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Processo nº 78/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., B., C., D. e E. vieram requerer a aclaração do acórdão de fls. 160 e seguintes, pretendendo que 'seja o pedido de esclarecimento agora formulado deferido', com base no que, a seguir, e em síntese, explana:
a) fazem radicar 'o pedido de aclaração' no ponto em que o acórdão considera que não foi arguida nenhuma questão de inconstitucionalidade quanto à norma do artigo 69º, conjugado com os artigos 31º a 33º, da Lei nº
29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas) e daí ter-se confirmado o despacho reclamado.
b) reconhecem terem feito só alusão às normas que atribuem competência ao tribunal militar para o julgamento dos membros da Guarda Nacional Republicana, fazendo aplicar aos mesmos o Código de Justiça Militar
(as normas da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana e do Estatuto dos Militares dessa Guarda), pois que 'apenas aquelas constituíram fundamento para o Tribunal haver promovido o julgamento dos ora reclamantes' ('Até porque não cabe aos arguidos suscitar a inconstitucionalidade ou outro tipo de ilegalidade de normas que são alheias à acusação que lhes é formulada e, logo, alheias ao processo' - acrescentam ainda).
c) sustentam que nunca antes do acórdão do Supremo Tribunal Militar 'fizeram os autos a mais ténue menção ou alusão' àqueles preceitos da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e isso mesmo foi registado na motivação da reclamação da decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, sendo que assim se denota 'bem o efeito surpresa a que o Ministério Público também faz menção'.
E finalizam deste modo os reclamantes o seu discurso argumentativo:
'Imputa o Acórdão objecto do presente pedido de aclaração aos ora requerentes a não invocação anterior de uma norma que os mesmos alegadamente conheciam.
Só que, e aqui radica, na sua essencialidade, o presente pedido de aclaração. A invocação de tal inconstitucionalidade não podia ser feita anteriormente a ter a mesma sido invocada pela parte acusadora, sob pena de ilegitimidade (por carência de interesse processual directo).
Nem competindo aos arguidos ir para além daquilo que a acusação expressamente lhe imputa e na qual a mesma se fundamenta'.
2. Na sua resposta, o Ministério Público veio sustentar que deverá 'indeferir-se o requerido', pois os reclamantes compreenderam
'perfeitamente a decisão, que, aliás, não enferma de qualquer obscuridade'.
Diz o Ministério Público:
'O que o requerente não terá ponderado - e daí a sua 'incompreensão' perante o decidido - é que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional,
(cfr., acórdão nº 370/94, de 11 de Maio de 1994), só quando se haja verificado uma aplicação de norma tão insólita e inesperada que se torne desrazoável e inadequado exigir ao interessado um prévio juízo de prognose sobre essa aplicação é que se justificará a dispensa da invocação antes de proferida a decisão - situação essa que não era a dos autos, como se demonstrou na decisão aclarada'.
3. Sem vistos, vêm os autos à conferência.
Lê-se no acórdão objecto de aclaração:
'Resta, por fim, a norma do artigo 69º, conjugado com os artigos 31º a 33º, da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas), à qual os reclamantes imputam agora um vício de inconstitucionalidade orgânica.
Só que essa imputação não foi feita, podendo sê-lo, na alegação de recurso, quando os reclamantes abordam a temática da caracterização da Guarda Nacional Republicana e da sua sujeição à disciplina do Código de Justiça Militar (sendo que essa sujeição 'por norma da autoria do Governo dos membros da GNR a tal regime geral, envolve, assim uma dupla inconstitucionalidade orgânica' - é a afirmação essencial da tese dos reclamantes) e, conquanto em transcrição doutrinal e jurisprudencial, se referem àquela Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, com identificação concreta do questionado artigo 69º, mas sem arguir nenhuma questão de inconstitucionalidade.
Nem se diga, como faz o Ministério Público - mas não o fazem os reclamantes -, que a aplicação de tais normativos pelo acórdão recorrido foi 'feita de surpresa', pelo que não houve anteriormente oportunidade de suscitar a questão, pois o posicionamento dos reclamantes na alegação desmente esse efeito
'surpresa'. Tanto mais que, sendo eles elementos da Guarda Nacional Republicana, bem conhecem as normas estatutárias que os regem e entre elas as normas da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas que se reportam àquela Guarda'.
É este o ponto, como invocam os reclamantes, que se pretende ver esclarecido. Só que, nos termos do artigo 669º, a), do Código de Processo Civil, a aclaração pressupõe 'alguma obscuridade ou ambiguidade' que se contenha
na decisão em causa, mas a verdade é que os reclamantes não indicam, nem caracterizam, nenhum daqueles defeitos e eles também não são patentes no acórdão.
Pelo contrário, a passagem transcrita do acórdão é clara e fluente e, talqualmente regista o Ministério Público, os reclamantes compreenderam-na perfeitamente (por isso mesmo é que em parte alguma do pedido de aclaração falam em obscuridade ou ambiguidade).
O que há da parte dos reclamantes é uma divergência do entendimento acolhido no acórdão quanto ao ónus de arguição da questão de inconstitucionalidade e quanto ao posicionamento dos reclamantes a desmentir um efeito 'surpresa' que eles pretendem agora fazer prevalecer.
Todavia, de uma tal divergência, radicada no momento oportuno e adequado à suscitação de questão de inconstitucionalidade, não pode curar o pedido de aclaração, que não é a via própria para sobre ela fazer debate e buscar uma solução.
Tanto basta para concluir que não pode ser atendido o pedido de aclaração, por extravasar dos limites fixados na alínea a) do citado artigo
669º.
4. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se o pedido de aclaração e condenam-se os reclamantes nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta. Lx, 9.7.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes Almeida