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Proc.Nº 647/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente K..., pelo essencial dos fundamentos constantes da exposição do relator de fls. 28 a 34, que obteve a concordância do Ministério Público e à qual o recorrente não respondeu, decide-se não tomar conhecimento o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC's.
Lisboa, 1997.01.14 Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa ACÓRDÃO Nº 7/97 Proc.Nº 647/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. – K... detido no dia 18 de Dezembro de 1995, em Monchique, tendo sido informado que a sua detenção tinha em vista a sua extradição para a Finlândia, veio, em 18 de Julho de 1996, requerer perante o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ), a providência de «Habeas corpus», com a fundamentação que, a seguir, se desenvolve.
No dia 19 de Dezembro, o detido foi presente ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora que procedeu ao seu interrogatório, acto em que lhe deu conhecimento não só do motivo da detenção como também da razão de ser da sua audição, tendo o extraditando declarado não aceitar o pedido de extradição, na sequência do que foi proferido despacho em que o Presidente da Relação confirmou a detenção, continuando detido no Estabelecimento Prisional de
Évora.
2. - Em 12 de Fevereiro de 1996, foi proferido pelo relator o despacho a que se refere o artigo 53º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, nada tendo sido decidido sobre a situação do detido, e, em 13 de Fevereiro de 1996 teve lugar a audiência a que se refere o artigo 56º do Decreto-Lei nº 43/91, sendo certo que o relator do processo é a entidade competente para decidir a detenção, a sua manutenção ou a sua substituição por outras medidas de coacção não detentivas, nos termos do artigo 40º do diploma mencionado.
Por acórdão de 19 de Março de 1996, foi concedida a extradição do requerente para a Finlândia, deferindo-se o pedido formulado pelo Ministério Público, nada tendo aí também sido decidido sobre a situação de prisão do extraditando.
Segundo o requerente, a competência atribuída pelo artigo
66º do Decreto-Lei nº 43/91, ao Presidente do Tribunal da Relação em cuja área a detenção foi efectuada, termina quando tenha sido recebido o processo de extradição (para além de outras situações - artigo 53º, referido).
O requerente considera que se encontra detido ilegalmente desde 12 de Fevereiro de 1996, por ordem de entidade que, a partir de tal data deixou de ser competente, o que sucedeu desde que teve início a fase judicial do processo de extradição, pelo que, ao abrigo do preceituado na alínea a) do nº2 do artigo 222º do Código de Processo Penal (adiante, CPC), requer a concessão da providência de «habeas corpus» - único meio de que dispõe para por cobro a uma situação de detenção que considera ilegal.
Não tendo sido prestada a informação a que se refere o artigo 223º, nº1 do CPC, o STJ apreciou o pedido e, por acórdão de 24 de Julho de 1996, decidiu indeferir a providência requerida por falta de fundamento.
3. - O requerente, notificado do acórdão do STJ, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pretendendo que se aprecie a constitucionalidade da Lei nº 17/90, de 20 de Julho, o Decreto-Lei nº
43/91, de 22 de Janeiro, os artigos 38º, 53º e 66º, deste diploma e do artigo
45º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro.
Importa agora apurar se se pode ou não conhecer do recurso assim interposto.
4. - De acordo com o preceituado no artigo 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Os recursos interpostos ao abrigo da referida alínea b) apenas são admissíveis se, juntamente com outras requisitos, estiverem cumpridos os dois a seguir identificados:
- que a inconstitucionalidade da norma tenha sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo;
- que essa norma terá de vir a ser aplicada na decisão, constituindo um dos seus fundamentos normativos.
Este Tribunal vem entendendo o primeiro dos mencionados requisitos - suscitação «durante o processo» - por forma a que ele deva ser tomado não num sentido puramente formal - tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância -, mas num sentido funcional - tal que a arguição de inconstitucionalidade deverá ocorrer num momento em que o tribunal recorrido ainda pudesse conhecer da questão. Deve, portanto, a questão de constitucionalidade ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, na medida em que se está perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal
«a quo» sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso.
Uma vez que, em regra, o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença e dado que a eventual aplicação de norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade.
Só em casos muito particulares, em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão ou em que por força de preceito específico o poder jurisdicional não se esgote com a decisão final, é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido (cf. por último, sobre esta matéria, o acórdão nº 116/93, de 14 de Janeiro de 1993, ainda inédito e a exposição preliminar que nele se confirmou).
Quanto ao segundo requisito, importa referir que a norma cuja inconstitucionalidade for suscitada durante o processo terá de ser fundamento da decisão, aplicada, em regra, na sequência do não atendimento da arguição de inconstitucionalidade.
Acresce que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada por forma clara e inequívoca, de tal forma que o tribunal perante o qual a questão é levantada não possa deixar de saber que tal questão tem de ser resolvida, pois o recurso de constitucionalidade tem de ser a reapreciação pelo Tribunal Constitucional da questão já anteriormente apreciada pelo tribunal recorrido.
5. - No caso em apreço, é manifesto que o ora recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de constitucionalidade, designadamente dos diplomas e dos preceitos que indica no requerimento de interposição do recurso.
Efectivamente, lendo o pedido de concessão de «habeas corpus», constata-se que a única referência a uma questão de constitucionalidade
é feito com respeito ao artigo 66º nos termos seguintes: '(...) abstraindo do problema do artº 66º do Decreto-lei nº 43/91, presentemente a ser objecto de conhecimento pelo Tribunal Constitucional por força do recurso interposto do acórdão que indeferiu o primeiro «Habeas Corpus» requerido pelo extraditando
(...)'
Face a esta referência, é evidente que não se trata da suscitação de uma questão de constitucionalidade de que o Tribunal possa conhecer, pois é uma questão que já está a ser conhecida noutro processo, não tendo sido levantada nestes autos.
Ao longo de todo o requerimento inicial do pedido de
«habeas corpus» não existe qualquer outra referência a qualquer questão de constitucionalidade, quer se trate de inconstitucionalidade formal, orgânica ou material.
Assim, ainda que algumas das normas referidas no requerimento de interposição do recurso tenham sido utilizadas na decisão, o certo é que durante o processo, com o sentido que o Tribunal vem atribuindo a esta expressão, não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Não está, por isso, verificado um dos requisitos de admissibilidade deste tipo de recurso, pelo que o Tribunal não deve conhecer do seu objecto.
Notifique o teor desta exposição às partes, para, querendo, responderem no prazo de cinco dias.
Lisboa, 1997.10.07 Vitor Nunes de Almeida