maio (D.L.
114/94);
14 - A Lei 63/93 foi aprovada pela Assembleia da República em 2 de Julho de 1993 e a aprovação do D.L. 114/94 em Conselho de Ministros data de 10 de Fevereiro de 1994;
15 - A Lei 63/93 foi promulgada em 28 de Julho de 1993 e a sua referendação em 3 de Agosto de 1993 sendo que, a promulgação e referendação do D.L. 114/94 datam de 16 e 18 de Março de 19954, respectivamente.
16 - Entre todas as datas referentes à Lei 63/93 e as relativas ao D.L. 114/94, há um espaço temporal bastante superior a 180 dias.
17 - Este prazo de 180 dias não foi prorrogado.
18 - O D.L. 114/94 é inconstitucional porquanto foi aprovado, promulgado e referendado extemporaneamente, violando assim o Princípio da Legalidade, mais concretamente O Princípio da Reserva Legislativa.
19 - Foi violado o artigo 168º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
SEM PRESCINDIR:
20 - O Governo duplicou e quadruplicou a duração mínima aplicável às contra-ordenações graves e muito graves no artigo 141º nº 2 do novo Código da Estrada.
21 - O Governo não estava autorizado, pela Lei 63/93 de
21/8, a fixar tais medidas.
22 - O artigo 141º nº 2 é inconstitucional pois, não foi respeitado o princípio da Reserva Legislativa - Inconstitucionalidade Orgânica Parcial -.
23 - Foi violado o artigo 168º nº 1 al. b) e nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL:
24 - Confirmando a decisão tomada em 1ª instância, o douto Ac. proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, tendo em conta o artigo 135º do novo Código da Estrada, decidiu pela manutenção em vigor do artigo 2º do D.L. 124/90 de 14/4.
25 - O 135º artigo do novo Código da Estrada, ao permitir a aplicação do artigo 2º do D.L. 124/90, viola o princípio constitucional pelo qual a ninguém pode ser aplicada pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
26 - É que os artigos 148º al. m) e 149º al. i) do novo Código da Estrada apresentam a acção de condução sob o efeito do alcool como contra-ordenação, discriminalizando, portanto, esta acção.
27 - Não permitindo a aplicação da norma de conteúdo mais favorável ao arguido, o artigo 135º do novo Código da Estrada vai contra a Constituição e, como tal, deverá ser declarado inconstitucional por violação do artigo 29º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, solução que é a única possível a tomar por este Alto Tribunal na defesa e prossecução da legalidade constitucional vigente.
28 - O artigo 135º do Código da Estrada viola o artigo
29º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
NÃO DISPENSANDO:
29 - O artigo 136º do novo Código da Estrada estabelece como responsáveis pelas acções dos filhos ou tutelados os pais ou tutores, respectivamente.
30 - Porque não há causalidade adequada entre as acções dos filhos ou tutelados e as acções dos pais ou tutores, esse artigo é inconstitucional por violar o princípio constitucional da Pessoa Humana.
31 - o Código da Estrada e o seu artigo 136º violam o princípio constitucional da Pessoa Humana.'
Por seu turno, o senhor Procurador-Geral Adjunto sustentou, ao contralegar, o improvimento do recurso, aduzindo para tanto fundamentação assim concluída:
'1º - Quer o artigo 292º do Código Penal, onde agora se prevê a condução de veículo em estado de embriaguez, punindo-o com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (enquanto pela lei antiga era punível com pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias), quer o artigo
69º, que estabelece a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano (enquanto pela lei antiga a inibição da faculdade de conduzir tinha, no caso, a duração de seis meses a cinco anos) têm, em abstracto, um conteúdo mais favorável.
Deverá, assim, ordenar-se a baixa do processo, a fim de a questão ser apreciada, em concreto, à luz do Código Penal que entretanto entrou em vigor.
2º - O Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, manteve-se em vigor, após o início de vigência do Código da Estrada - e até 1 de Outubro de
1995 - relativamente ao crime de condução sob a influência do álcool e à correspondente inibição da faculdade de conduzir, pelo que não houve sucessão de leis penais.
Assim sendo, o artigo 135º, do Código da Estrada, não violou, nem poderia ter violado, o artigo 29º, nº 4 [por lapso escreveu-se 295º, nº 4], da Constituição, na parte em que determina a aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável.
3º - Uma vez que o Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, foi aprovado em Conselho de Ministros em 10 de Fevereiro de 1994, e editado no uso da autorização legislativa conferida pela Lei nº 63/93, de 21 de Agosto, deve considerar-se emitido dentro do prazo de 180 dias fixado nessa lei, pelo que não padece de inconstitucionalidade orgânica.'
Porque sobre matéria similar à que vem suscitada no presente recurso existe já jurisprudência uniforme deste Tribunal, foram dispensados os vistos de lei.
Cabe agora apreciar e decidir.
E decidir tão somente sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 135º do Código da Estrada.
Com efeito, muito embora nas alegações do recorrente tenha sido suscitada a inconstitucionalidade de outras normas daquele código, o certo é que, quanto a elas, não se verificam os pressupostos de que depende a abertura da via de impugnação constitucional, achando-se assim inviabilizado o seu conhecimento.
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II - A fundamentação
1 - A condução de veículos, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, sob influência do álcool, sub specie legis, foi encarada pela primeira vez entre nós pela Lei nº 3/82, de 29 de Março, que considerou tal condução proibida, quando o condutor apresentasse uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,8 gramas/litro, (gr./l,) sendo a respectiva infracção punida com multa e inibição da faculdade de conduzir (artigos 1º, nº 2 e nº 7).
Posteriormente, veio a ser publicado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 31/89, de 21 de Agosto, o Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, que institui um novo regime nesta matéria e revogou a Lei nº 3/82.
Em conformidade com este diploma a condução de veículos, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, para quem apresentasse uma taxa de álcool no sangue (TAS) igual ou superior a 1,20 gr./l., constituia crime punido, sendo doloso, com pena de prisão até uma ano ou multa até 200 dias, e sendo culposo, com pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias.
A condução por quem apresentasse uma TAS inferior a
1,20 gr./l., era considerada como constituindo contravenção, punida com multa, cujo montante variava entre um mínimo de 15.000$00 e um máximo de 150.000$00.
Às penas correspondentes a tais infracções acrescia a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, com a duração de 6 meses a
5 anos, tratando-se de crime; de 3 meses a 2 anos, em caso de contravenção, em que o condutor apresentasse uma TAS igual ou superior a 0,80 gr./l; e de 1 a 6 meses, sendo a TAS igual ou superior a 0,50 gr./l., mas inferior a 0,80 gr.//l..
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2 - Entretanto, foi editado o novo Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio.
Em conformidade com o artigo 2º deste diploma, foi revogado o Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 39.672, de 20 de Maio de 1954, bem como 'a respectiva legislação complementar que se encontre em oposição às disposições do Código ora aprovado'
Ora, como tem sido afirmado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr. por todos os acórdãos nºs 608/95, 609/95 e 610/95, todos de 20 de Dezembro de 1995, ainda inéditos), da conjugação do artigo 2º do Decreto-Lei nº
124/90, com o artigo 87º do Código da Estrada, não decorre que tenham sido revogados os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 124/90: aquele, dispondo que se considera estar sob a influência do álcool o condutor que apresentar uma TAS, igual ou superior a 0,50 gr./l.; o artigo 2º, punindo com 'pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias, se pena mais grave não for aplicável', 'quem conduzir veículos, com ou sem motor, em via pública ou equiparada apresentando uma TAS igual ou superior a 1,20 gr./l.'.
Com efeito, estes dois artigos, bem como os artigos
4º, nº 2 e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 124/90, mantiveram-se em vigor, só vindo a ser revogados, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1995, pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que procedeu à revisão do Código Penal de 1982. [cfr. artigos 2º, alínea e), e 13º].
Tal revogação ficou a dever-se ao facto de o Código Penal ter previsto no artigo 292º o crime de 'condução de veículo em estado de embriaguez' nos termos do qual 'quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gr.,/l., é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal'.
Seria, de resto, irrazoável admitir que o legislador tivesse pretendido deixar de considerar crime numa conduta tão perigosa como é a condução de veículos por quem apresente uma TAS igual ou superior a 1,20 gr./l..
Aliás, a vigência dos artigos 1º, 2º, 4º, nºs 1 e 2 e
5º, alínea a), do Decreto-Lei nº 124/90 (e, portanto, a não derrogação de tais normativos pelo Código da Estrada, nomeadamente pelo seu artigo 87º, nº 2) foi, uniforme e repetidamente afirmada pela jurisprudência de todas as Relações [cfr. acórdãos das Relações de Coimbra, Lisboa, Porto e Évora, de, respectivamente, 9 de Novembro, 14 de Dezembro e 8 de Novembro de 1994, todos publicados na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX (1994), tomo I, pp. 60, 160, 262 e 290].
Há-de pois concluir-se, citando o acórdão nº 609/95, que se tem acompanhado de perto, 'que o artigo 87º, nº 2, do Código da Estrada deve ser interpretado no sentido de não ter implicado derrogação dos artigos 1º,
2º e 4º, nºs 1 e 2 alínea a), do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, mas antes no de apenas ter passado a punir como contraordenação as infracções que, naquele decreto-lei, constituiam contravenção'.
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3 - No entendimento do recorrente o artigo 135º do Código da Estrada deve ser considerada inconstitucional por violação do disposto no artigo 29º, nº 4, da Constituição.
