Imprimir acórdão
Proc. nº 112/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - Em autos de expropriação litigiosa, por utilidade pública
urgente, relativos a uma parcela de terreno situada no Largo de Paranhos, Porto,
instaurados no 2º Juízo do Tribunal Cível da comarca do Porto, em que figuram
como expropriante a Câmara Municipal do Porto e como expropriados L... e marido
, por sentença de 27 de Setembro de 1993, foi fixada em 55.100.272$00 o valor da
indemnização a pagar pela entidade expropriante.
Na parte que aqui importa reter, foi esta decisão assim
fundamentada:
'O artº 28º do C. Expropriações (DL nº 845/76, de 11 de Dezembro), quando no
seu nº 1 prescreve que a justa indemnização não visa alcançar o benefício
alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado
advém da expropriação, vem consagrar o princípio geral de que no cálculo da
indemnização não podem ser tomados os benefícios alcançados pelo expropriante,
mas tão-só os danos suportados pelo expropriado.
E a segunda parte da disposição legal em apreço, que preceitua que o
prejuízo do expropriado se mede pelo valor real e corrente dos bens
expropriados, permite precisar que a obrigação de indemnização não se confunde
com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos
ilícitos ou pelo risco, a qual abrange todos os danos patrimoniais sofridos pelo
lesado de sorte a ficar colocado na situação em que estaria se a lesão não
tivesse tido lugar.
Assim, o dever de indemnizar na expropriação apenas engloba a compensação
pela perda patrimonial suportada, de modo a criar para o lesado uma nova
situação patrimonial correspondente e de igual valor.
Como refere Alves Correia em `As garantias do particular na expropriação por
utilidade pública', pág. 130, a indemnização atribuída ao expropriado
correspondendo ao valor do mercado do bem, vem a significar que àquele é apenas
dada a possibilidade de `poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie ou
qualidade, um objecto equivalente'.
Face a esses princípios gerais das indemnizações nas expropriações,
consignadas no artº 28º do C.Expropriações - princípios estes que não são mais
do que a explicitação do princípio geral de que o expropriado tem direito a
receber uma justa indemnização (artº 27º, nº 1 do citado Código), princípio
geral consagrado constitucionalmente (artº 62º, nº 1, da CRP) - o único e
exclusivo critério a utilizar para cálculo da indemnização será o de atender ao
valor real e corrente do bem no mercado.
Serão estes critérios a observar na atribuição da indemnização, aliás na
sequência da declaração de inconstitucionalidade do artº 30º do C.Expropriações
pelo Tribunal Constitucional - Acórdãos de 8 Jun. 88 e de 7 Mar. 90, publicados,
respectivamente, na IIª Série do DR, de 29 Jun. 88 e de 30 Mar. 90 -
jurisprudência consagrada no novo C.Expropriações, aprovado pelo DL nº 438/91,
de 9 de Novembro, como se pode constatar do respectivo preâmbulo.
O princípio da justa indemnização tem de ser visto em concreto e à luz dos
diferentes interesses a conjugar, devendo o expropriado receber aquilo que
conseguiria obter pelo seu bem, se não tivesse havido a expropriação'.
*///*
2 - Inconformados com o assim decidido levaram os expropriados
recurso ao Tribunal da relação do Porto, que, por acórdão de 6 de Dezembro de
1994, lhe negou provimento, confirmando a sentença recorrida.
Para tanto, além de outros, suportou-se este acórdão nos fundamentos
seguintes:
'Não tem merecido reparos o critério legal da avaliação dos solos urbanos em
função de uma percentagem do valor da construção para que sejam aptos.
Critério qualitativamente correcto, por razão semelhante ao adoptado para a
determinação do valor dos solos de outra natureza, como os agrícolas - o da
produtividade dos solos: nos solos urbanos `produzem-se' construções.
Quantitativamente, não há também reparos:
- o valor deve ser proporcional à produtividade. No caso, o volume das
construções edificandas.
É corrente a adopção do critério, nas transacções destes terrenos. Os
proprietários são muitas vezes pagos segundo uma proporção da construção
edificanda.
Já a limitação quantitativa a um máximo pode revelar-se em discordância do
valor real e corrente desses imóveis, com ofensa do princípio constitucional da
justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos,
impondo-se ao expropriado um dano ou sacrifício patrimonial não exigido aos
sujeitos não expropriados (Por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 30
de Março de 1993 - D.R. II série de 5 de Agosto de 1993)'.
.............................................................
'Sumário:
a - a avaliação dos terrenos para construção segundo a sua produtividade
como tal, em proporção à respectiva edificabilidade é a ratio legis do artº 33º
do DL 845/76: nesses terrenos `produzem-se' edificações;
b - mas a introdução de limitações quantitativas, como a prevista no artº
33º nº 1 do Decreto-Lei nº 845/76 de 11 de Dezembro, susceptíveis de distorcer
aquela proporção, conduzindo a valor abaixo do real e corrente, ofende o
disposto nos artºs 13º e 62º, nº 2 da CR;
c - a relação percentual entre o valor das construções edificandas e o do
respectivo terreno é variável em cada caso e tem de resultar da matéria de
facto.
d - ao apelante expropriado cabe o ónus de fundamentar nas alegações a
invocada inadequação da percentagem indicada pelos peritos;
e - são diferentes questões, a referida na antecedente alª c) e a da lei
aplicável à expropriação;
f) a lei aplicável à indemnização por expropriação é a vigente à data do
acto da expropriação.'
*///*
3 - Ainda inconformados, trouxeram os expropriados os autos em
recurso a este Tribunal, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas
b) e f) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de
Setembro (Lei do Tribunal Constitucional), em ordem à apreciação da
inconstitucionalidade da norma do artigo 33º, nº 1 do Decreto-Lei nº 845/76, de
11 de Dezembro (Código das Expropriações), indicações estas prestadas na
decorrência da notificação que lhes foi feita em conformidade com o preceituado
no artigo 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional.
Nas alegações entretanto produzidas, sustentaram os recorrentes que
'a norma do nº1 do artigo 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo DL
845/76, de 11 de Dezembro, na parte em que determina que o valor dos terrenos
situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de
15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, é
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 62º, nº 2 e 13º, nº 1, da
C.R.P.'.
Contralegando, a Câmara Municipal do Porto, veio peticionar o
improvimento do recurso e a confirmação do acórdão recorrido.
Dispensados os vistos pelo relator, cabe gora apreciar e decidir.
*///*
II - A fundamentação
1 - Como resulta dos desenvolvimentos antecedentes, o objecto do
presente recurso é constituido pela questão da constitucionalidade da norma do
nº 1, do artigo 33º, do Código das Expropriações de 1976, na parte em que
estabelece uma limitação quantitativa na determinação do valor dos terrenos
expropriados.
Esta norma dispõe da seguinte formulação:
Artigo 33º
1. O valor dos terrenos situados em aglomerado urbano será calculado nos
termos dos artigos 27º e 28º, mas não poderá exceder, em qualquer caso, o valor
de 15% do custo provável da construção que neles seja possível, determinado nos
termos seguintes:
a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou
construções que será possível erigir no terreno, num aproveitamento
economicamente normal, no estado actual, em face do desenvolvimento local e dos
regulamentos em vigor, não devendo ter-se em conta, para o efeito, quaisquer
projectos, planos ou estudos que por alguma forma alterem essa possibilidade;
b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno,
pelo custo médio correspondente ao tipo de construção e à região;
c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas
especiais condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será
abatida ao valor máximo a atribuir ao terreno.
................................................... ......
Pronunciando-se sobre esta norma, o Tribunal Constitucional firmou,
em diversos arestos, um entendimento jurisprudencial uniforme e reiterado, no
sentido da sua ilegitimidade constitucional (cfr. por todos os acórdãos nºs
108/92 e 264/93, Diário da República, II série, respectivamente, de 15 de Julho
de 1992 e 5 de Agosto de 1993).
E os recorrentes, atendo-se ao sentido argumentativo e decisório
dessa jurisprudência, para além de terem suscitado a inconstitucionalidade
daquela norma, impetram também a revogação do acórdão recorrido, com base no
entendimento de que nele se fez aplicação de um segmento normativo eivado do
vício de inconstitucionalidade.
Mas será efectivamente assim?
*///*
2 - Como é sabido, o legislador constituinte elegeu como elemento
identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em
matéria de fiscalização da constitucionalidade - artigos 278º, 280º e 281º da
Constituição - o conceito de norma jurídica pelo que, apenas estas, e não já as
decisões judiciais em si mesmas consideradas, podem ser objecto de sindicância
nesta sede, na qual se incluem os processo de fiscalização concreta de
constitucionalidade.
Com efeito, o âmbito do recurso para este Tribunal acha-se
circunscrito à questão de constitucionalidade, apenas podendo ter por fundamento
a não inconstitucionalidade da norma julgada inconstitucional na decisão
recorrida ou a inconstitucionalidade da norma não julgada inconstitucional.
Vale isto por dizer que não se recorre do mérito da sentença, nem
está em causa a eventual inconstitucionalidade das próprias decisões judiciais;
recorre-se, sim, do julgamento pelo juiz a quo, de uma ou várias normas
relevantes para o caso, como inconstitucionais ou não inconstitucionais, com a
subsequente desaplicação ou aplicação na resolução da causa. (cfr. neste
sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3ª ed., 1993, p. 1018)
Ora, sendo certo que no acórdão recorrido, se faz referência ao
preceito do artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, não menos
certo é que logo ali se adverte para o facto de a 'introdução de limitações
quantitativas' como as previstas naquela norma ofenderem 'o disposto nos artigos
13º e 62º, nº 2, da Constituição'.
Quer isto dizer que o Tribunal da Relação - como aliás o tribunal de
1ª instância em cuja decisão se contém uma referência similar à
inconstitucionalidade daquele mesmo dispositivo - no julgamento da relação
jurídica substancial que lhe foi submetida pela via do recurso, ao proceder à
determinação do valor indemnizatório correspondente à parcela expropriada, não
fez aplicação, no quadro da respectiva fundamentação normativa, de parte da
estatuição contida naquele preceito que ali se teve por inconstitucional.
Com efeito, resulta da linha argumentativa do acórdão recorrido, que
nele se rejeitou a aplicação da regra limitativa do valor da indemnização
contida no artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, com fundamento
em inconstitucionalidade.
Ora, por não se inscrever no âmbito dos seus poderes de cognição,
não compete a este Tribunal sindicar o mérito das decisões recorridas, em si
mesmas consideradas, nomeadamente os critérios nelas utilizados referentemente à
tradução e concretização dos preceitos ali convocados como seu fundamento
jurídico-normativo.
E assim sendo, porque a norma cuja inconstitucionalidade foi
suscitada pela recorrente - nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de
1976, na parte em que colide com o disposto no texto constitucional -, não foi
aplicada pela decisão impugnada, não se tem por verificado um dos pressupostos
de admissibilidade do recurso, qual seja a suscitação da questão de
inconstitucionalidade de uma norma que venha depois a ser aplicada como
fundamento normativo na decisão da causa, dele não podendo, consequentemente,
tomar-se conhecimento.
*///*
III - A decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 27 de Junho de 1995
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa