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Processo n.º 5/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
Vai indeferido o requerido a fls. 541/544, por extemporâneo (art.º 75.º da Lei n.º 28/82, de 15/11).
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
Vem a presente reclamação interposta do despacho supra melhor identificado e proferido nos autos e que indeferiu, por extemporâneo e invocando o artigo 75° da lei n.° 28/82 de 15/11, o recurso interposto pelo recorrente para este Tribunal Constitucional.
Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar com o acerto do assim decidido.
Ora, no âmbito dos autos acima identificados foi proferida sentença na Primeira Instância, datada de 29.10.2010, sentença esta que condenou o recorrente, como autor, pela prática de um crime de abuso contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107°, n.° 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na forma continuada, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6,50.
Inconformado com o assim decidido, desta sentença interpôs o recorrente o competente recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
O Tribunal da Relação de Coimbra, entretanto, pronunciando-se quanto àquele recurso assim interposto, profere acórdão datado de 21.06.2011, onde nega provimento ao dito recurso e mantém a decisão de Primeira Instância.
Este acórdão foi enviado ao recorrente por via postal registada, tendo como data de expedição do registo: 24.06.2011. Presume-se, por isso, tal acórdão notificado ao recorrente em 27.06.2011.
Do acórdão assim proferido pela Relação interpôs o recorrente, em 01.09.2011, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70°, n.° 1, b) da Lei do Tribunal Constitucional.
Foi então proferido o despacho ora reclamado.
Ora, o recurso interposto para este Venerando Tribunal foi-o em tempo.
Dispõe o artigo 70°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional que “Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”.
Mais diz, respetivamente, o n.° 3 e 4 do citado preceito que “São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despacho dos juízes relatores para a conferência”; “Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.° 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
Refere, depois, o artigo 75°, n.° 1 e 2 daquela mesma lei que, respetivamente, “O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.” “Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.”
Ora, da interpretação conjugada de todos estes preceitos resulta que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interpõe-se de decisões que não admitem recurso ordinário.
Quer parecer ao recorrente que o Tribunal da Relação, para o despacho que proferiu e de que ora se reclama, terá entendido que aquele prazo de 10 dias se contaria desde a notificação do acórdão que proferiu e datado de 21.06.2011.
Ora, a lógica do recurso interposto para o Tribunal Constitucional assenta num petitório dirigido a este Tribunal quando à análise de uma questão de constitucionalidade, ou melhor, quando à analise de um juízo de conformidade constitucional.
Ao Tribunal Constitucional não é pedido que se pronuncie, nem tal é admitido, quanto à conformidade constitucional de uma decisão concretamente proferida pelas instâncias inferiores.
Ou sei a, não lhe é pedido que analise a decisão proferida anteriormente por um tribunal, por forma a averiguar se tal decisão, no seu âmago, é ou não violadora de algum preceito constitucionalmente consagrado.
O Tribunal Constitucional não aprecia a legalidade ou constitucionalidade de uma decisão proferida por uma instância inferior.
Se tal fosse possível, o Tribunal Constitucional estaria a pronunciar-se sobre a adequação ou legalidade da decisão, proferida por uma instância inferior, usando dos mesmos mecanismos de controlo decisório de que dispõem aquelas instâncias superiores para apreciarem as decisões das instâncias recorridas.
Não é esta a tarefa do Tribunal Constitucional.
Se fosse esta a sua tarefa, o Tribunal Constitucional, ao pronunciar-se quanto a uma questão a si colocada em recurso, proferiria uma decisão que iria alterar em concreto a decisão proferida pelas instâncias inferiores, modificando-a.
E, mais uma vez repete-se, não é esta a tarefa do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional aprecia a conformidade constitucional de normas aplicadas, não se pronuncia quanto ao mérito do concreto circunstancialismo factual apurado nos autos ou se a instância inferior apreciou ou não corretamente aquele circunstancialismo.
Daí que o recurso para o Tribunal Constitucional apenas caiba de decisões que não admitam recurso ordinário, já que o seu papel não é proferir uma decisão de mérito que modifique o sentenciado pela instância inferior.
O papel do Tribunal Constitucional é ajuizar da constitucionalidade de normas, se as normas aplicadas são ou não suscetíveis de ferir preceitos constitucionais.
Não cabe ao Tribunal Constitucional interpretar o direito ordinário ou sindicar a bondade da aplicação ou interpretação feitas pelas instâncias inferiores no plano do direito infra constitucional.
Ora, como a tarefa do Tribunal Constitucional não é aferir do mérito de uma decisão ditada quanto a uma relação controvertida e que sopesou as versões dicotómicas dos factos que lhe foram apresentadas pelas partes litigantes, por isso se estipulou nos preceitos supra citados que o recurso para este Tribunal apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, precisamente porque a última consideração ou avaliação quanto ao mérito das relações controvertidas trazidas a lide cabe ao tribunal ordinário e a este deve ser dada a oportunidade para ter esta última palavra quanto ao mérito da questão que lhe é colocada, por forma a que o Tribunal Constitucional, quando o recurso lhe é apresentado, já se debruce sobre um dado adquirido, definitivo e estabilizado.
É certo que a decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal Constitucional, a merecerem provimento os recursos para si interpostos, implica uma modificação na realidade, mas essa realidade situa-se no plano constitucional.
Porque assim é, então o prazo de 10 dias referido no artigo 75° da Lei do Tribunal Constitucional conta-se a partir do momento em que a instância inferior não pode mais pronunciar-se quanto ao mérito da questão controvertida nos autos.
Esse momento, em que as instâncias inferiores não podem mais pronunciar-se, é quando a decisão se consolida definitivamente, ou sei a, quando não admite mais recurso ou reclamação.
No caso concreto, tendo em conta que o Tribunal da Relação confirmou a sentença de P instância, aplicando uma pena de multa (pena não privativa da liberdade) ao recorrente, entende-se, ao abrigo do disposto no artigo 400° do C.P.P., que se trata de uma decisão que não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não estando na disponibilidade do recorrente interpor, assim, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restava-lhe ainda a hipótese apresentar reclamação, pedido de esclarecimento, reforma/retificação ou arguir alguma irregularidade ou nulidade do acórdão perante o próprio tribunal que o proferiu, o Tribunal da Relação.
Dispunha para isso o recorrente do prazo geral de 10 dias (artigo 105° C.P.P.).
Só decorrido aquele prazo é que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação se tornaria consolidada e estável, e só após começaria então a correr o prazo de 10 dias previsto no artigo 75° da Lei do Tribunal Constitucional.
Foi isto que aconteceu nos presentes autos, ou seja, decorrido o prazo em que já não era mais possível apresentar reclamação, pedido de esclarecimento, reforma/retificação ou arguir alguma irregularidade ou nulidade perante o Tribunal da Relação, é que começou a correr o prazo para ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
Concretizando: o acórdão datado de 21.06.2011 e proferido pelo Tribunal da Relação foi notificado ao recorrente em 27.06.2011; dispunha então o recorrente do prazo de 10 dias para apresentar reclamação, pedido de esclarecimento, reforma/retificação ou arguir alguma irregularidade ou nulidade perante este tribunal; este prazo terminava em 07.07.2011; começou a correr de seguida o prazo de 10 dias para ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional; este prazo terminava em 02.09.2011.
Pelo que, o recurso interposto para este Tribunal Constitucional pelo recorrente é tempestivo.
Só esta conclusão faz sentido e garante o direito de acesso aos tribunais e à justiça.
Por uma questão de coerência, esta é a única conclusão a alcançar nos autos, tendo em conta o que também se dispõe no artigo 75°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
Este preceito ilustra o caso em que, tendo sido proferida sentença/acórdão dos quais não é admissível recurso (por a lei não o prever ou por terem sido esgotados os recursos que no caso cabiam) o recorrente interpõe, dentro do respetivo prazo de que disporia para o efeito, recurso ordinário de tais decisões e esse tal recurso vem a não ser admitido com fundamento na sua irrecorribilidade, e depois só a partir do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso é que começa a contar o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional.
Ou seja, só apôs o trânsito em julgado da decisão que não admite o recurso ordinário, com fundamento na sua irrecorribilidade, é que começa a correr o prazo para o recurso para o Tribunal Constitucional.
Portanto, mesmo numa situação como a retratada, em que se recorre de uma decisão que não admite recurso, o recorrente disporia de um prazo mais alargado para recorrer para o Tribunal Constitucional, porque se espera pelo trânsito em julgado da decisão que não admite o recurso.
Será caso para perguntar: mesmo estando perante uma decisão irrecorrível, deverá o recorrente interpor recurso ordinário, para assim beneficiar de um prazo mais dilatado de recurso e que lhe é concedido no artigo 75°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional?
Se se espera pelo trânsito em definitivo da decisão que não admite o recurso retratado no artigo 75°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional, por maioria de razão se deverá esperar pelo decurso do prazo supletivo de 10 dias (artigo 105° CPP) para a eventualidade de se apresentar reclamação, pedido de esclarecimento, reforma/retificação ou arguir alguma irregularidade ou nulidade de decisão, perante o tribunal que a proferiu e de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, pois só com o decurso de tal prazo é que tal decisão de torna definitiva e consolidada, por forma a que, o Tribunal Constitucional, quando é confrontado com o pedido de avaliação de conformidade constitucional, já se vá debruçar sobre uma realidade estabilizada, definitiva.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
A., arguido/recorrente nos autos à margem identificados, notificado do acórdão proferido nos mesmos e datado de 21 de junho de 2011, não se conformando com o seu teor, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz ao abrigo do disposto no artigo 70°, n.° 1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de novembro e posteriores alterações.
O ora recorrente, e em conformidade com os ditames do preceituado no artigo 75°?A da referida Lei do Tribunal Constitucional, pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade da interpretação de que o limite de € 7.500,00 a que alude o n.° 1 do artigo 105° do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 113.° da Lei n.° 64?A/2008, de 31 de dezembro, não aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107° do RGIT, interpretação esta que constitui uma violação a direitos, princípios e garantias constitucionalmente consagrados, como sejam o princípio da igualdade, o princípio da carência da tutela penal (dignidade penal) e o princípio da proporcionalidade, plasmados nos artigos 13° e 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, questões suscitadas aquando a interposição de recurso de apelação e apresentação da respetiva motivação para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso este interposto da sentença proferida em 1ª instância e datada de 29.10.2010, onde também foi abordada a questão.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional, com fundamento em extemporaneidade.
Na reclamação ora apresentada o reclamante vem sustentar que assim não é, argumentando, em síntese, que o prazo de dez dias de interposição do recurso para o Tribunal, apenas se inicia com o trânsito em julgado da decisão recorrida e que, no caso concreto, este ainda não se tinha verificado, uma vez que ao recorrente restava ainda a hipótese de apresentar reclamação, pedido de esclarecimento, reforma/retificação ou arguir alguma irregularidade ou nulidade do acórdão perante o próprio tribunal que o proferiu.
Não tem razão o reclamante.
Sem prejuízo do efeito suspensivo ou interruptivo que eventuais incidentes pós-decisórios (pedido de retificação; pedido de aclaração ou reforma ou arguição de nulidade do acórdão) sobre ele possam produzir, o prazo, de dez dias, de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, conta-se a partir da data da notificação da decisão recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º da LTC.
Tendo sido expedida a notificação do acórdão recorrido em 24.06.2011, e presumindo-se a mesma feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, deve entender-se que a notificação foi consumada em 27.06.2011, iniciando-se em 28.06.2011 a contagem do prazo, de dez dias, para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, prazo esse que terminou em 07.07.2011, pelo que é manifestamente extemporâneo o recurso interposto pelo ora reclamante para o Tribunal Constitucional, através de requerimento expedido em 01.09.2011.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.