Aquele preceito contém a seguinte formulação:
Artigo 135º
(legislação aplicável)
1 - As infracções às disposições deste Código e seus regulamentos têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituirem crimes, sendo então puníveis e processados nos termos gerais das leis penais.
2 - As contra-ordenações são puníveis e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adptações constantes deste Código.
A lógica argumentativa do recurso parte do pressuposto de que o regime sancionatório da condução sob influência do álcool passou a conter-se integralmente, após o início da vigência do novo Código da Estrada, neste diploma, não se ponderando que o Decreto-Lei nº 124/90, se manteve em vigor na parte respeitante ao crime de condução de veículos sob a influência do álcool com uma TAS igual ou superior a 1,20 gr./l., e à inibição da faculdade de conduzir daí decorrente.
Mas, como já se observou, semelhante entendimento não
é aceitável e daí que não assista razão ao recorrente quando suscitou a questão da inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição, pois que dela apenas resulta que as infracções às disposições ao Código da Estrada têm natureza de contra-ordenações, salvo se constituirem crimes, caso em que serão puníveis e processados nos termos gerais das leis penais.
Quer isto significar que as normas dos artigos 87º,
148º, alínea m) e 149º alínea i), do Código da Estrada se reportam a contra-ordenações e não já ao crime de condução sob influência do álcool tipificado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 124/90, que manteve a sua vigência até
à entrada em vigor do Código Penal revisto.
Inesxistindo assim entre entre estes dois diplomas, neste específico domínio, uma questão de sucessão de leis no tempo, há-de ter-se por improcedente a invocada violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição.
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4 - E, do mesmo modo, também não assiste razão ao recorrente no que toca a uma eventual inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 114/93, por força de utilização extemporânea da respectiva delegação legislativa.
É que, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr. por todos os acórdãos nºs 150/92 e 651/93, Diário da República, II Série, respectivamente, de 28 de Junho de 1992 e 31 de Março de 1994), a data relevante para o aferimento da duração da autorização legislativa, no que toca ao seu dies ad quem, é a da aprovação do diploma delegado em Conselho de Ministros e não a da sua publicação no Jornal Oficial.
Naquele primeiro acórdão definiram-se os fundamentos que têm suportado semelhante orientação jurisprudencial, nos termos seguintes:
'Por um lado, não constituindo a promulgação um acto da competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria.
Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão de prova em contrário).
Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo de autorização legislativa «existe» para o efeito de se considerar respeitado esse prazo, como «existe» qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas.'
Também a doutrina, de um modo geral, tem seguido idêntica orientação (cf. por todos, Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 476 e 477, e «Autorizações legislativas», Revista de Direito Público, ano I, º 2, 1980, p. 18; António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, versão policopiada, Lisboa, 1985, pp.
252 e segs.).
Este último autor (ob.loc.cit.) argumentou assim em defesa desta solução:
'Fica-nos, pois, como mais aceitável, a tese da utilização com a aprovação em Conselho de Ministros. Não só pelo paralelo que se pode estabelecer com a aprovação parlamentar (a lei considera-se definitivamente aprovada quando o parlamento vota o seu texto final em termos globais) mas também porque, sendo a autorização legislativa um instituto que assenta no relacionamento directo e especialmente vinculante entre o Parlamento e o Governo, um dado e concreto Governo, este cumpre o ónus que para ele decorre da lei de autorização com a aprovação do acto delegado, desonerando-se assim da incumbência que se lhe encontra cometida pela lei de delegação, cessando aí, nessa aprovação, a sua responsabilidade quanto à efectiva utilização da autorização conferida.'
Também agora se perfilha igual entendimento, em termos de se concluir que o acto relevante do iter legislativo, para o efeito de avaliar do uso atempado de uma autorização parlamentear há-de ser a data da aprovação do respectivo decreto-lei e não o da sua promulgação, referenda ou publicação. Ora, segundo este entendimento, não existe na situação sub judice a inconstitucionalidade orgânica reclamada pelo recorrente.
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5 - Já depois de ter sido proferido o acórdão recorrido, entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1995, o novo Código Penal revisto.
Este diploma contém, em abstracto, nos artigos 292º e
69º, respectivamente, um regime relativo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez e à pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis mais favorável ao arguido do que o que se continha nas pertinentes disposições do Decreto-Lei nº 124/90.
Assim sendo, em ordem à observância do princípio contido no artigo 29º, nº 4 , da Constituição, deverá a decisão recorrida reapreciar a factualidade dada como provada na perspectiva das alterações normativas que entretanto se verificaram.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 135º do Código da Estrada, sem prejuizo de, em conformidade com o disposto no artigo 29º, nº 4, da Constituição, e na decorrência da entrada em vigor do novo Código Penal revisto, a matéria a que se reporta o acórdão recorrido dever ser reapreciada à luz deste diploma legal.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 1996
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa