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Proc.Nº 650/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1.- A... e mulher M... deduziram, em processo de expropriação, uma reclamação ao abrigo do artigo 52º do Código das Expropriações
(Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro - adiante, CE), tendo interposto recurso para a Relação da parte da decisão que não conheceu da alegação relativa
à questão de caducidade da declaração de utilidade pública.
O Tribunal da Relação resolveu negar provimento ao recurso, confirmando, nessa parte, a decisão recorrida. Inconformados com esta decisão, os reclamantes agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por acórdão de 7 de Dezembro de 1995, decidiu não ser admissível o recurso de decisão que resolva o incidente de reclamação em processo de expropriação.
Com efeito, o STJ entendeu que o nº 6 do artigo 52º do CE ao determinar que 'da decisão cabe sempre recurso para o Tribunal da Relação, o qual sobe imediatamente nos próprios autos e tem carácter urgente', não admite que da decisão que resolve o referido incidente seja possível haver recurso para aquele Tribunal, mas apenas até à Relação, independentemente do valor do processo.
2.- Notificados deste despacho, os reclamantes vieram arguir a nulidade do acórdão, alegando que os respectivos fundamentos estavam em contradição com a deliberação, pois: '(...) há no nosso sistema judiciário 3 graus de jurisdição';no caso, apenas se recorreu 'da 1ª para a 2ª instância e desta para o STJ', não se tratando da questão da indemnização, pelo que 'só se percorreram, por enquanto, 2 graus de jurisdição', assim, está-se a 'vedar o 3º grau de jurisdição neste caso concreto, dizendo que houve arbitragem, quando não existe, pressuposto este que está errado', 'donde, no campo dos princípios VV.Exas afirmam 3 graus de jurisdição, mas na prática só admitem 2 graus (...)'.
Pelo acórdão de 12 de Março de 1996, o STJ decidiu desatender a arguição de nulidade, considerando que os reclamantes, com tal arguição, mais não pretendiam do que uma reapreciação da questão de fundo que fora suscitada e resolvida, reapreciação essa que não é admissível.
3. - Não se tendo conformado com tal decisão, os reclamantes apresentaram um requerimento pelo qual interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
'Mas, não se conformando com os referidos Acórdãos, que violam os princípios e as normas constitucionais, vêm de tais Arestos recorrer para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa.'
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº1) do artigo 70º da Lei nº 28/82,de 15 de Novembro. As referidas inconstitucionalidades foram suscitadas e ajuizadas ao longo do processo.
Sobre este requerimento veio a recair um despacho que não admitiu, por ilegal, recurso de constitucionalidade, referindo-se como fundamentação o facto de o recurso vir interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), sem que, todavia, os reclamantes tivessem suscitado durante o processo qualquer questão de constitucionalidade.
Notificados deste despacho, os expropriados apresentaram uma reclamação para o Tribunal Constitucional, alegando que o inciso «durante o processo» contido no citado artigo 70º não prejudica o presente recurso, pois a inconstitucionalidade feita aqui e agora, dado o caso especial dos autos, é relevante e admissível. E invocando estar-se perante uma decisão surpresa entende que o recurso está bem fundamentado de facto e de direito.
O STJ apreciou a reclamação e, em acórdão de 4 de Julho de 1996, decidiu manter o despacho reclamado .
Recebida a reclamação neste Tribunal, o Ministério Público teve vista dos autos tendo-se pronunciado no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir, corridos que foram os vistos legais.
4. - Nos termos do que se dispõe no artigo 280º, nº1, alínea b), da Constituição e o artigo 70º, nº1, alínea b) da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade tiver sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade deste tipo de recurso depende, da verificação, entre outros, de dois requisitos:
- a inconstitucionalidade da norma deve ter sido suscitada durante o processo pelo recorrente;
- tal norma tem de ser utilizada na decisão como seu fundamento normativo.
O legislador constituinte optou pelo conceito de norma jurídica como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal, em sede de fiscalização de constitucionalidade, pelo que apenas tais normas e não já as decisões judiciais, enquanto tais, constituem objecto da apreciação da sua conformidade à lei fundamental.
Os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões de outros tribunais visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas utilizadas na decisão recorrida, não podendo visar as próprias decisões jurisdicionais (neste sentido, o Acórdão nº 702/96, ainda inédito).
Assim, a questão de constitucionalidade normativa tem de ser suscitada durante o processo, isto é, em tempo de o tribunal poder decidir sobre tal questão pois o recurso não é senão a reapreciação pelo Tribunal Constitucional do decidido em matéria de constitucionalidade , devendo tal suscitação ser feita por forma directa e explícita e em termos perfeitamente perceptíveis indicando a norma que se considera inconstitucional e qual a norma de que decorre tal vício.
A jurisprudência do Tribunal tem vindo a reconhecer que, em casos muito contados, em que a parte não teve possibilidade de deduzir a questão de constitucionalidade, se dispensa a suscitação durante o processo com o sentido que a expressão adquire naquela jurisprudência.
No caso em apreço, é manifesto que os reclamantes não suscitaram, válida e adequadamente, durante o processo, a questão de constitucionalidade de qualquer norma jurídica, limitando-se a alegar unicamente no requerimento de interposição do recurso que '(...) não se conformando com os referidos Acórdãos, que violam os princípios e normas constitucionais, vêm de tais arestos recorrer (...)'.
Ora, não é esta uma forma adequada de suscitar a questão de constitucionalidade.
Assim, é manifesta a falta de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, inexistindo qualquer decisão-surpresa para justificar a eventual dispensa do ónus da atempada alegação dos referidos presupostos.
Não sendo possível a abertura da via de recurso de constitucionalidade por inverificação de alguns dos seus pressupostos, deve desatender-se a reclamação.
5. - Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997 Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves