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Procº nº 216/95.
2ª Secção.
Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal
Administrativo e em que figuram, como recorrente, A. e, como recorrida, a
Presidente da Câmara Municipal de --------, concordando-se, no essencial, com a
exposição lavrada pelo relator e ora de fls. 120 a 129, que aqui se dá por
integralmente reproduzida, tendo em conta o decidido no Acórdão nº 631/94,
publicado na 2ª Série do Diário da República de 11 de Janeiro de 1995, decide-se
negar provimento ao recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais,
fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 20 de Junho de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida
Procº nº 216/95.
2ª Secção.
1. A., veio requerer ao Tribunal Administrativo de
Círculo de Lisboa a suspensão de eficácia do despacho, proferido em 19 de Agosto
de 1994 pela Presidente da Câmara Municipal de -----------, por intermédio do
qual foi ordenada a demolição das obras que a ora recorrente levava a efeito num
posto de abastecimento de combustível sito ao quilómetro -------- da Estrada
Nacional nº -----------, posto de que era proprietária.
Por sentença de 28 de Outubro de 1994, o Juiz do
referido Tribunal indeferiu o pedido de suspensão, o que fez com base na
circunstância de, no caso, não existir 'um nexo de causalidade entre a execução
do acto' cuja eficácia se pretendia que viesse a ser suspensa e 'a verificação
de prejuízos, relacionada com meras expectativas'.
Dessa decisão recorreu a A. para a Secção do Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo, inter alia, aduzido
nas «conclusões» da alegação por si apresentada:
'........................................
3ª Com a autonomização, na segunda Revi- são Constitucional de 1989, de um
preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa,
não apenas para o 'reconhecimento' - como se dispunha no texto anterior -, mas
também para a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (art.
268º/5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário do recurso
de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito à
tutela jurisdicional efectiva, pelo que:
a) Abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos
administrados perante a Administração;
b) Reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição
subjectiva de vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico,
digna da atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva
realização.
4ª A Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental à
suspensão da eficácia dos actos administrativos de que se haja interposto
recurso ou de que se pretenda interpor recurso contencioso de anulação, sendo
reconduzível ao núcleo fundamental do direito dos administrados à tutela
jurisdicional efectiva, pelo que é de afastar o entendimento segundo o qual a
suspensão da eficácia é uma providência de carácter excepcional.
5ª O nº 1 do art. 76º da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade,
porquanto:
a) Conflitua, desde logo, com o direito fundamental à tutela
jurisdicional efectiva, pois o âmbito de protecção deste estende-se ao
acautelamento de to- dos os prejuízos que o particular provavelmente venha a
sofrer com a execução do acto administrativo, e não somente com aqueles de
difícil reparação;
b) É, por outro lado, redundante, no sentido de que toda a suspensão
da eficácia de um determinado acto administrativo lesa sempre o interesse
público, tal como é configurado por uma Administração executiva, como é a nossa,
pelo que se constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento
desse meio ju- risdicional, denegando, em consequência, o direito à tutela
jurisdicional efectiva, previsto nos arts. 20º e 268º/4 e 5;
c) Apela ainda a uma valoração judicial da dificuldade de reparação
do prejuízo do particular e da gravidade da lesão do interesse público contrária
à ideia material de Direito prosseguida pela Administração, no sentido de que
recorta a actividade por esta desenvolvi- da numa feição contrária aos direitos
e interesses legalmente protegidos dos particulares, violando, pois, o
preceituado no art. 266º/1 da Constituição.
6ª O art. 76º/1 da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade material, por
restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à tutela
jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação
do art. 18º/2 e 3 da Constituição.
........................................'
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 17 de
Janeiro de 1995, negou provimento ao recurso, por isso que entendeu que a
decisão proferida no T.A.C. de Lisboa não merecia censura quando considerou
'inexistirem prejuízos de difícil reparação, ou seja, pela não verificação do
requisito contemplado na al) a) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A.', o que bastava
para 'conduzir ao insucesso da pretensão da recorrente, sem necessidade de
apreciação da existência dos restantes requisitos a que alude aquele nº 1 do
citado artº 76º', tendo ainda concluído no sentido de não enfermar de
inconstitucionalidade essa disposição legal.
É deste aresto que vem, pela A., interposto o presente
recurso, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da citada norma.
2. Ora, tocantemente a esta questão, e num recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade visando igualmente a apreciação do
normativo acima aludido (recurso esse no qual o então recorrente formulou, na
alegação que ofereceu, «conclusões» de teor absolutamente idêntico às acima
transcritas), teve já este Tribunal ocasião de se debruçar. Fê-lo por
intermédio do seu Acórdão nº 631/94, prolatado no Procº nº 785/93 (acórdão que
se encontra publicado na 2ª Série do Diário da República de 11 de Janeiro de
1995) e que foi subscrito também pelo ora relator.
Aí se concluiu, de um lado, que, nessa causa, 'as
instâncias situaram o julgado, tocantemente ao meio processual acessório da
suspensão da eficácia de uma deliberação camarária, no âmbito exclusivo da
alínea a) do nº 1 do artº 76º do Decreto- -Lei nº 267/85, de 16 de Julho', o
que o mesmo era dizer que tais 'instâncias desatenderam o pedido do recorrente,
na base de que não se verificava no caso o requisito daquela alínea a) - e isso
era bastante -, por não se demonstrar que da execução da deliberação resultasse
provavelmente 'prejuízo de difícil reparação''.
E, prosseguindo, disse-se nesse mesmo aresto que 'o
recorrente, e apenas na fase de recurso jurisdicional, veio questionar perante o
Supremo Tribunal Administrativo a inconstitucionalidade daquele nº 1 do artigo
76º, sem identificar as suas alíneas, 'com a interpretação que lhe foi dada na
aliás douta sentença recorrida'', recorrente que, na alegação então apresentada,
chamou 'à colação...o 'direito à tutela jurisdicional efectiva', para o
definir e preencher o seu conteúdo, e buscando conjugá-lo com o privilégio da
execução prévia de que gozam os actos administrativos', pelo que o que ele
pretenderia era sustentar que aquela faculdade, que ''não implica, contudo, o
total desaparecimento do privilégio da execução prévia'', cederia ''frente ao
poder judicial, ou seja'', desapareceria ''com a interposição do recurso
contencioso''.
Daí arrancou o mencionado Acórdão para que, no caso
então sujeito à sua análise, aquilo que, em direitas contas, o aí recorrente
vinha defender perante o julgado da primeira instância era que a suspensão da
eficácia só não devia ''ser concedida em casos extremos de necessidade do
interesse público na imediata execução do acto'', o que equivalia 'a dizer que a
exigência cumulativa dos requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo
76º..'' afrontava 'o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos
arts. 20º e 268º, nºs 4 e 5 da Constituição''.
Perante estas proposições, concluiu-se no Acórdão nº
631/94 que seria o instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos
que, todo ele, era, pretensamente, posto em crise pelo aí recorrente.
Após essas considerações, e passando conhecimento da
questão de constitucionalidade, escreveu-se naquele aresto, por entre o mais, do
seguinte jeito:
'.............................................
Com efeito, tal questão não é nova neste Tribunal Constitucional e no
acórdão recorrido foi bem decidida, ao demonstrar-se que o instituto da
suspensão da eficácia se adequa ao 'justo equilíbrio entre os princípios
constitucionais do direito à tutela jurisdicional efectiva de que devem gozar
os administrados e o princípio da prossecução do interesse público que incumbe à
Administração'.
Não se questiona, na linha do acórdão deste Tribunal Constitucional
nº 450/91, que o dito instituto, como meio processual acessório do contenciosos
administrativo próprio ou por definição, o contencioso dos actos
administrativos, não se pode dissociar da garantia do recurso contencioso, como
via impugnatória principal.
Assim, tudo está em saber se o nº 1 do artigo 76º - como sempre é
invocado tout court pelo recorrente - e que contém a enunciação dos 'requisitos'
cumulativos, para ser deferida a suspensão da eficácia, é ou não conforme à Lei
Fundamental.
..............................................
..............................................
Também o acórdão nº 43/92, publicado na II Série do Diário da
República, nº 45, de 23 de Fevereiro de 1993, e confirmado no Plenário, por via
do acórdão nº 366/92, publicado no mesmo periódico oficial, aderindo à
jurisprudência que cita do Tribunal Constitucional italiano, afirma que é
'erróneo o entendimento de que, competindo à lei ordinária determinar os casos
de anulação de actos administrativos, fica na livre disponibilidade do
legislador limitar (ou eliminar) o poder instrumental de suspensão dos actos
impugnados'.
Ora, é essa exclusão ou limitação do poder de suspensão que não se
demonstra, exigindo-se, como exige o nº 1 do artigo 76º, a verificação
cumulativa dos requisitos aí enunciados, e isto mesmo que se entenda, como se
entendeu no citado acórdão nº 43/92:'Este poder de suspensão é um elemento
conatural de um sistema de tutela jurisdicional, pelo que a exclusão desse
poder ou a limitação da área de exercício do mesmo a determinadas categorias de
actos ou certos tipos de vícios contrasta com o princípio da igualdade sempre
que não ocorra uma justificação racional da diversidade de tratamento'.
A discricionaridade legislativa quanto à enunciação de tais
requisitos revela-se conforme aos parâmetros constitucionais do acesso à
justiça administrativa, não se descortinando uma restrição à garantia do recurso
contencioso, pois o interessado não fica impedido, de modo injustificado, de
obter protecção para os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Como
se lê no acórdão nº 303/94, publicado na II Série do Diário da República, nº
198, de 27 de Agosto de 1994, 'sempre será lícito ao legislador conformar,
concretizar e modelar o dito instituto, sob pena de, na ausência dessas
conformação e modelação, se poder cair num sistema em que a mera interposição de
recurso contencioso desencadearia a não executoriedade do acto impugnado, com
toda a corte de perigos de paralização da actividade administrativa a bel-prazer
dos administrados e, o que é mais importante, sem que se dilucidassem os
casuísmos aconselhadores ou desaconselhadores da suspensão, presente o binómio,
tantas vezes contraditório, dos interesses públicos e de garantia dos
interesses particulares''.
3. Pois bem:
o caso sub iudicio apresenta-se com uma situação
totalmente semelhante à daquele de que se ocupou o falado Acórdão nº 631/94.
Efectivamente, muito embora a ora recorrente tenha
questionado no seu todo a norma ínsita no nº 1 do artº 76º da Lei de Processo
dos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho, o que é certo é que as decisões lavradas no Tribunal Administrativo de
Círculo de Lisboa e no Supremo Tribunal Administrativo, para negarem provimento
ao requerido pela recorrente - recorda-se: a suspensão da eficácia do despacho
de 19 de Agosto de 1994 prolatado pela Presidente da Câmara Municipal de
-------------- - unicamente se serviram da norma constante da alínea a) do nº 1
daquele artº 76º.
Consequentemente, foi essa a norma utilizada - e, no que
ora releva, na decisão impugnada - pelo que somente da mesma deverá curar, no
presente caso, este Tribunal.
E isso, muito simplesmente, porque, entre outros
requisitos do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a que se
reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, um
deles reside, precisamente, na aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja
incompatibilidade com a Lei Fundamental foi suscitada pelo recorrente.
Ora, admitindo que, ao questionar o nº 1 do artº 76º da
L.P.T.A., intentou a recorrente igualmente pôr em causa a constitucionalidade
todas as normas constantes dessa disposição legal e, assim, as suas alíneas,
então há-de concluir-se que a suscitação de um tal vício também abarcava a
alínea a).
Porém, como a decisão sob censura apenas apelou a esta
última alínea, o recurso de que ora se cura unicamente deverá ter essa norma por
objecto.
De todo o modo, mesmo que se entendesse que deveria
constituir aquele objecto todo o nº 1 do citado artº 76º, ainda assim a doutrina
que se extrai do mencionado Acórdão nº 631/94 é aqui aplicável, como facilmente
se constatará do seu teor.
3.1. Por outra banda, na perspectiva segundo a qual o
que, verdadeiramente, a recorrente visou neste processo, foi pôr em crise o
próprio instituto da suspensão da executoriedade dos actos administrativos,
levado a cabo por intermédio de uma providência de carácter jurisdicional, por
isso que bastaria a impugnação contenciosa daqueles actos (ou a intenção de os
iumpugnar) para que a respectiva executoriedade se suspendesse (tese que,
convenha-se, para ser defendida, não imporia o ataque ao artº 76º da L.P.T.A.,
mas sim uma qualquer possível norma de onde decorresse o privilégio concedido a
tais actos), ainda assim também, para uma tal postura, são para aqui
transportáveis os argumentos carreados pelo Acórdão nº 631/94.
4. Em face do exposto, entende o ora relator que,
atentos os fundamentos utilizados no indicado aresto, deverá ser negado
provimento ao recurso, razão pela qual é efectuada a presente exposição ex vi do
nº 1 do artº 78-A da Lei nº 28/82.
Cumpra-se o disposto na última parte daquele normativo.
Lisboa, 12 de Maio de 1995.
(Bravo Serra)