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Processo nº 323/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A ... e como recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 114 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que mereceu a
'inteira concordância' do recorrido, nada tendo dito o recorrente, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em CINCO unidades de conta. Lx.21.5.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida
Processo nº 323/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A ..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15/11', do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção-2ª Subsecção), de 18 de Janeiro de 1996, que negou provimento ao recurso por ele interposto e confirmou o acórdão do Tribunal Colectivo da 10ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, de 18 de Maio de 1995, que o havia condenado 'na pena de 2 anos de prisão como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 25º-a) do Dec-Lei nº 15/93'.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, diz o recorrente que o acórdão recorrido:
'Deu como interpretação aos artigos 410º e 433º do C.P.P. a seguinte:
'Quanto ao primeiro aspecto, o que o recorrente pretende é discutir a matéria de facto e isso escapa à competência do Tribunal de revista, mesmo alargado'
Ora a interpretação dada a este preceito viola os artigos 12º, 13º, 32º nº 1 e 5 e 212º nº 5 todos da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado a interpretação dada ao nº 2 do artº 374º do C.P.P., a que
'bastando uma indicação das fontes das provas que tiveram a virtualidade de servir para a formação de tal convicção', é inconstitucional por violar o preceituado nos artigos 32º da C.R.P.'.
Invoca ainda nesse requerimento que 'não suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas apontadas em peças processuais anteriores porquanto só nesta fase se suscitou esta questão'.
2. Vindo o recurso interposto 'ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15//11' e confessando o recorrente que a questão da inconstitucionalidade das citadas normas do Código de Processo Penal não foi suscitada em 'peças processuais anteriores', ou seja, não foi suscitada na motivação do recurso interposto por ele para o Supremo Tribunal de Justiça - o que facilmente se alcança da leitura dessa motivação -, tudo está em saber se lhe era ou não exigível tal suscitação perante aquele Supremo, se tinha ou não de cumprir nesse momento o ónus de adoptar uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional (na terminologia do recente acórdão nº 559/96).
Lê-se nesse acórdão:
'O recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo', pressupõe a exaustão prévia dos recursos ordinários e ainda que a parte haja suscitado a questão de constitucionalidade antes da decisão recorrida e que nesta se aplique a norma (ou normas) sobre que incide a mesma questão.
Na norma do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro [e na que lhe corresponde, do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição], a locução 'durante o processo' exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa. Aí, a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o 'feito submetido a julgamento' (CRP, artº
207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O 'interesse pessoal na invalidação da norma' (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.
E é com esta leitura do sistema de controlo concreto das normas e, em particular, do enunciado do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, que o Tribunal Constitucional vem fixando o sentido da locução 'durante o processo'. Esse sentido - afirma-se em jurisprudência pacífica e reiterada - é um sentido funcional, que não formal: a inconstitucionalidade há-de ter sido suscitada não depois se haver esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria, até à extinção da instância, mas em momento em que o tribunal da causa pudesse ainda conhecer da questão (cf., entre outros, os acórdãos nºs 62/85, 90/85, 94/88,
479/89, D.R., II Série, de, respectivamente, 31-5-1985, 11-7- -1985,
22-8-1988, 24-4-1992, e os acórdãos nºs 439/89 e 253/93, inéditos).
Porque é assim, porque a suscitação da inconstitucionalidade não pode ser feita
'ex post factum', ela não se constitui em regra como pressuposto de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, quando teve lugar em incidentes pós-decisórios, como os de aclaração ou de arguição de nulidade das decisões judiciais. Em tais momentos, por princípio, já está esgotado o poder jurisdicional do juiz a quo sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade. Na verdade, como se mostrou nos acórdãos nºs. 62/85 e 90/85 (cits.), 'o pedido de aclaração de uma sentença ou acórdão ou a arguição da sua nulidade não são meios idóneos para suscitar - em vista de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional - uma questão de constitucionalidade'. É que a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui em si erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua.
O pressuposto da suscitação da questão 'durante o processo', faz, pois, recair sobre as partes o ónus de adoptarem uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.'
Ora, os autos mostram que o recorrente fundou a motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, inter alia, na invocação do artigo 410º do Código de Processo Penal, a propósito, nomeadamente, da valoração da prova, e na invocação do artigo 374º, nº 2, do mesmo Código, quanto à fundamentação do acórdão condenatório do Tribunal Colectivo.
Mas não arguiu nenhuma questão de inconstitucionalidade a respeito dessas normas, nem indicou o sentido ou a interpretação com que, em seu entender, elas deveriam ser aplicadas conformemente à Lei Fundamental (sendo certo que a propósito do artigo 410º, não podia o recorrente ignorar a sua conjugação com o artigo 433º, do citado Código, relativamente aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, o que é matéria que vem sendo tratada por este Tribunal Constitucional - cfr. acórdãos nºs 635/94 e 55/95, entre outros.
Vale isto por dizer que o recorrente não cumpriu, como se lhe impunha, 'o ónus de adoptar uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional', a respeito de normas do Código de Processo Penal que agora - e só agora - pretende questionar numa perspectiva da sua conformidade com a Constituição. E, de todo em todo, não é uma situação excepcional, em que se possa falar em 'surpresa' com a interpretação dada judicialmente a certa norma, pois, aqui, a posição do Supremo Tribunal de Justiça adequa-se à interpretação e aplicação correntes das normas em causa (cfr. o acórdão deste Tribunal Constitucional nº 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992).
De tudo resulta que, por faltar o pressuposto da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade.
3. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro. Guilherme da Fonseca