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Procº nº 86/93 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A propôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização pelos danos emergentes do despacho ministerial que, em processo disciplinar, lhe havia imposto a pena de aposentação compulsiva e que veio a ser anulado, por vício de forma, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, transitado em julgado em 4 de Julho de 1989.
O Mmº Juiz daquele tribunal, em sentença de 16 de Janeiro de 1992, julgou verificada a excepção peremptória de prescrição, oportunamente invocada pelo réu na contestação, absolvendo, consequentemente, o Estado do pedido.
2. Inconformado com esta decisão, recorreu o autor para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, nas respectivas alegações, suscitado, inter alia, a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovada pelo Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho) - norma ao abrigo da qual havia sido considerada procedente a excepção de prescrição do direito à indemnização -, por violação dos artigos 22º e 168º, nº 1, alínea t), da Constituição (versão de 1982).
O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 13 de Outubro de
1992, negou, porém, provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
3. Deste aresto interpôs o autor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), tendo como objecto a questão da constitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Nas alegações produzidas neste Tribunal, conclui o recorrente do seguinte modo:
1- À data da emissão dos artºs 22º e 168º, nº 1, t), segunda parte, da Constituição (versão da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro), a responsabilidade extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público, no domínio dos actos de gestão pública, encontrava-se basicamente sediada no Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
2- Face àqueles preceitos da Lei Básica deixou de estar à disposição do Governo, salvo se para tanto autorizado pela Assembleia da República, alterar o 'regime' do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 - 'regime' de que, lógica e coerentemente, é ingrediente o prazo prescricional do artº 498, nº
1, do Código Civil, 'ex vi' da norma (de 'remissão', 'reenvio' ou 'devolução') que é o artº 5º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de
1967.
3- O artº 71, nº 3, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho ('Lei de Processo nos Tribunais Administrativos'), na interpretação e aplicação que dele fez o douto acórdão recorrido, colide com o 'regime' (no aspecto sob observação) do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 (artº 5º, nº 1, com o conteúdo do artº 498º, nº 1, do Código Civil).
4- Assim, na interpretação e aplicação que dele foi feita o artº
71º, nº 3, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho ('Lei de Processo nos Tribunais Administrativos'), porque tomado sem credencial parlamentar, enferma de inconstitucionalidade orgânica originária (artºs. 3º, nºs 2 e 3, 22º, 168º, nº 1, t), e 277º, nº 1, da C.R.P.).
5- Destarte, o douto acórdão sob recurso, salvo o merecido respeito, não fez bom julgamento [artº 207º da Constituição, e artº 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril ('Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais')].
Por sua vez, o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal Constitucional, em representação do Estado, rematou as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1º- A definição do regime da interrupção da prescrição da responsabilidade civil da Administração por actos lícitos de gestão pública, em termos inovatórios relativamente ao direito civil subsidiariamente aplicável, insere-se no âmbito da reserva de competência da Assembleia da República, decorrente do preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea u), parte final, da Constituição, carecendo, consequentemente de ser efectivada através de diploma autorizado pelo parlamento.
2º- A eliminação, por inconstitucionalidade orgânica, do preceituado no artigo 71º, nº 3 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos faz ressurgir toda a latitude interpretativa consentida pelo artigo 323º, nº 1, do Código Civil, competindo aos Tribunais Administrativos definir se a interposição de recurso contencioso de anulação do acto administrativo a que se imputam os danos se pode configurar como prática de um 'acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito' de indemnização.
3º- Tendo, no presente processo, o Supremo Tribunal Administrativo decidido já que a interposição do recurso contencioso de anulação não é susceptível de interromper o prazo prescricional do direito à indemnização em causa, fixando inclusivamente a data em que considera consumada a prescrição, se não ocorresse a prorrogação decorrente da aplicação do referido artigo 71º, nº
3, verifica-se inutilidade na apreciação da questão de constitucionalidade suscitada, por a mesma não ter efectiva repercussão no sentido e conteúdo da decisão recorrida.
4. Notificado para responder à questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, manifestou-se o recorrente no sentido da sua improcedência, afirmando que há utilidade na apreciação da questão de constitucionalidade, pois, clarificada uma das linhas argumentativas adoptadas no aresto sob censura, 'o processo baixará, abrindo-se espaço (cfr. o que se precipita no artº 75º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção) para que o Recorrente, com fundamento em oposição de julgados no contencioso administrativo, recorrer do aresto da 1ª Secção do Venerando Tribunal Administrativo (cfr. artº 103º da 'Lei de Processo nos Tribunais Administrativos'), relativamente à outra linha argumentativa'.
5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir, começando por analisar a questão prévia conducente ao não conhecimento do presente recurso suscitada pelo Exmº Procurador--Geral Adjunto.
II - Fundamentos
6. O artigo 71º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos dispõe que 'o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública,incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artigo 498º do Código Civil'. Por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito - a norma aqui questionada - tem o seguinte conteúdo:
'Quando o direito a que se refere o número anterior resultar da prática de acto cuja legalidade seja impugnada contenciosamente, a prescrição não terá lugar antes de decorridos seis meses sobre o trânsito em julgado da respectiva sentença'.
Segundo o recorrente, o Governo, ao estabelecer neste preceito um regime de prescrição diferente do consagrado no artigo 5º do Decreto- Lei nº 48
051, de 21 de Novembro de 1967, sem estar munido de uma autorização legislativa, invadiu a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, constante da alínea t) do nº 1 do artigo 168º da Constituição [na versão de
1982, a que corresponde, após a Revisão de 1989, a alínea u) do nº 1 do mesmo artigo].
7.1. O acórdão aqui sob recurso começou por considerar assente a seguinte matéria de facto:
'a) por despacho de 21 de Maio de 1986 do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação foi, na sequência de processo disciplinar oportunamente instaurado, aplicada ao autor a pena de aposentação compulsiva;
b) desse despacho tomou o A., ora recorrente, conhecimento em 20 de Junho de 1986;
c) inconformado, interpôs o A. - do mesmo despacho punitivo - recurso contencioso para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo;
d) por acórdão de 15 de Junho de 1989 proferido no recurso nº 24 311 e transitado em julgado em 4 de Julho de 1989, foi decretada a anulação daquele despacho com base em vício de forma decorrente de nulidade insuprível, traduzida na falta de audiência do arguido;
e) em 3 de Janeiro de 1990 foi instaurada a presente acção no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, tendo o A. requerido, na parte final da respectiva petição, que a citação do Réu Estado se fizesse 'previamente
à distribuição'.
f) a acção foi distribuída em 4 de Janeiro de 1990 e a citação do réu teve lugar em 5 de Janeiro de 1990'.
7.2. Após analisar as normas jurídicas aplicáveis, pondera o acórdão recorrido: 'Ora - voltando à hipótese dos autos - provado que se encontra que o suposto lesado tomou conhecimento do acto punitivo na data de 20 de Junho de 1986 (é irrelevante para este efeito o conhecimento da extensão integral dos presumíveis danos, por força do disposto no nº 1 do referido artigo
498º do Código Civil), o direito à indemnização prescreveria, em abstracto, em
20 de Junho de 1989.
E dizemos prescreveria caso não fosse de aplicar - como realmente é
- à situação em apreço o estatuído no nº 3 do supra citado artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Por força desta norma, o supra aludido prazo prescricional de 3 anos suporta, no que tange ao respectivo 'dies ad quem', uma suspensão por 6 meses no seu termo, a contar do trânsito em julgado do acórdão anulatório do acto lesivo - pelo que, em obediência a este artigo, o prazo prescricional em apreço diferir-se-á para o dia 4 de Janeiro de 1990, uma vez que tal acórdão havia transitado em julgado em 4 de Julho de 1989'.
7.3. Depois de considerar que a introdução daquele preceito visou pôr termo à controvérsia sobre se a pendência do recurso contencioso interrompe o prazo prescricional em curso, o acórdão recorrido contradita a interpretação do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos proposta pelo recorrente, defendendo que a própria letra do preceito claramente inculca que o início do prazo prescricional antecede a prolação da decisão no recurso de anulação: E acrescenta em apoio desta tese: 'Se o legislador tivesse pretendido arvorar a data do trânsito em julgado da decisão anulatória como 'dies a quo' da contagem de um segundo prazo prescricional de 3 anos - decorrente de eficácia interruptiva da simples interposição do recurso contencioso - certamente o teria feito expressamente; mas então, revelar-se-ia como totalmente absurda a fixação de um termo suspensivo inicial de 6 meses nessa contagem, sem dúvida determinado não só pela necessidade de prevenir as eventuais delongas do processo de recurso contencioso, como ainda pelo propósito de assegurar ao lesado um razoável período de reflexão acerca dos contornos da decisão judicial e das respectivas virtualidades em termos indemnizatórios. Poderia então perguntar-se: se o lesado já dispunha de mais 3 anos para exercitar o seu direito à indemnização, para quê conceder-lhe 3 anos e 6 meses?'
7.4. Por fim, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Outubro de 1992 julgou improcedente a arguição de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 71º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, já que, ao editá-la, 'o governo em nada veio alterar, quer quanto ao regime legal, quer quanto aos pressupostos substantivos, o direito anterior' - limitando-se a 'regulamentar processualmente o exercício do direito à indemnização, nos casos de utilização pelo interessado do recurso contencioso tendente à apreciação da legalidade do acto alegadamente ilícito e danoso'.
'Na realidade, antes da introdução de tal preceito eram legítimas as dúvidas sobre se a interposição do recurso contencioso possuía ou não virtualidade para funcionar como facto interruptivo da prescrição, para os efeitos do artigo 323º do Código Civil, dúvidas agora resolvidas com tal precisão legislativa'.
E acrescenta-se: 'Longe de pretender restringir ou ampliar qualquer direito, foi preocupação do legislador assegurar um cabal e efectivo exercício desse direito, funcionando o preceito em análise como meramente esclarecedor e regulamentador', não inovando, consequentemente, quanto à ordem jurídica pré-existente.
'Observando a regulamentação operada sob o ponto de vista dos interesses dos administrados, e sob o prisma da sua mais eficaz exercitação em juízo, registe-se que à míngua de uma disposição como a do nº 3 do artigo 71º citado, o direito do ora recorrente teria prescrito logo em 20 de Junho de
1989, 'terminus ad quem' que, por força do mesmo preceito, ficou diferido para 4 de Janeiro de 1990'.
Termina o acórdão recorrido concluindo que o Governo não carecia de obter autorização legislativa, nos termos do artigo 168º, nº 1, alínea u), da Constituição, para editar uma norma jurídica que, como sucede no caso, mantenha imutáveis os pressupostos e o regime da responsabilidade civil da Administração, tal como o respectivo prazo prescricional, limitando-se a transferir, num caso particular, o termo deste para data ulterior à que resultaria da aplicação do regime geral.
8. Ao suscitar a questão prévia consistente na falta de utilidade do presente recurso de constitucionalidade, salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal:
'... O único e exclusivo objecto deste recurso é apreciar se o regime contido no referido artigo 71º, nº 3, se deverá ou não qualificar como respeitando ao estabelecimento da 'responsabilidade civil da Administração', para os efeitos decorrentes do estatuído no artigo 168º, nº 1, alínea u), parte final, da Constituição da República Portuguesa - de modo a concluir se o Governo estava ou não legitimado para editar tal norma sem a respectiva autorização parlamentar.
A que conduziria, pois, a verificação da pretendida inconstitucionalidade orgânica, invocada pelo recorrente? À eliminação deste regime e à pura e simples vigência do que decorreria da aplicação do artigo 498º do Código Civil.
Ora, o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu expressamente no acórdão recorrido que, na sua interpretação dos factos e do direito aplicável, o prazo prescricional que decorreria da aplicação deste preceito da lei civil terminaria em 20 de Junho de 1989, logo largos meses antes de a acção ter sequer dado entrada em juízo!
Ou seja: a verificação da inconstitucionalidade orgânica invocada pelo recorrente levaria a concluir que o direito teria prescrito, não por um lapso de um dia, mas por uma diferença de vários meses... O que é perfeitamente compreensível, se considerarmos que, como refere o acórdão recorrido, o preceito legal questionado foi introduzido afinal, no interesse e para tutela dos administrados.
Deste modo, afigura-se-nos que a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente não é susceptível de ter qualquer influência ou repercussão no sentido e conteúdo da decisão de mérito proferida, tendo o próprio Supremo Tribunal Administrativo já prevenido expressamente qual seria a solução jurídica do pleito se, porventura, se não aplicasse o referido nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos'.
9. A questão prévia suscitada pelo representante do Ministério Público não deve ser atendida, já que uma eventual decisão deste Tribunal no sentido da inconstitucionalidade norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos poderá ter efeito útil na resolução da questão de fundo. Vejamos porquê.
9.1. Como se viu, o acórdão recorrido entendeu que, no caso de inexistir a norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o direito à indemnização do recorrente teria prescrito no dia
20 de Junho de 1989, por força do disposto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil. Significa isto que, no caso do Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade daquela norma, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Outubro de 1992 subsistirá, na parte em que considera que o prazo estabelecido no nº 1 do artigo 498º do Código Civil, para que remetem os artigos 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48051 e 71º, nº 2, da Lei de Processos nos Tribunais Administrativos, se conta a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, isto é, a partir da data em que conhece a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, in casu, a partir da data de 20 de Junho de 1986, tendo, por isso, o seu direito à indemnização prescrito em 20 de Junho de 1989.
Uma tal decisão está, no entanto, em oposição com outros arestos proferidos pela 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos quais a notificação para responder em recurso contencioso releva como causa interruptiva da prescrição do direito de indemnização decorrente do acto administrativo impugnado contenciosamente, nos termos do artigo 323º, nº 1, do Código Civil, pelo que, em recurso contencioso, com a decisão transitada em julgado e que anulou o acto administrativo de que se faz resultar o direito accionado de indemnização, começa a correr desde esse trânsito em julgado novo prazo de prescrição primitiva [cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Janeiro de 1992 (recurso nº 29 603), sumariado na Revista de Direito Público, Ano VI, Nº 12, p. 92,93, e o Acórdão da
1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 1989, publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXIV, Nºs
344/345, p. 1035. ss.]. A orientação constante desta corrente jurisprudencial - com a qual o recorrente veria satisfeita a sua pretensão de ainda não ter prescrito o seu direito à indemnização - é igualmente defendida no Parecer nº
86/92 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (publicado no Diário da República, II Série, nº 226, de 25 de Setembro de 1993, p. 9985 ss.), que, em determinado passo, refere:
'Mais coerente será a tese da interrupção da pres- crição por efeito da notificação ou citação do recurso interposto contra a Administração.
Tem sido esta, aliás, a jurisprudência seguida pelo STA, quer antes quer após a vigência da LPTA.
De acordo com esta jurisprudência, «a interposição de recurso contencioso de acto administrativo que se tem como acto ilícito gerador do direito de indemnização é uma manifestação indirecta da intenção do lesado de exercer esse direito, relevando a notificação desse acto como interruptiva da prescrição de indemnização, nos termos do nº 1 do artigo 323º do Código Civil».
Dizendo-se ainda que o artigo 71º da LPTA «manteve o regime constante dos artigos 326º e 327º. nº 1, do Código Civil, com aplicação aos casos de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública».
O nº 3 do artigo 71º citado teria alargado o prazo de prescrição
(seis meses em confronto com os dois meses do Código Civil) apenas para as situações previstas nos nºs. 2 e 3 do artigo 327º do Código Civil' [também João Caupers/João Raposo, Contencioso Administrativo (Anotado e Comentado), Lisboa, Aequitas,1994, p. 172, manifestam preferência por esta posição].
Resulta, assim, do exposto que uma eventual decisão de inconstitucionalidade da norma que constitui objecto do presente recurso tem o efeito útil de possibilitar ao recorrente um recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, com fundamento em oposição de julgados [cfr. o artigo 24º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
(ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, e o artigo 103º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos]. Por esta razão, deve o Tribunal Constitucional conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
9.2. Em desabono do que vem de ser exposto, poderá, no entanto, objectar-se que a decisão que o Tribunal Constitucional vier a adoptar sobre a questão da constitucionalidade da norma aqui impugnada é indiferente no que respeita à existência de oposição entre o acórdão recorrido e outros arestos proferidos pela 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, já que a contradição se verifica a propósito do momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização, designadamente àcerca do efeito interruptivo da prescrição da notificação para responder em recurso contencioso, independentemente do momento do seu termo. De acordo com esta objecção, a decisão que o Tribunal Constitucional viesse a adoptar sobre a constitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos continuaria a ser inútil, já que não estará dependente de uma decisão de inconstitucionalidade a possibilidade de o recorrente interpor um recurso com fundamento em oposição de julgados.
Esta objecção deve, porém, ser afastada. Com efeito, o acórdão recorrido imputa à norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos a intenção de pôr termo à controvérsia sobre se a pendência do recurso contencioso interrompe o prazo prescricional em curso, considerando que daquela norma resulta claramente que o início do prazo de prescrição antecede a prolação da decisão do recurso de anulação
(cfr. supra pontos 7.3 e 7.4). Assim sendo, uma eventual decisão de inconstitucionalidade da referida norma por parte deste Tribunal tem como efeito a inutilização desta linha argumentativa do acórdão recorrido, tornando inequívoca a oposição entre o acórdão aqui sob recurso e outros arestos da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo proferidos no domínio da mesma legislação, no caso concreto, no domínio da legislação anterior à data da entrada em vigor da norma aqui questionada.
10. Passando ao conhecimento do fundo do presente recurso de constitucionalidade, pode o Tribunal adiantar, desde já, que não subsistem dúvidas a propósito da inconstitu- cionalidade orgânica da norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Com efeito, aquela norma, cujo conteúdo foi acima transcrito, devido quer ao seu carácter inovador, quer ao facto de incidir sobre um elemento verdadeiramente substantivo e dos mais significativos do regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual da Administração, está seguramente incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na parte final da alínea u) do nº 1 do artigo 168º da Constituição [a que correspondia a alínea t) do nº 1 do mesmo artigo, na versão decorrente da Revisão Constitucional de
1982].
Quanto à sua natureza inovadora, pode afirmar-se, acompanhando o Exmº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, que aquela norma, ao conceder um prazo adicional de 6 meses para a propositura da acção indemnizatória, estabeleceu um regime inovatório, 'consagrando uma solução a que, nos quadros do direito anterior, nunca se poderia chegar: ou a propositura do recurso contencioso interrompia a prescrição e o prazo prescricional (de 3 anos) apenas se iniciava com o trânsito em julgado da decisão que o julgasse definitivamente; ou não tinha, pelo contrário, tal virtualidade interruptiva - e a pendência do recurso seria totalmente irrelevante sobre o curso e eventual termo do prazo prescricional iniciado com a cognoscibilidade do direito pelo lesado'.
No tocante ao carácter substantivo da norma que vem sendo referida, deve salientar-se que o regime de prescrição da indemnização por responsabilidade civil extracontratual da Administração constitui um dos aspectos essenciais do regime jurídico daquele instituto, uma vez que tem relevância decisiva para a satisfação das pretensões indemnizatórias dos sujeitos lesados, tendo em conta que a prescrição é susceptível de ocasionar a extinção de direitos, dada a sua natureza de excepção peremptória.
A norma do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos versa, assim, matéria que está incluída na reserva de relativa competência legislativa da Assembleia da República, pelo que deveria constar de lei aprovada por aquele órgão de soberania ou de decreto-lei alicerçado em autorização legislativa. Ora, tendo o Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, sido aprovado pelo Governo, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, isto é, sem estar munido de uma lei de autorização legislativa, terá inexoravelmente de concluir-se que a norma do artigo 71º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de
16 de Julho, é organicamente inconstitucional.
III - Decisão.
11. Nos termos e pelos fundamentos expostas, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 71º da Lei de Processos nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea u), da Constituição, [a que correspondia a alínea t), na versão decorrente da Revisão Constitucional de 1982];
b) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, que deve ser reformado em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 1996 Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida