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Procº nº 877/93 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A. impugnou judicialmente a contribuição industrial e o imposto extraordinário sobre lucros que lhe foram liquidados, relativamente ao exercício de 1982, pela Repartição de Finanças do Crato e confirmadas pela Comissão Distrital de Revisão, alegando essencial- mente três fundamentos:
- falta de notificação do despacho que autorizou a tributação em Contribuição Industrial pelo sistema do grupo B (estando sujeito ao sistema de imputação, através da contabilidade, dos lucros efectivamente detidos - Grupo A -, a sua passagem ao Grupo B, ou seja, ao sistema de imputação dos lucros presumivelmente obtidos, exigia, nos termos do artigo 54º, §4º, do Código da Contribuição Industrial, um despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais);
- omissão de indicação dos fundamentos do apuramento da matéria colectável na notificação efectuada em 7 de Dezembro de 1987;
- caducidade do direito à liquidação (porquanto, tendo sido dela notificado em 5 de Janeiro de 1988, o fora para além do prazo fixado no artigo 94º do Código da Contribuição Industrial).
2. Por sentença de 9 de Janeiro de 1991, o Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Portalegre julgou provados os dois primeiros fundamentos, concluindo ter havido preterição de formalidades legais, e, após análise da doutrina e da evolução jurisprudencial sobre a liquidação como acto receptício ou não, concluiu que só a notificação dentro daquele prazo - e não apenas a liquidação - impede a caducidade, dando provimento ao recurso.
Recorreu o Representante da Fazenda Nacional para o Tribunal Tributário de 2ª Instância, o qual, com o fundamento de que a questão era exclusivamente de direito, se considerou incompetente. Remetidos os autos à 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, esta, por Acórdão de 14 de Outubro de
1992, deu provimento ao recurso e revogou a decisão da 1ª Instância, considerando que o recorrido, ao não utilizar os meios processuais adequados à reacção contra as irregularidades detectadas, se conformou com elas e que não havia motivos para alterar a última jurisprudência daquela Secção do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a notificação da liquidação não é condição de perfeição desta.
3. Daquele aresto interpôs A. recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando, nas respectivas alegações, inter alia, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial, na interpretação feita pelo acórdão recorrido, tendo, porém, o mesmo, por Acórdão de 20 de Outubro de 1993, confirmado o acórdão recorrido, retomando a argumentação deste, mas agora sob a forma da distinção entre requisitos de validade e requisitos de eficácia do acto de liquidação. Nos termos daquele aresto, a omissão da notificação no prazo previsto na lei não gera qualquer vício de forma do acto tributário, pois não é uma formalidade do acto notificando, não respeita à validade do acto, mas à sua eficácia, nem aos elementos do acto propriamente dito, mas à sua realização na ordem jurídica, pelo que a notificação no prazo a que se refere o artigo 94º do Código da Contribuição Industrial não é requisito necessário para impedir a verificação da caducidade do direito de liquidar prevista no mesmo normativo.
4. Daquele aresto interpôs A. novo recurso, desta vez para o Tribunal Constitucional, tendo como objecto a questão da constitucionalidade da norma do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial. O recorrente conclui assim as suas alegações:
'1. O art. 94º do Código de Contribuição Industrial não acolheu a imperativa formalidade essencial constante do art. 268º da Constituição (nº 2 e, agora, nº
3).
2. Dessa insuficiência textual a anfibologia na aplicação da norma, com isso se violando uma garantia fundamental dos contribuintes.
3. Tal insuficiência foi suprida pelo art. 79º do Cód. do IRC e, com carácter genérico, pelo art. 33º do Cód. de Proc. Tributário, o que patenteia a sua indispensabilidade'.
Por sua vez, o Director-Geral das Contribuições e Impostos remata as suas alegações do seguinte modo:
O artigo 94º do Código da Contribuição Industrial estipula um prazo de caducidade de 5 anos.
O mesmo preceito refere-se exclusivamente à 'liquidação' em sentido restrito
(fase decisória do acto tributário), operação em que é apurado concretamente o quantitativo de imposto devido.
De acordo com a técnica do Código da Contribuição Industrial:
A 'liquidação' em sentido restrito, equivalente ao acto tributário propriamente dito, assenta numa mera operação aritmética consistente em aplicar uma dada taxa (valor percentual) ao lucro tributável apurado em definitivo;
O lucro tributável só é apurado definitivamente no decorrer da fase instrutória do procedimento de gestão fiscal que desemboca, necessariamente, no acto tributário, sendo dadas todas as garantias aos sujeitos passivos;
Será, eventualmente discutível, se as garantias dos sujeitos passivos estavam ou não diminuídas na fase da determinação do lucro tributável, à data em que o Código da Contribuição Industrial estava em vigor. No entanto, não é esse o objecto do presente recurso, porquanto o mesmo aponta tão-só para a
'liquidação';
Caso haja erro material na liquidação ou preterição de alguma formalidade, a lei consagra meios próprios de reacção; vide, para tanto, o articulado 30 das presentes alegações.
A 'notificação' é um acto extrínseco à 'liquidação', sistematicamente inserida na 'cobrança' e concernente à eficácia (para efeitos de recebimento por parte do sujeito activo: o Estado) da 'liquidação', nunca à sua validade ou perfeição.
Após o conhecimento, por parte dos sujeitos passivos, do lucro tributável definitivo, todos eles sabem de antemão o quantitativo de Contribuição Industrial que é devido; bastará somente aplicarem a taxa respectiva.
O que os sujeitos passivos não sabem é a partir de quando o imposto devido deverá ser pago. Ora é para isso, precisamente, que serve a notificação da
'liquidação' da Contribuição Industrial.
Não se vislumbra, por conseguinte, onde reside a inconstitucionalidade do art. 94º do Código da Contribuição Industrial.
4. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
5. Por ser de interesse para a apreciação da questão de constitucionalidade que o Tribunal tem agora entre mãos - a questão da constitucionalidade da norma constante do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto--Lei nº 45 103, de 1 de Julho de 1963, nos termos da qual 'só poderá ser liquidada contribuição industrial nos cinco anos seguintes àquele a que o lucro tributável respeite' -, importa referir a sequência factual apurada nos autos. É ela a seguinte:
- O recorrente, que se encontrava colectado em contribuição industrial, grupo A, na Repartição de Finanças do Crato, pelo exercício da actividade de
'extracção contínua de azeite', apresentou, em 16 de Junho de 1983, a declaração Modelo 2, respeitante ao exercício de 1982, indicando um prejuízo de exercício de 3.234.994$00, montante este que não foi alterado na liquidação complementar;
- Ordenado o exame à escrita, foi autorizada a tributação pelo sistema do grupo B, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 21 de Outubro de 1987, o que originou a correcção do resultado do exercício para um lucro tributável de 58.190.680$00,tendo, em 7 de Dezembro de 1987, sido o recorrente notificado para reclamar, querendo, nos termos do artigo 70º do Código da Contribuição Industrial;
- Dado que ao recorrente apenas tinha sido permitido o acesso a parte do relatório do exame à escrita, requereu o mesmo, em 21 de Dezembro de 1987, à Repartição de Finanças do Crato, ao abrigo do disposto nos artigos 30º e 31º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, que fosse notificado ou lhe fosse certificado o teor dos fundamentos da decisão de tributação pelo sistema do grupo B e dos elementos e fundamentos que haviam servido para se fixar aquela matéria tributável, pretensão que foi atendida, em 22 de Dezembro de 1987, através da entrega da certidão pedida, contendo o relatório da fiscalização;
- Em 22 de Dezembro de 1987, o recorrente apresentou reclamação, nos termos do artigo 70º do Código da Contribuição Industrial, a qual, depois de analisada, não originou alteração da matéria colectável fixada, que, assim, se manteve;
- Em 28 de Dezembro de 1987, o recorrente apresentou um requerimento com a pretensão de apresentar reclamação sobre a matéria constante da certidão pedida, por entender que, na reclamação apresentada em 22 de Dezembro de 1987, não tinha podido dispor do conhecimento de todos os fundamentos que serviram de base à liquidação, tendo esse mesmo requerimento sido indeferido por despacho do Director Distrital de Finanças de Portalegre de 29 de Dezembro de 1987;
- Em 29 de Dezembro de 1987, a Comissão Distrital de Revisão referida no artigo 72º do Código da Contribuição Industrial deliberou manter o lucro tributável anteriormente fixado, tendo nesse mesmo dia sido expedida notificação dessa deliberação ao recorrente, por via postal com aviso de recepção;
- Tal notificação só foi recebida pelo recorrente em 5 de Janeiro de 1988.
Tendo em conta que a notificação da liquidação da contribuição industrial só foi recebida após o decurso dos cinco anos seguintes àquele a que o lucro tributável respeitava, invocou o recorrente a caducidade do direito à liquidação daquele imposto, tendo, posteriormente, em face do conteúdo do Acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Outubro de
1992, suscitado a inconstitucionalidade da norma do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial.
No requerimento de interposição do recurso, o recorrente esclareceu assim o sentido da invocada inconstitucionalidade do normativo acima transcrito
: 'na medida em que não impõe que a liquidação, como acto administrativo de eficácia externa, seja notificada ao contribuinte para que se torne perfeito e eficaz'. Nas alegações, o mesmo recorrente salienta que ocorreu 'um drástico volte-face jurisprudencial no Supremo Tribunal Administrativo - num entendimento que frontalmente perverte a principologia do ordenamento constitucional' - e que o artigo 94º do Código da Contribuição Industrial enferma de
'inconstitucionalidade por defeito', 'categoria inteiramente diversa da inconstitucionalidade por omissão'.
Será a norma constante do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial inconstitucional, como pretende o recorrente? O Tribunal entende que não, no quadro em que ela efectivamente foi aplicada, pelas razões que, breviter, se vão expor.
6. Na óptica do recorrente, a norma constante do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial viola o nº 2 do artigo 268º da Lei Fundamental, introduzido pela revisão de 1982, cujo conteúdo era o seguinte:
'Os actos administrativos de eficácia externa estão sujeitos a notificação aos interessados, quando não tenham de ser oficialmente publicados, e carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos'.
A questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente assenta numa divergência entre ele e o acórdão aqui sob recurso - ao qual o recorrido (o Director-Geral das Contribuições e Impostos) dá o seu acordo - sobre a amplitude da exigência constitucional da notificação: o primeiro defende que só a notificação permite completar e tornar válido o acto tributário de liquidação, ao passo que o segundo entende que a notificação é um acto extrínseco à liquidação, tendo a ver tão-só com a eficácia da cobrança.
Estes dois entendimentos repercutem-se no domínio da problemática da contagem do prazo de caducidade estabelecido no artigo 94º do Código da Contribuição Industrial. Sobre esta última, formaram-se duas correntes, que fizeram vencimento na Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em diferentes momentos. A primeira ia no sentido de que era necessário que a notificação ocorresse dentro do prazo fixado no artigo 94º do Código da Contribuição Industrial para obstar à caducidade do direito à liquidação. A segunda - mais recente -,decerto procurando evitar que, pela via da não efectivação ou do retardamento das notificações, se frustassem os direitos da Fazenda Pública, passou a considerar suficiente que a operação de liquidação ocorresse no prazo de cinco anos que naquela norma era fixado.
Ora, sendo certo que entre a liquidação e a notificação mediará um espaço de tempo variável, a questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se o artigo 268º, nº 2, da Constituição, na versão de 1982 (a que corresponde, com algumas alterações, o artigo 268º, nº 3, na revisão de 1989), impõe que o prazo de caducidade fixado na norma do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial seja contado até à data da liquidação do imposto ou até à data da notificação ao particular.
7. Como se viu, a Repartição de Finanças do Crato procedeu, nos termos do artigo 91º do Código da Contribuição Industrial, a uma liquidação adicional do imposto, tendo, após exame à escrita do contribuinte, fixado uma nova matéria colectável, nos termos do § 2º do artigo 114º daquele código.
Essa liquidação adicional foi efectuada dentro do prazo previsto na lei para a caducidade do direito à liquidação, tendo sido notificada ao recorrente, dentro do mesmo prazo, a decisão que corrigiu a matéria colectável do imposto. Apenas não ocorreu dentro desse prazo a notificação do acto de liquidação.
Ora, numa situação destas, deverá entender-se que a norma constante do artigo 94º do Código da Contribuição Industrial, interpretada com o sentido que lhe foi atribuído pelo acórdão recorrido - o de que a notificação é um acto extrínseco à liquidação, tendo a ver tão-só com a eficácia da cobrança, pelo que
é suficiente que a operação de liquidação ocorra no prazo de cinco anos para obstar à caducidade do direito à liquidação do imposto - não viola os princípios constitucionais da segurança jurídica e de protecção de confiança, ínsitos no princípio constitucional do Estado de direito democrático, consagrado nos artigos 2º e 9º, alínea b), da Lei Fundamental.
É que, após o conhecimento por parte do recorrente do lucro tributável definitivo, ficou ele a conhecer de antemão o quantitativo da contribuição industrial devido, bastando, para isso, aplicar a taxa respectiva. Como lembra J.M. Cardoso da Costa, o apuramento da colecta apresenta-se como uma operação mais ou menos automática, uma vez determinada a matéria colectável, já que a taxa se encontra fixada na lei, 'de modo que, é antes esta determinação que vem a constituir o momento da actividade fiscal que decisivamente influi no cálculo do imposto: ora, quando a matéria colectável não consiste na declarada pelo contribuinte ou não resulta duma presunção legal, aquele é notificado das decisões da Administração que divirjam do seu critério, ou é oportunamente advertido por editais de que pode tomar conhecimento da deliberação que fixar o seu valor tributável, para, num caso ou no outro, recorrer ou reclamar dessas decisões ou deliberações' (cfr. Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1972, p. 419,420).
8. Tendo em conta os contornos da questão jurídica discutida nos autos (a existência de uma dívida de um imposto prestes a tornar-se inexigível pela administração fiscal; a imposição pela lei de um prazo de caducidade para que esta proceda à liquidação da dívida; o cumprimento pela administração fiscal desse prazo; e ter ocorrido a subsequente notificação do acto de liquidação do imposto, iniciada antes da queda desse prazo, já depois deste terminar, mas ter-se vericado antes uma notificação da decisão de alteração da matéria colectável), é seguro que a norma constitucional invocada, numa situação como a dos autos em que o contribuinte foi notificado da decisão de alteração da matéria colectável, é compatível com qualquer das correntes jurisprudenciais referenciadas. Com efeito, em tal situação, o parâmetro do artigo 268º, nº 2, da Constituição (na versão de 1982) tanto é compaginável com um sistema que faça depender da notificação a validade das operações de liquidação, como com um outro que dela faça depender, apenas, a eficácia. Ou, colocando as coisas de outro modo: tanto monta, nessa mesma situação, para o cumprimento da exigência
constante daquele preceito constitucional, que os prazos de caducidade dos impostos sejam fixados por referência à liquidação, como por referência à notificação dessa liquidação (e do prazo de cobrança).
É certo que os artigos 84º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e 79º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
(IRC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, estabelecem que a liquidação do IRS e do IRC deve ser notificada, dentro do prazo de cinco anos, subsequentes ao da ocorrência do facto gerador do imposto, sob pena de caducidade. Em termos semelhantes, o artigo 33º, nº 1, do Código de Processo Tributário, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março, prescreve que, 'o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu'.
Mas bem vistas as coisas, a solução constante destes recentes diplomas legislativos mostra que o legislador foi sensível à necessidade de o contribuinte ser notificado antes de decorrido o prazo de caducidade. Assim, como foi acentuado, qualquer das soluções acima apontadas é constitucionalmente legítima, desde que, dentro do prazo previsto na lei para a caducidade do direito à liquidação do imposto, tenha havido, como efectivamente sucedeu, uma notificação ao contribuinte da decisão que corrigiu a matéria colectável.
9. A interpretação dada ao artigo 94º do Código da Contribuição Industrial pelo acórdão recorrido também não viola, numa perspectiva diferente da analisada anteriormente, 'o princípio da protecção da confiança', ínsito, como já se referiu, no princípio do Estado de direito democrático, referido nos artigos 2º e 9º, alínea b), da Constituição - princípio que não foi expressamente invocado pelo recorrente, embora este se refira a 'um drástico volte-face jurisprudencial no Supremo Tribunal Administrativo'. De facto, independentemente da questão de saber se o 'princípio da protecção da confiança'
é invocável ou não em face de uma mudança de uma corrente jurisprudencial, é seguro que não pode falar-se aqui da violação da confiança em que os tribunais
(in casu, o Supremo Tribunal Administrativo) não adoptassem uma interpretação diversa da acolhida no acórdão recorrido.
Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o princípio da confiança garante inequivocamente um mínimo de certeza e segurança das pessoas quanto aos direitos e expectativas legitimamente criados no desenvolvimento das relações jurídicas, podendo afirmar-se que, com base em tal princípio, não é consentida uma normação tal que afecte de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar (cfr. os Acórdãos nºs 287/90, 303/90,
339/90, 352/91 e 365/91, publicados no Diário da República, II Série, de 20 de Fevereiro de 1991, I Série, de 26 de Dezembro de 1990, II Série, de 17 de Junho de 1991, II Série, de 17 de Dezembro de 1991, e II Série, de 27 de Agosto de
1991, respectivamente).
Ora, estando-se no domínio do direito fiscal, ramo do direito público enformado pelo princípio de que todos os cidadãos estão obrigados a pagar os impostos que tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se façam nas formas prescritas na lei, a interpretação dada ao artigo 94º do Código da Contribuição Industrial - dando de barato que o
'princípio de protecção da confiança' também possa operar em relação à jurisprudência - não implica manifestamente um sacrifício incomportável e desproporcionado para o recorrente, na sua qualidade de sujeito passivo de uma obrigação tributária. De resto não se pode falar, in casu, de violação de qualquer eventual expectativa a que o recorrente, por escassos dias (a notificação, expedida em 29 de Dezembro de 1987, só chegou ao destinatário em 5 de Janeiro de 1988), pudesse ter formado quanto à caducidade da contribuição industrial respeitante ao ano de 1982.
Há, assim, que concluir pela negação do provimento ao recurso, confirmando-se, pelos fundamentos anteriormente referidos, o acórdão recorrido.
III - Decisão.
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido na parte impugnada.
Lisboa, 8 de Outubro de 1996 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa