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Proc. nº 280/94
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. J... propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma
acção emergente de contrato individual de trabalho contra CTM - Companhia
Portuguesa de Transportes Marítimos, E.P., em Liquidação, pedindo que esta fosse
condenada a reconhecer um crédito do autor, no montante de 735.959$00, e que tal
crédito fosse incluído no mapa a que se refere o artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei
nº 137/85, de 3 de Maio, para ser graduado no lugar que lhe competisse.
2. Por decisão de 13 de Abril de 1993, julgou-se
verificada a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria,
absolvendo-se a ré da instância.
3. Desta decisão interpôs o autor recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 15 de Dezembro de 1993, foi negado
provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
4. Deste acórdão foi então interposto pelo autor recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 4 de Maio de 1994, foi negado provimento
ao recurso, decidindo-se também aí que o tribunal competente para conhecer da
causa, em razão da matéria, era o Tribunal Cível de Lisboa.
Na respectiva fundamentação acolheu-se a solução da
jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional a
norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85 (bem como norma idêntica do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, relativo à extinção da CNN - Companhia
Nacional de Navegação, E.P.), por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º
da Constituição, mas desse juízo de inconstitucionalidade deduziu-se que a
questão de competência em razão da matéria se deveria dirimir segundo o disposto
no artigo 43º, nº 4, do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que se entendeu
não ter sido revogado pela Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos
Tribunais Judiciais). Esse preceito, integrado no regime de liquidação de
empresas públicas, atribuía competência para conhecer pretensões dos credores
aos 'tribunais comuns', que se entendeu serem os tribunais de competência
genérica ou os tribunais cíveis, onde estes existissem, de acordo com a
organização judiciária.
5. Desta decisão foi interposto pelo Ministério Público
o presente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 280º,
nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nºs 1, alínea
a), e 3, da Lei do Tribunal Constitucional, invocando ter havido recusa de
aplicação pelo tribunal a quo da norma constante do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, com fundamento em inconstitucionalidade.
Pelo autor foi também interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, mas tal recurso foi julgado deserto por falta de alegações.
Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público
apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
'1º - Os acórdãos nºs 270/93, 271/92, 164/93, 410/93, 519/93 e 151/94, ao
julgarem inconstitucionais as normas - absolutamente idênticas - constantes do
artigo 8º, nº 1, dos Decretos-Leis nºs 137/85 e 138/85, de 3 de Maio, quando
interpretadas no sentido de que os tribunais comuns de que aí se fala são os
tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de relações
laborais, não decretaram a inconstitucionalidade 'in totum' de tais preceitos
legais, mas apenas de certa e determinada interpretação dos mesmos.
2º - Deverá, pois, a norma constante do artigo 8º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 137/85 ser interpretada e aplicada pela ordem dos tribunais
judiciais em conformidade com o sentido, constitucionalmente conforme à
Constituição da República Portuguesa, e implícito naquelas decisões, de que os
tribunais comuns aí referidos são os que se configuram como competentes, atenta
a matéria da causa e a repartição da competência entre os tribunais de
competência especializada existentes, face à Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais - ou seja, os tribunais do trabalho.
3º - Nestes termos, deverá ser julgado proce-dente o presente
recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o
juízo de constitucionalidade da norma desaplicada, com o sentido atrás
atribuído.'
Por sua vez, a recorrida produziu também alegações,
concluindo deste modo:
'1 - O art. 43º, nº 4, do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por ser
anterior à Constituição, não pode ter violado a regra de competência do seu art.
168º, nº 1, al. q).
2 - Da aplicação desse preceito do Decreto-Lei nº 260/76 também não
decorre qualquer contradição com a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, uma vez que
desta não resulta qualquer intenção revogatória daquele preceito especial.
3 - A subsistência desta norma especial do Decreto-Lei nº 260/76 (a
par das do CPC que asseguram o princípio da plenitude da instância falimentar)
em nada afecta a unificação da organização judiciária, prosseguida pela Lei nº
82/77, antes se mostra em maior conformidade com essa unificação.
4 - A subsistência deste mesmo preceito, inter-pretada nos termos do
douto Acórdão do STJ, não fere directa ou indirectamente qualquer norma ou
princípio da Constituição, nem importa qualquer juízo quanto à conformidade ou
desconformidade constitucional do art. 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3
de Maio, em qualquer dos seus entendimentos possíveis.
Termos em que, com o douto suprimento deve negar‑se provimento ao
presente recurso (...).'
6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Fundamentação
7. O presente recurso enquadra-se efectivamente na
previsão dos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea
a), da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que foi devidamente interposto.
Vejamos.
A decisão recorrida teve em conta o juízo de
inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de
Maio, formulado pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta,
através do Acórdão nº 270/93, de 30 de Março de 1993 (inédito). Aí se julgou
inconstitucional, por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição, na versão de 1982, a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que os tribunais comuns de que
aí se fala são os tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de
relações laborais. E norma idêntica do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio,
relativo à extinção da CNN - Companhia Nacional de Navegação, E.P., foi objecto
de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral através do
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 151/94 (Diário da República, I-A, de 30 de
Março de 1994), quanto à interpretação de que os tribunais comuns a que se faz
referência no nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85 são os tribunais
cíveis.
Esse juízo de inconstitucionalidade apenas se referiu a
uma certa interpretação da norma em apreço, pelo que tal norma não foi
inconstitucionalizada no seu todo, sendo de conceber outra interpretação
conforme à Constituição. Porém, a decisão recorrida fundamentou-se na aplicação
do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, o que pressupõe a
desaplicação in toto do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85.
Isto significa que na decisão recorrida se estendeu o
juízo de inconstitucionalidade acerca de uma determinada interpretação do nº 1
do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85 a outra qualquer interpretação dessa
norma, concretamente àquela segundo a qual a expressão 'tribunais comuns'
mencionada nessa norma se refere, quando estejam em causa créditos laborais, aos
'tribunais do trabalho'. Ou seja, considerou-se, ainda que implicitamente, como
inconstitucional essa norma na sua globalidade.
Houve, assim, na decisão recorrida, uma recusa implícita
de aplicação de uma norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade. O que
cabe na previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional.
8. Uma vez que a decisão recorrida desaplicou, como se
viu, a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85 na interpretação de
que os 'tribunais comuns' ali mencionados são os 'tribunais do trabalho',
constitui afinal objecto do presente recurso a questão da constitucionalidade da
aludida norma nessa interpretação.
9. Ora, resultava já da fundamentação dos citados
Acórdãos nºs 270/93 e 151/94 (e dos que serviram de fundamento a este último:
Acórdãos nºs 271/92, 164/93, 410/93 e 519/93, os dois primeiros publicados no
Diário da República, II, de 23 de Novembro de 1992 e 10 de Abril de 1993,
respectivamente) que era conforme à Constituição a interpretação segundo a qual
os 'tribunais comuns' mencionados nos nºs 1 dos artigos 8ºs dos Decretos-Leis
nºs 137/85 e 138/85, quando estivessem em causa créditos oriundos de relações
laborais, correspondiam aos 'tribunais do trabalho', os quais foram, com a Lei
nº 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), integrados na
ordem judiciária comum, como tribunais judiciais de primeira instância de
competência especializada.
10. Por sua vez, a questão de constitucionalidade do nº
1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85 foi objecto do recente Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 163/95, de 29 de Março de 1995, tirado em plenário,
nos termos do artigo 79º-A da Lei do Tribunal Constitucional, que estabeleceu
doutrina orientadora para a jurisprudência do Tribunal, a qual vale também para
o nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, em face da identidade de normas.
Aí se decidiu que a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85 não é
inconstitucional 'com o sentido de que a expressão tribunais comuns constante de
tal preceito deve, após a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, e quando estejam em
causa créditos oriundos de relações laborais, entender-se como correspondendo
aos tribunais do trabalho'.
11. Há, assim, que aplicar ao caso sub judicio a solução
adoptada naquele Acórdão nº 163/95, para cujos fundamentos se remete.
Deve, pois, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85
ser interpretado e aplicado nos autos com o sentido, considerado conforme à
Constituição, de que os 'tribunais comuns' mencionados naquele preceito, após a
Lei nº 82/77 e quando estejam em causa créditos emergentes de relações laborais,
são os tribunais do trabalho e não os tribunais cíveis.
Esta interpretação da norma é vinculativa para o
tribunal recorrido, nos termos do nº 3 do artigo 80º da Lei do Tribunal
Constitucional.
III
Decisão
12. Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao
recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, que deve ser
reformulado por forma a aplicar no julgamento do recurso a norma do artigo 8º,
nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com o sentido de que a expressão
tribunais comuns constante de tal preceito deve, após a Lei nº 82/77, de 6 de
Dezembro, e quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais,
entender-se como correspondendo aos tribunais do trabalho.
Lisboa, 16 de Maio de 1995
Ass) Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa