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Procº nº 77/96. ACÓRDÃO Nº 660/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Em autos crime, seguindo a forma de processo comum com intervenção de tribunal singular e pendentes pelo Tribunal de comarca de Castro Daire, veio o aí arguido A ..., por intermédio de requerimento subscrito por um solicitador, requerer que lhe fosse nomeado, como defensor, aquele mesmo mandatário que tal requerimento subscreveu, vindo ainda a apresentar contestação a um eventual pedido de indemnização civil que, todavia, ainda não tinha sido admitido.
Por despacho de 22 de Maio de 1995 proferido pela Juiz daquele Tribunal, estribado nos artigos 61º e 62º do Código de Processo Penal, foi indeferida aquela pretensão e não foi admitida a contestação do pedido de indemnização civil, o que motivou que o A ... viesse a interpôr recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo a respectiva motivação sido subscrita pelo aludido solicitador, sendo certo que, antes da sua apresentação, já ao arguido fora nomeado, como defensor, um advogado.
Na mencionada motivação, nenhum tropo se descortina do qual, minimamente e ainda que de modo indirecto, resulte que é questionada a desconformidade constitucional de qualquer norma constante do ordenamento jurídico, unicamente se defendendo que o despacho sob censura, na parte em que indeferiu a nomeação de solicitador como defensor do arguido, violou a alínea d) do nº 1 do artº 61º do Código de Processo Penal e, na parte em que não admitiu a contestação ao pedido de indemnização civil, violou o nº 4 do artº 78º deste corpo de leis, o artº 46º do Código de Processo Civil, o artº 20º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e o nº 2 do artº 61º do Estatuto dos Solicitadores.
2. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 4 de Outubro de 1995, não tomou conhecimento do recurso, o que fez com base nas seguintes considerações:-
'..................................................
Colhe-se dos autos que o arguido tinha Advogado nomeado, o qual se encontrava no exercício dessas funções, aquando da apresentação da motivação, atento o disposto nos artigos, 62º nº 2 e 64º nº 1 al. d), do Código de Processo Penal (CPP).
Este último normativo estabelece que é obrigatória a assistência de defensor nos recursos.
Não dispondo expressamente a lei processual penal àcerca de quem deve apresentar e subscrever a motivação, é lógica e necessária a conclusão de que tal exercício incumbe a advogado - artigo 32º. nº. 1., al. c), do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 4º. do CPP. (cfr. o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.1990, recº. nº. 41396//3ª.).
E, havendo como há, Advogado nomeado, não tem lugar o funcionamento do estatuído no artigo 33º. do CPC.
Tendo o recorrente, por intermédio do Subscritor da motivação apresentada, praticado um acto para o qual a lei competente lhe não reconhece capacidade, que lhe está vedado, com violação do disposto nos artigos 62º, 63º. e 64º., do CPP, esse acto deverá considerar-se como não praticado ou inexistente.
Circunstância que obsta ao conhecimento do recurso.
..................................................'
Notificado do aresto de que parte acima se encontra transcrita, veio o A ... arguir a respectiva nulidade, dizendo, na parte final do requerimento consubstanciador da arguição:-
'Por imposição do no. 4 do arto. 280o. da Constituição da República Portuguesa, desde já se suscita a violaç2ao das normas citadas no douto acordão, o que viola os artigos 207o. e 208o. daquela, suscitação esta que só agora se faz por só agora se impôr'.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 29 de Novembro de 1995, fundado na circunstância de, tendo o arguente, à data da apresentação da motivação de recurso, advogado nomeado, o que implicava que deveria ser este a subscrever tal motivação, também, e por idênticas razões, teria a arguição de nulidade de ser subscrita por advogado, razão pela qual, não o tendo sido, se não tomou conhecimento de tal arguição.
3. Dos acórdãos acima citados pretendeu o A ... recorrer para o Tribunal Constitucional 'por inconstitucionalidade na aplicação das normas dos artos. 62o., no. 2, e 64, no. 1, al. d) do Cód. Proc. Penal, bem como dos artos. 62o., 63o., e 64o. do mesmo diploma e artos. 32o., no. 1, al. c) do Código de Processo Civil e arto. 4o. do Cód. Processo Penal'. acrescentando que
'Aqueles , aliás, doutos acordãos, violaram o disposto nos artos. 207o. e 208o. da Constituição da República Portuguesa'.
Por despacho de 10 de Janeiro de 1996, prolatado pelo Desembargador relator do Tribunal da Relação do Porto, não foi admitido o recurso intentado interpôr para o Tribunal Constitucional, por isso que o recorrente não arguiu, durante o processo, a desconformidade de qualquer norma aplicada no aresto desejado impugnar.
4. É deste despacho que vem interposta a presente reclamação, que foi subscrita pelo solicitador já mencionado mas que, na sequência de despacho do ora relator, veio a ser ratificada por advogado constituído pelo reclamante.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, tendo
«vista» dos autos, pronunciou-se no sentido de ser indeferida a vertente reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Adianta-se desde já que é por demais óbvia a sem razão do reclamante.
Na verdade, o despacho proferido na 1ª instância baseou--se, precisamente, numa interpretação das normas processuais penais e civis de onde resultava que, em processo criminal e no qual haveria sido deduzido um pedido de indemnização civil, não seria permitido, havendo possibilidade de ao arguido ser nomeado como defensor um advogado, como foi, que este viesse pedir a nomeação, como defensor, de um solicitador.
Ora, se o o reclamante entendesse que uma tal interpretação feria preceitos ou princípios constitucionais, ao recorrer, como recorreu, para o Tribunal da Relação do Porto, tinha, por entre o mais, o ónus de suscitar essa questão, caso desejasse, na hipótese de não obter ganho de causa, socorrer-se de um futuro recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
É que, como indubitavelmente deflui da matéria fáctica acima explanada, foi justamente com base nos normativos constantes do diploma adjectivo penal convocados para o decidido no despacho da Juiz do tribunal de
1ª instância, interpretados de jeito idêntico ao que foi tomado em tal despacho, que o Tribunal da Relação do Porto não veio a tomar conhecimento do recurso.
Isto é: a Relação do Porto, no aresto ora pretendido recorrer, com base no facto de ao arguido ter sido nomeado advogado, perfilhou o entendimento segundo o qual as peças processuais e os actos aos quais era obrigatória a assistência de defensor não poderiam ser subscritas e assistidos por um solicitador constituído, daí se seguindo que a motivação do recurso se consubstanciava como um acto não praticado ou inexistente.
2. Vale isto por dizer que, tocantemente ao entendimento intepretativo das normas que serviram de suporte ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nenhuma «surpresa» teve o ora reclamante
(contrariamente ao por si afirmado na peça reclamatória), e isso pela simples razão de que esse mesmo entendimento fora já aquele que tinha sido adoptado no despacho da Juiz de 1ª instância, entendimento que visou pôr em causa por intermédio do recurso dirigido àquele Tribunal Superior.
De onde ser prefeitamente pré-figurável a possibilidade de a Relação do Porto vir a sufragar idêntico entendimento.
Por isso, como se disse, se imporia ao reclamante, caso, posteriormente, desejasse servir-se do recurso a que se reporta a indicada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o ónus de, antes da prolação do acórdão de 4 de Outubro de 1995, ter suscitado a questão da inconstitucionalidade das normas (ou de uma certa forma de interpretação das mesmas) adjectivas penais que foram a base do decidido no despacho recorrido.
3. De outro lado, e como, aliás, se tem, desde há muito, firmado na jurisprudência deste Tribunal, cuja enunciação, ainda que exemplificativa, se tornaria fastidioso aqui efectuar, a suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa, para efeitos do recurso já assinalado, deverá ter lugar, em regra, antes da decisão a tomar pelo tribunal a quo, de molde a este, em tal decisão, se poder pronunciar, não sendo, por isso, atempada uma suscitação levada a efeito aquando da arguição de nulidades ou de um pedido de aclaração incidentes sobre aquela decisão.
Em consequência, o que consta da parte final do requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 4 de Outubro de 1995 não poderá, de todo em todo, no presente caso, servir como forma adequada de suscitação da questão de inconstitucionalidade que o reclamante desejava que viesse a ser analisada por este Tribunal.
III
Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lxª,8 de maio de 1996
Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Luis Nunes de Almeida