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Proc. nº 329/94
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal
Constitucional:
I
O A., instituto público personalizado, com
sede na Avenida --------- nº -------------, em Lisboa, apresentou, em 19 de
Novembro de 1990, queixa-crime na Polícia Judiciária contra B., casado, com
domicílio profissional na Avenida ----------------, em Lisboa, e outras pessoas
de identidade desconhecida, imputando-lhes a prática de um crime de difamação
previsto e punido nos termos do art. 164º do Código Penal, agravado nos termos
do art. 167º do mesmo diploma legal, em virtude de terem difundido, ao longo do
dia 12 de Outubro do mesmo ano, um comunicado da Direcção da rádio C., através
da leitura repetida aos microfones daquela estação de radiodifusão, em que
aquele instituto público e os seus serviços de fiscalização eram acusados de
falta de isenção, ao levarem a cabo buscas nas instalações destinadas a
averiguar a potência de emissão radiada da mesma C., por haver suspeitas de que
tal potência era superior ao limite legal, afirmando-se no mesmo comunicado que
o queixoso aparecia como instrumento ao serviço de 'objectivos não confessáveis
mas perceptíveis em variadas ocasiões deste processo', tendo-se convertido 'num
esquadrão de péssima reputação, que faz das «sortidas nocturnas» o seu negócio
fundamental'.
Foi instaurado inquérito, tendo-se o instituto
público queixoso constituído assistente nos autos.
Em 1 de Julho de 1992, na sequência de
notificação para o efeito, determinada, pelo Ministério Público, veio o
instituto queixoso deduzir acusação particular apenas contra o referido B..
Fê-lo no prazo de cinco dias indicado nessa notificação. O Ministério Público
acompanhou a acusação do ofendido.
Foi requerida a abertura de instrução pelo
arguido, tendo sido praticadas, depois, várias diligências instrutórias. A
acusação foi recebida pelo Juiz de Instrução Criminal de Lisboa.
Remetido o processo ao 4º Juízo do Tribunal
Criminal de Lisboa, veio a realizar-se o julgamento em 19 de Novembro de 1993.
Na sentença final, foi suscitada oficiosamente a questão prévia de não
conhecimento do mérito da causa, porquanto, tratando-se de um crime particular,
teria o assistente de ter deduzido a acusação num prazo mais curto do que o
prazo previsto no Código de Processo Penal, visto tratar-se de um crime de
imprensa. Ora, no caso concreto, o assistente tinha deduzido a acusação fora de
prazo de três dias, imposto pela referida lei, tendo perdido o direito de o
fazer, como se decidira no assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/92,
publicado na 1ª Série-A do Diário da República de 24 de Dezembro de 1992. Foi,
por isso, decidido não conhecer do mérito da causa, ordenando-se na sentença o
oportuno arquivamento dos autos.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs
recurso o instituto público queixoso. Na respectiva motivação, suscitou o
recorrente, entre outras, a questão de inconstitucionalidade do art. 1º do
Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro - disposição através da qual foi
alterada a redacção dos nºs 2 e 3 do art. 52º do Decreto-Lei nº 85-C/75 (Lei de
Imprensa) - por ter havido, alegadamente, excesso do diploma autorizado
relativamente à lei de autorização legislativa (Lei nº 88/88, de 4 de Agosto). O
recurso não foi, porém, admitido, por extemporaneidade, dado o juiz a quo ter
considerado que o prazo para recorrer era de metade do prazo - regra previsto no
Código de Processo Penal (despacho de fls. 174 vº).
Interposta reclamação, nos termos do art. 405º
do Código de Processo Penal, para o Presidente da Relação de Lisboa, veio este a
julgá-la procedente, determinando que fosse admitido o recurso.
No Tribunal da Relação de Lisboa, o
representante do Ministério Público sustentou no seu visto que o recurso tinha
sido extemporaneamente admitido, tal como negou que o diploma impugnado pelo
recorrente estivesse afectado de inconstitucionalidade.
Através de acórdão de 18 de Maio de 1994, a
Relação de Lisboa absteve-se de conhecer do objecto do recurso, por considerar
procedente a questão prévia de extemporaneidade do recurso. Igualmente decidiu
que o art. 1º do Decreto-Lei nº 377/88 não estava afectado de
inconstitucionalidade.
Sobre esta questão de constitucionalidade,
afirmou-se no acórdão referido:
'A Lei (de autorização ao Governo para rever o processo judicial para crimes de
imprensa) nº 88/88, surge, assim, na sequência da entrada em vigor do CPP 87,
como providência necessária à introdução das adaptações exigidas pela entrada em
vigor do novo regime processual penal na Lei de Imprensa a que já aludia aquele
nº 2, art. 6º da Lei 43/86. Gerou-se assim entre ambos os diplomas de
autorização uma relação de antecedente para consequente, não despicienda.
A Lei 88/88 fixa, pois, o regime de «autorização ao Governo para
rever o processo judicial para crimes de imprensa», assim:
[...] «A revisão implicará a modificação ou a revogação das
disposições que não se mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo
Código de Processo Penal, sem prejuízo da manutenção daquelas que visem garantir
o interesse da celeridade processual, próprio da regulamentação do exercício da
acção penal pelos crimes de imprensa»: - é isso que preceitua o seu art. 2º e
nisso consiste a índole e o sentido da autorização legislativa (nº 2, art. 168º
CRP), com aquela ressalva.
«Em harmonia com os critérios referidos no artigo anterior, serão
revogados os artigos 38º, 39º, 43º e 49º do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de
Fevereiro, bem como o artigo único da Lei nº 13/78, de 21 de Março, e será dada
nova redacção aos artigos 36º, 37º, 51, 52º e 68º daquele primeiro diploma» - é
isso que preceitua o seu art. 3º e nisso consiste a extensão da respectiva
autorização (nº 2, art. 168º CRP) [...].
A razão para encurtar em metade os prazos normais já se encontra,
obviamente, na lei de autorização, se se ponderar a sua índole, objecto, sentido
e extensão [...].
Por força da ponderação desse grau de exigência, consignada na
autorização legislativa, sentiu-se o legislador do DL 377/88 obrigado o honrar o
particular interesse da celeridade processual estabelecendo o encurtamento dos
prazos no tipo de processo por crime de imprensa. É que, precisamente, por essa
via e em termos razoáveis, se aproximou mais esse processo da exigência de
celeridade processual requerida pelos valores de dignidade da pessoa humana que
nele se jogam [...].
Na verdade, o grau de exigência da celeridade processual, aqui
patenteada em processo urgente, como é este por crime de imprensa, implicou,
inevitavelmente, o encurtamento do prazo normal em termos razoáveis. Foi esse
imperativo por que o legislador se norteou em ordem a operar a modificação do nº
2, art. 52º do DL 85-C/75, compatibilizando-o assim não só com a própria
natureza urgente do processo por crime de imprensa mas também com a evolução do
processo normal consagrado no Código de Processo Penal.' (a fls. 197 a 199 dos
autos)
No mesmo acórdão citou-se, em abono da tese da
não inconstitucionalidade, a jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional
(acórdãos nºs 186/92 e 133/92, que versaram o encurtamento dos prazos nos
tribunais superiores na anterior versão da Lei de Imprensa e a eliminação da
instrução contraditória nos processos respeitantes a crimes de imprensa,
respectivamente, mostrando-se que a constitucionalidade da eliminação da
instrução contraditória funcionava mesmo como argumento a fortiori). E concluiu
o mesmo acórdão:
'[...] De qualquer forma, quando assim foi desde cedo (cfr. Acórdão nº 434/88
TC, de 4.11.87, in B. 371/160, que declarou a constitucionalidade do nº 1, art.
52º), em matéria tão sensível para os direitos de defesa da dignidade jurídica,
seja do ofendido ou arguido, mostra-se, de somenos, a redução moderada e
proporcionada dos prazos dos actos em ordem a tornar célere processo urgente por
crime de imprensa'. (fls. 199 vº)
2. Notificado deste acórdão, veio o recorrente
Instituto da Comunicações de Portugal interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82,
indicando como objecto desse recurso a nova redacção dos nºs 2 e 3 do art. 52º
do Decreto-Lei nº 85-C/75, introduzida pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 377/88,
considerando-se inconstitucionais tais normas por violação do disposto no art.
168º, nº 1, alínea c), da Constituição.
O recurso foi admitido por despacho de fls.
203, proferido em 9 de Junho de 1994.
3. Subiram os autos ao Tribunal
Constitucional.
Nas suas alegações, o recorrente formulou as
seguintes conclusões:
'1ª - A Lei 88/88 concedeu poderes ao Governo para adaptar o Dec. Lei nº 85-C/75
ao novo Código de Processo Penal.
2ª - Como limite à adaptação pretendida a Lei nº 88/88 dispôs a manutenção das
normas relativas à celeridade processual.
3ª - Não constituía objecto da autorização legislativa a alteração do Dec.Lei
nº 85-C/75 para efeito de aumento da celeridade processual dos processos
relativos a crimes de imprensa.
4ª - Nem o elemento histórico nem o elemento sistemático permitem a
interpretação extensiva da Lei nº 88/88 no sentido de se entender permitir à
mesma a alteração do Dec.Lei nº 85-C/75 para além do exigido pela sua adaptação
ao novo Código de Processo Penal.
5ª - O Dec. Lei nº 377/88, de 24.10, ao alterar os nºs 2 e 3 do art. 52º do
Dec.Lei nº 85-C/75 reduzindo a metade qualquer prazo constante do Código [de]
Processo Penal inovou em matéria de prazos.
6ª - A inovação supra referida foi em sentido contrário ao da adaptação do
Dec-Lei nº 85-C/75 ao Código [de] Processo Penal.
7ª - A invocação introduzida não era necessária para efeitos de manutenção da
celeridade dos processos por crime de imprensa.
8ª - Os nºs 2 e 3 do art. 52º do Dec.Lei nº 85-C/75, na redacção que lhes foi
dada pelo Dec.Lei nº 377/88, de 24.10, sofrem de vício de inconstitucionalidade
orgânica por violação do disposto na al. c) do art. 168º da Constituição'. (a
fls. 211).
O recorrido, por seu turno, propugnou pela
manutenção do acórdão recorrido, no que toca à resolução da questão de
constitucionalidade, formulando as seguintes conclusões:
'A. Um dos objectivos fundamentais que presidiram à revisão do Código do
Processo Penal foi o de garantir uma maior celeridade do processo sem que daí
resultasse diminuição das garantias de defesa dos arguidos.
B. A principal razão de ser da Lei de Autorização nº 88/88 residiu na
necessidade de adaptação da Lei de Imprensa às exigências do novo Código do
Processo Penal de modo a que se não pusesse em causa as especiais exigências de
celeridade processual decorrentes da natureza peculiar dos delitos de imprensa.
C. Ao invocar a matéria contida na nova redacção do nº 2 do art. 52º do Dec. Lei
85-C/75, limitou-se o Governo a dar execução ao objectivo fixado na lei de
autorização consistente em salvaguardar a celeridade dos processos relativos a
delitos de imprensa, garantindo, ainda, uma maior celeridade sem que, com isso,
resultassem minimamente beliscadas as garantias fundamentais de defesa dos
arguidos.
D. A redacção da ressalva constante do art. 2º da Lei 88/88, longe de constituir
a imposição de um limite à acção do Governo na execução da autorização
legislativa, só pode ser entendida como a definição de um objectivo que norteará
tal execução: o de, em caso algum, poder o Governo derrogar preceitos que
visassem garantir o interesse da celeridade processual.
E. Por outras palavras, só teria o Governo excedido ou contrariado a autorização
que lhe foi conferida se, no concreto, tivesse legislado em termos tais que, daí
resultasse uma maior morosidade dos processos relativos a crimes de imprensa.
F. Ao afirmar que a inovação introduzida não era necessária para efeitos de
manutenção da celeridade dos processos por crime de imprensa está o recorrente
a forçar a interpretação única e possível da intenção que presidiu à lei da
autorização que foi, apenas, a de garantir que tal celeridade não fosse, em caso
algum, posta em causa.
G. A interpretação de uma frase ínsita num determinado texto legal, nomeadamente
no texto de uma lei de autorização, desgarrada do respectivo contexto, não pode
levar à conclusão absurda de que, pretendendo a A.R. que a celeridade dos
processos relativos a crimes de imprensa não pudesse ser prejudicada, ficasse o
Governo impedido de legislar em termos de garantir uma anda maior celeridade,
ressalvada sempre a intangibilidade das garantias de defesa do arguido.
H. Não houve, assim, na criação do dispositivo em análise, qualquer violação do
disposto na al. c) do art. 168º da Constituição, pelo que ao recurso interposto
deve ser negado o pretendido provimento'. (a fls. 206 a 207 dos autos)
4. Foram corridos os vistos legais.
Põe não haver motivos que a tal obstem, passa
a conhecer-se do objecto do recurso.
II
5. Constitui objecto do presente recurso de
constitucionalidade a questão de constitucionalidade do art. 1º do Decreto-Lei
nº 377/88, de 24 de Outubro. na parte em que introduziu a nova redacção do nº 2
do art. 52º da Lei de Imprensa (Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro),
apenas no que toca ao prazo de interposição de recurso de decisão de primeira
instância.
Deve notar-se que este artigo 52º foi revogado
pelo art. 4º da Lei nº 15/95, de 25 de Maio, mas tal revogação não afecta o
interesse no connhecimento do presente recurso.
Transcreve-se essa nova redacção de todo o
art. 52º referido:
'1 - Os processos por crimes de imprensa têm natureza urgente, ainda que não
haja arguidos presos.
2 - A natureza urgente dos processos por crimes de imprensa implica a redução a
metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal, salvo se este for
de 24 horas, sem prejuízo da execução imediata de ordem, despacho ou diligência
quando a lei ou a autoridade competente assim o determinarem.
3 - Os prazos serão, no entanto, de dois meses para o inquérito e de um mês para
a instrução, caso seja requerida.'
De facto, não obstante o recorrente impugnar
aquele art. 1º, na parte em que concedeu nova redacção aos nºs 2 e 3 daquele
art. 52º da Lei de Imprensa, o acórdão recorrido só aplicou o nº 2 desse artigo,
norma que prevê o encurtamento de todos os prazos previstos no Código de
Processo Penal, salvo se se tratar de um prazo de 24 horas, e relativamente
apenas ao encurtamento para metade do prazo de interposição do recurso e de
apresentação da respectiva motivação.
6. Para apreciar cabalmente a questão de
constitucionalidade que está posta ao Tribunal Constitucional, valerá a pena
historiar brevemente as circunstâncias em que foi publicado o Decreto-Lei nº
377/88.
Na versão originária da Lei de Imprensa
(Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro) o seu art. 52º estabelecia a regra
geral da celeridade processual em matéria de processo penal instaurado pela
prática de crimes de liberdade de imprensa:
'Os processos por crime de imprensa, mesmo que não haja réu preso, terão
natureza urgente, com prioridade sobre todos os demais processos, ainda que
urgentes'.
No capítulo IV da Lei de Imprensa - capítulo onde
se integra o transcrito art. 52º - a matéria de recursos das decisões dos
tribunais criminais achava-se regulada no art. 49º: a sentença condenatória ou
absolutória era recorrível nos termos gerais, devendo o recurso ser interposto,
instruído e minutado conforme os artigos 645º e seguintes do Código de Processo
Penal de 1929, ressalvadas as especialidades deste diploma (nº 1). Por força
deste número - não contrariado pela regulamentação dos números subsequentes - o
prazo para interpor recurso era de cinco dias a contar daquele em que foi
publicado o despacho ou sentença (art. 651º CPP 1929), processando-se o recurso
como agravo cível (art. 649º CPP 1929), devendo as alegações ser apresentadas no
prazo de oito dias subsequente à notificação do despacho de admissão (art. 743º,
nº 1, do Código de Processo Civil; veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 6 de Julho de 1988, abaixo citado).
Segundo o nº 2 do art. 49º da versão originária
da Lei de imprensa, '[o] prazo para recebimento ou rejeição do recurso e para a
prática dos actos da secretaria é de vinte e quatro horas, sendo de três dias o
do oficial de diligências para realizar notificações, se outro lhe não for
determinado por despacho'. Por outro lado, o nº 3 do mesmo art. 49º impunha a
redução a metade dos prazos estabelecidos na lei geral nos tribunais superiores,
estabelecendo que nenhum prazo desses seria inferior a 48 horas, quando não
estivessem previstos na lei geral prazos de menor duração (Sobre o nº 3 deste
art. 49º veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 1988,
in Colectânea de Jurisprudência, ano XIII-1988, IV, págs. 7 e segs).
Ainda antes da Constituição de 1976, o legislador
alterou a Lei de Imprensa, através do Decreto-Lei nº 181/76, de 9 de Março. No
preâmbulo deste diploma informava-se que, não obstante 'o carácter urgente
atribuídos aos processos crimes de imprensa pela Lei de Imprensa', vários
expedientes dilatórios tinham impedido a ultimação desses processos 'com a
prontidão desejada', o que não poderia continuar a ser permitido. Além disso,
importava adaptar o texto da lei de imprensa a uma alteração de lei processual
penal (Decreto-Lei nº 605/75 de 3 de Novembro). Assim, passavam as acções penais
por crimes de imprensa a seguir a tramitação do processo correccional. O
processo correccional passou a aplicar-se também aos casos em que se aplicava o
entretanto extinto processo de polícia correccional - (art. 37º), mantendo-se o
inquérito (art. 39º), mas eliminando-se a instrução contraditória (art. 52º, nº
1). Ao art. 52º foram aditados dois novos números contendo medidas de aceleração
processual em matéria de prazos:
'2. Os prazos para despachos, promoções, termos e mandados são os previstos na
legislação processual penal para processos com réus presos.
3. Concluído o inquérito ou a instrução, os autos serão remetidos directamente
ao tribunal competente para julgamento'.
Depois a Lei nº 13/78, de 21 de Março, aditou
um nº 4 ao mesmo art. 52º da Lei de Imprensa, determinando que nestes processos
não eram aplicáveis os arts. 55º a 58º e 60º do Código de Processo Penal (de
1929): regras de competência em casos de acumulação de infracções, de
comparticipação, de infracções recíprocas ou simultâneas, de infracções que são
causa ou efeito umas das outras e, por último, de infracções da responsabilidade
só de alguns réus e praticados em comarcas diversas.
7. A substituição do velho Código de 1929 por
um novo Código de Processo Penal teve, como é evidente, reflexos nas disposições
de natureza processual da Lei de Imprensa.
A Lei nº 43/86, de 26 de Setembro - lei de
autorização legislativa do novo Código de Processo penal - estabeleceu no nº 2
do seu art. 6º que seriam igualmente tomadas medidas de alteração à lei de
Imprensa, contendo providências necessárias à introdução das adaptações exigidas
pela entrada em vigor do novo regime processual penal.
Assim, o Governo apresentou em 1987 uma
proposta de lei de autorização para alteração da Lei de Imprensa (Proposta de
Lei nº 20/V, aprovada em 3 de Dezembro de 1987, publicada no Diário da
Assembleia da República, II Série, nº 30, de 17 de Dezembro de 1987),
explicando-se no seu preâmbulo os objectivos visados pela futura alteração
legislativa. Especificamente sobre a aceleração processual, diz-se aí:
'Manter-se-á o princípio da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e
legislação complementar para o exercício da acção penal pelos crimes de
imprensa, sem prejuízo de algumas normas especiais que, neste domínio,
tradicionalmente vêm sendo consagradas na legislação portuguesa e que ponderosas
razões de política criminal justificam. Limitam-se, porém, ao mínimo essas
normas especiais, já que o novo Código dá satisfação, em grande parte, aos
interesses que as têm determinado.
Entre as normas especiais que devem manter-se contam-se as que
visam assegurar o interesse da celeridade processual, em termos mais acentuados
do que no processo penal comum.
É geralmente reconhecida a importância extrema do factor tempo na
reparação das ofensas cometidas através da imprensa, pois que uma grande
distinção temporal entre o momento da prática do facto e o da sentença comporta
graves inconvenientes, não só para os ofendidos como para os próprios agentes,
para a colectividade em geral, diluindo, quando não anulando, os efeitos de
prevenção geral e especial comuns a toda e qualquer infracção criminal.
Devem ser modificadas ou revogadas as disposições da Lei de
Imprensa que se afigurem inúteis ou redundantes face à regulamentação do novo
Código de Processo Penal como é o caso do nº 1 do artigo 36º, e dos artigos 37º,
38º, 43º e 49º e do nº 4 do artigo 52º [...].
A revogação do artigo 49º (regime de recursos) impõe-se face à
regulamentação destes na nova lei processual penal, em que estão assegurados os
interesses na celeridade na tramitação [...].
As modificações relativas aos artigos 52º e 68º justificam-se
essencialmente por razões de adaptação à terminologia da nova lei processual
penal e por ter sido excluído deste o processo de ausentes. Sem prejuízo de se
estabelecer o encurtamento dos prazos normais da lei geral, assim se louvando o
particular interesse da celeridade processual, em termos que se afiguram
razoáveis.'
No debate parlamentar desta proposta de lei,
vários Deputados de partidos da oposição queixaram-se do carácter vago dos
artigos dessa proposta e da circunstância de o texto da proposta não ser
acompanhado do articulado do projecto de diploma autorizado. O Secretário de
Estado Adjunto do Ministro da Justiça negou nesse debate que os artigos da
proposta de lei de autorização legislativa fossem vagos, afirmando que o
critério que havia presidido 'às alterações ora propostas foi o de conciliar as
especificidades do processo por crimes de imprensa com os princípios de
celeridade processual, uma das grandes opções que a nova legislação veio
imprimir ao novo ordenamento jurídico' (in Diário da Assembleia da República, I
Série, nº 57, de 2 de Março de 1988, pág. 1987). E, mais à frente, o mesmo
membro do Governo apontava para os traços mais marcantes da iniciativa:
'alteração das regras de competência territorial; adopção de uma única forma de
processo face à extinção do processo correccional; regime próprio da denúncia;
simplificação e aceleração processuais; carácter urgente deste tipo de processo,
mesmo na situação de não haver réus presos; redução de prazos; introdução de um
preceito na linha da doutrina consagrada no artigo 170º do Código Penal, o qual
permite a efectivação de pedir esclarecimentos em juízo' (ibidem).
8. Na sequência do debate parlamentar
referido, foi aprovada a Lei nº 88/88, de 4 de Agosto, lei de autorização
legislativa para o Governo rever o Capítulo IV é o artigo 68º da Lei de
Imprensa 'em ordem a introduzir as adaptações exigidas pela entrada em vigor do
novo Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de
Fevereiro. e legislação complementar' (art. 1º).
Os arts. 2º e 3º desta Lei nº 88/88 dispõem
como segue:
Artigo 2º - 'A revisão implicará a modificação ou a revogação das disposições
que não se mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo Código de
Processo Penal, sem prejuízo da manutenção daquelas que visem garantir o
interesse de celeridade processual, própria da regulamentação do exercício da
acção penal pelos crimes de imprensa'.
Artigo 3º - 'Em harmonia com os critérios referidos no artigo anterior, serão
revogados os artigos 38º, 39º, 43º e 49º do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de
Fevereiro, bem como o artigo único da Lei nº 13/78, de 21 de Março, e será dada
nova redacção aos artigos 36º, 37º, 51º, 52º e 68º daquele primeiro diploma.'
Da sequência desta lei de autorização
legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro.
Do preâmbulo do diploma retira-se que o
legislador autorizado pretendeu adaptar a Lei de Imprensa ao novo Código de
Processo Penal. Lê-se aí:
'Mantém-se o princípio da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e
legislação complementar para o exercício da acção penal pelos crimes de
imprensa, sem prejuízo de algumas normas especiais que, neste domínio,
tradicionalmente vêm sendo consagradas na legislação portuguesa e que ponderosas
razões de política criminal justificam. Limitam-se, porém, ao mínimo essas
normas especiais, já que o novo Código dá satisfação, em grande parte, aos
interesses que as têm determinado. A particular natureza dos crimes de imprensa
aconselha, contudo, a que ao seu julgamento não seja aplicável a forma de
processo sumário.
Entre as normas especiais que devem manter-se contam-se as que
visam assegurar o interesse da celeridade processual, em termos mais acentuados
do que no processo penal comum.'
Cotejando o preâmbulo do Decreto-Lei nº 377/88
com a nota preambular da Proposta de Lei nº 20/V, atrás transcrita, alcança-se a
extraordinária semelhança da formulação de ambos os textos legislativos.
9. Analisando exclusivamente a questão de
constitucionalidade que está posta ao Tribunal Constitucional, logo se alcança
que o legislador autorizado pretendeu manter intocado o prazo de interposição do
recurso da decisão de primeira instância.
De facto, no domínio da redacção originária da
Lei de Imprensa a remissão feita pelo art. 49º, nº 1, para os arts. 645º e
seguintes do CPP 1929 implicava que, como vimos, o recurso tivesse de ser
interposto no prazo de cinco dias (art. 651º CPP 1929).
A partir do Decreto-Lei nº 377/88, o nº 2 do
art. 52º da Lei de Imprensa mantém como prazo de interposição de recurso o de
cinco dias, metade do prazo-regra constante do art. 411º, nº 1, do CPP 1987 (dez
dias).
Não há, assim, encurtamento do prazo anterior.
Mantém-se o prazo.
A única diferença substancial - e que não é
despicienda - decorre da modificação de tramitação dos recursos no novo Código
de Processo Penal. Enquanto que, no CPP 1929, se seguia o modelo do agravo em
processo civil, isto é, um sistema bipartido, em que as alegações não eram
apresentadas no requerimento de interposição do recurso, mas apenas após a
notificação do despacho de admissão do recurso, no CPP 1987 a motivação do
recurso (correspondente às antigas alegações) tem de acompanhar o requerimento
de interposição ou, pelo menos, ser apresentada no prazo de interposição do
recurso (nº 3 do art. 411º CPP 1987 - cfr. Germano Marques da Silva, Curso de
Processo Penal, III, Lisboa, 1994, págs. 331 e segs).
10. Esta longa explicação destina-se a situar
devidamente a alteração de 1988 e a demonstrar a improcedência da tese do
recorrente que visa contrariar a fundamentação do acórdão recorrido e a
constante do acórdão nº 163/93 da 1ª Secção do Tribunal Constitucional, texto
ainda inédito (além deste acórdão e no mesmo sentido veja-se o recente acórdão
nº 49/95, também inédito).
Assim, à pergunta formulada pelo recorrente
sobre se o texto do nº 2 do art. 52º do Dec. Lei nº 85-C/75 se mostrava
'desajustado aos princípios e soluções consagrados no novo Código' (a fls. 197
dos autos), haverá que reconhecer neste particular que o prazo de interposição
do recurso passou a ser mais longo no Código de Processo Penal de 1987, embora a
tramitação do recurso unitário seja mais expedita, por se unirem, em princípio,
no mesmo acto processual a declaração da vontade de recorrer e a motivação do
recurso.
Afigura-se que a interpretação acolhida pelo
legislador autorizado, do sentido dos arts. 2º e 3º da Lei de autorização
legislativa nesta questão concreta - única que se aborda, dado o objecto do
recurso atrás delimitado - não é abusiva, nem excede os limites da autorização:
mantém-se o prazo de interposição do recurso, embora seja desconsiderado o ganho
de tempo decorrente de alteração de tramitação do recurso unitário, nos termos
apontados. Pode censurar-se ao legislador a opção por um certo prazo em
detrimento do regime global. Mas tal censura não pode acarretar o juízo de
excesso do diploma autorizado sobre a lei de autorização.
Não há, assim, o risco de que a doutrina
acolhida no citado acórdão nº 163/93 permita a abertura de porta 'como se diante
de uma «caixa de Pandora» nos encontrássemos!' (formulação sugestiva das
alegações do recorrente, a fls. 199).
No caso sub iudicio não há inovação, mas
manutenção de um prazo decorrente da lei anterior, sendo o sentido da lei de
autorização respeitado pelo legislador autorizado (sobre os requisitos das leis
de autorização legislativa veja-se, por todos, o acórdão nº 358/92 do Tribunal
Constitucional, in Diário da República, I Série - A, nº 21, de 26 de Janeiro de
1992).
Tão-pouco se pode dizer que o sentido de
manutenção das soluções em vigor devia ser entendido, à luz do elemento
sistemático de interpretação, como estando referenciado tão-somente à situação
dos réus presos em processo penal. Os elementos históricos atrás referidos
apontam em sentido diverso, e o próprio elemento sistemático ilumina a
referência à ressalva da 'manutenção daquelas [disposições] que visem garantir o
interesse da celeridade processual própria da regulamentação do exercício da
acção penal pelos crimes de imprensa.' (art. 2º da Lei nº 88/88).
Por último, pôr-se-á em destaque que as
considerações feitas valem exclusivamente para o caso dos autos - interposição
do recurso da sentença de primeira instância - não tendo o Tribunal
Constitucional que averiguar se o legislador autorizado terá ou não obedecido em
todos os casos ao disposto na lei de autorização legislativa. Por isso, não pode
o Tribunal pronunciar-se sobre a hipótese formulada pelo recorrente
relativamente à dedução de acusação num período de férias judiciais, visto que o
presente recurso se situa no âmbito da fiscalização concreta de
constitucionalidade.
11. Não ocorre aqui violação do disposto no
art. 168º, nº 1, alínea c), da Constituição, nem tão-pouco do nº 2 do mesmo
artigo.
Como se escreveu no Acórdão nº 163/93:
'Para esta interpretação de conformidade concorrem dois factores, decisivamente:
o histórico, pois, como se pretendeu demonstrar, o apelo ao encurtamento dos
prazos processuais neste domínio constitui expediente com tradição no nosso
ordenamento jurídico ordinário e, nomeadamente, plasmado na regra de redução dos
prazos a metade na fase de recurso, argumento reforçado na medida em que os
trabalhos preparatórios da lei delegante aludem ao estabelecimento da redução
dos prazos normais da lei geral; o sistemático, uma vez que o preâmbulo da lei
delegada reflecte esse intuito, «assim se honrando o particular interesse da
celeridade processual, em termos que se afiguram razoáveis», sendo certo que, se
o preâmbulo não prevalece sobre o articulado, ele assume, normalmente, a função
didáctica de proporcionar ideia abreviada do conteúdo deste último, pelo que lhe
é atribuída «assinalável relevância interpretativa acerca do diploma em causa»
(cfr. António Vitorino, «Preâmbulo e nota justificativa» in A Feitura das Leis,
Instituto Nacional de Administração, vol. II, pág. 129)' (nº 3, in fine).
12. Nas suas alegações, o instituto recorrente
põe em causa, de passagem, a bondade da solução de encurtamento dos prazos no
processo por crimes previstos na Lei de Imprensa nos seguintes termos:
'[...] honrar o particular interesse de celeridade processual dos crimes de lei
de imprensa, em termos razoáveis, não é, ou pode não ser, fixar prazos tão
curtos. Pense-se, por exemplo, na eventualidade de, no meio das férias
judiciais, o ofendido ser confrontado com a necessidade de constituir advogado e
de este (difícil de encontrar nesse período de férias), consultar o processo e
deduzir acusação, tudo no curtíssimo espaço de 3 dias! Ter-se-á, pois,
ultrapassado a razoabilidade, por um excesso de zelo, antes se estando a
dificultar a defesa do bom nome e da reputação, bens tão facilmente atingíveis'.
Embora versando uma outra situação diversa
daquela em que foi aplicada a norma delimitada como objecto do recurso de
constitucionalidade, o recorrente parece pôr em causa a constitucionalidade de
algumas das normas de aceleração processual, por susceptíveis de violar o
princípio constitucional da proporcionalidade ou o princípio da igualdade.
Na manutenção do prazo de cinco dias para
interposição de recurso e apresentação da respectiva motivação, cabe perguntar
se o legislador não violou qualquer desses princípios constitucionais.
Relativamente à eventual violação do princípio
da igualdade, a resposta da jurisprudência do Tribunal Constitucional é clara: o
legislador pode estabelecer tratamentos diferenciados para situações
diferenciadas, estando-lhe vedado, porém, estabelecer diferenciações de
tratamento que sejam arbitrárias ou irrazoáveis carecidas de fundamento legal
bastante. Ora, é de um modo geral reconhecido que a repressão penal dos chamados
crimes de abuso de liberdade de imprensa implica soluções de especial
celeridade, dada a urgência da reparação dos prejuízos causados, e da rápida
decisão sobre se o crime foi ou não cometido, de modo a acautelar uma ponderação
das exigências da tutela da honra e da manutenção da liberdade de imprensa num
Estado democrático. Existe, assim, fundamento material bastante para criar uma
tramitação processual especial e mais célere, relativamente à tramitação do
processo penal comum (vejam-se, no mesmo sentido, o Acórdão nº 186/92, in Diário
da República, II Série, nº 216, de 18 de Setembro de 1992, bem como o acórdão nº
163/93, já repetidamente citado).
Também quanto ao princípio da
proporcionalidade, não se alcança nesta solução concreta uma violação. Sendo
embora o prazo de cinco dias para interpor o recurso e motivar as razões de
interposição um prazo bastante curto, a verdade é que, mesmo assim, não torna
inexequível o eficaz patrocínio do ofendido ou do arguido nem se torna
intoleravelmente difícil o exercício desse patrocínio. Há, aliás, em diferentes
ramos de direito processual prazos de cinco dias para impugnar decisões
judiciais em que a fundamentação tem de acompanhar a manifestação de vontade de
impugnação: bastará recordar os prazos idênticos para arguição de nulidades de
decisões irrecorríveis, para reclamação para o presidente do tribunal superior
ou para outro tribunal (arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil; o art.
405º, nº 2, do novo Código de Processo Penal ampliou este prazo para dez dias;
art. 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional) ou para reclamação do
despacho do juiz relator a interpor para a conferência (art. 700º, nº 3, do
Código de Processo Civil, aplicável supletivamente noutros ramos de direito
processual). Neste sentido, veja-se o acórdão nº 49/95 do Tribunal
Constitucional, ainda inédito.
13. Entende-se, por isso, que a norma aplicada
pela decisão recorrida, na sua dimensão concreta, não viola os princípios
constitucionais da proporcionalidade ou da igualdade.
III
14. Nestes termos e pelas razões expostas,
decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso, confirmando o
julgamento sobre a questão de constitucionalidade do tribunal recorrido.
Lisboa, 26 de Junho de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa