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Proc. nº 447/94
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. A. foi autuado pela Guarda Nacional Republicana por
conduzir viatura automóvel apresentando uma taxa de alcoolémia de 1,87 g/l.
2. Submetido a julgamento, em processo sumário, no
Tribunal Judicial de Portimão, foi o arguido condenado, por infracção ao
disposto no artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, na pena
de 100 dias de multa à taxa diária de 500$00, com a alternativa de 66 dias de
prisão.
Porém, o juiz não o condenou na sanção acessória de
inibição da faculdade de conduzir, prevista no artigo 4º, nºs 1 e 2, alínea a),
do Decreto-Lei nº 124/90, por considerar a respectiva norma inconstitucional,
pelo que recusou a sua aplicação.
Fundamentou-se essa posição nas seguintes considerações:
'(...) A Constituição Portuguesa e o Código Penal prevêem o
princípio da legalidade das sanções criminais, bem como o princípio da
inadmissibilidade de as penas envolverem como efeito necessário a perda de
quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (arts. 27º, nº 2, e 30º, nº
4, da C.R.P. e arts. 1º e 65º do C.Penal).
A norma ora em apreço, o art. 4º do DL 124/90, de 14/4, prevê uma
sanção acessória de inibição do direito de conduzir, que acresce, na
terminologia da lei, às penas previstas nos arts. 2º e 3º do DL 124/90, de 14/4.
O legislador designa-a ainda por sanção acessória no art. 12º do mesmo diploma.
No entanto, também a denomina no próprio nº 4 do art. 4º, bem como no preâmbulo
do mesmo diploma, por pena.
O legislador não ignorava a polémica doutrinal sobre a natureza da
inibição do direito de conduzir e parece ter-se decidido pela configuração da
sanção como uma pena.
Senão vejamos: além da designação expressa nesse sentido no
preâmbulo e no nº 4 do art. 4º do diploma de 1990, o legislador previu uma
moldura para o período de inibição, o que indicia claramente a opção por uma
ligação da sanção à culpa do agente, ou seja, por uma imposição de valorização
da pena em função da culpa do agente no quadro da moldura legalmente consagrada.
Como esclarece Figueiredo Dias, a pena acessória só será uma verdadeira pena se
verificada no âmbito de uma moldura penal e em função da culpa do agente (vd.
'Direito Penal - As consequências jurídicas do crime', pág. 205).
Ora, neste caso, o legislador terá optado por afastar a configuração
da inibição como uma medida de segurança, ligada à intimidação geral e à
verificação da perigosidade do delinquente ao impor a valorização da pena em
função da culpa do agente no quadro da moldura fixada pela lei.
Desta forma inverteu o legislador o sentido do direito anterior,
conforme a jurisprudência uniforme do S.T.J., confirmada no Assento de 29/4/92.
Com efeito, aí se decidiu que a inibição do direito de conduzir, prevista no
art. 61º do Código da Estrada, era uma medida de segurança. Como argumento
fundamental deu-se o de a pena acessória depender de condenação em pena de
prisão superior a dois anos, nos termos do art. 66º, nº 3, do C.Penal, que seria
requisito exigível a todas as penas acessórias, segundo a doutrina, acolhida
pelo S.T.J., de Figueiredo Dias, em 'Direito Penal - As consequências jurídicas
do crime', pág. 176. O art. 61º não exigia semelhante condição, pelo que se
tratava aí de uma medida de segurança. Assim se pretendia pôr fim a uma
discussão longa, de que se deu aí conta. Mas vejamos se em face do direito novo
se confirma aquela aqui indicada opção do legislador ou se a natureza da
inibição do direito de conduzir é ainda a de uma medida de segurança.
O legislador previu para o crime de condução sob influência de
álcool, na forma dolosa tal como na forma negligente, duas penas principais:
prisão ou multa.
Na Lei nº 3/82, de 29/3, o legislador já optara por punir a condução
sob influência do álcool com a sanção que qualificava expressamente de medida de
segurança (vd. art. 14º do dito diploma), que era independente da sanção da
multa, pois nem sequer a suspensão daquela implicava a suspensão desta.
Ora, na actual, o legislador introduziu, além daquelas duas penas
principais alternativas, a sanção acessória de funcionamento automático da
inibição do direito de conduzir, acoplada à condenação na pena principal pelo
cometimento do crime.
Trata-se, pois, de uma consequência do facto criminoso que é
acessória de qualquer uma das outras duas e que funciona automaticamente.
O legislador conferiu também uma moldura àquela sanção, o que, como
já se disse, indicia que a individualização da consequência se há-de fazer aí
segundo os critérios gerais do art. 72º do C.Penal, ou seja, segundo a culpa do
agente.
É certo que o legislador não tratou o problema da moldura da
inibição em caso de reincidência no crime, não podendo assim a culpa agravada do
agente ter efeitos em termos de agravação da inibição. Tal não obsta, no
entanto, a que se considere que o legislador pretendeu fundar a punição da
inibição na culpa, isto é, pretendeu tratar a inibição como uma pena, tão só,
isso sim, revela que o legislador não autonomizou esta pena ao lado das outras
penas principais, antes a tratou como acessória destas. A esta caracterização
não se pode opor o argumento do S.T.J., no dito Assento, pois do que se trata,
no direito novo, é de uma verdadeira pena acessória e não de um efeito da pena,
esse sim considerado como dependente da condenação em prisão em dois anos.
Tratando-se, pois, de uma pena acessória com semelhantes
características há que saber da sua admissibilidade, face à limitação
constitucional do art. 30º, nº 4 da C.R.P.
O Tribunal Constitucional apreciou já no Acórdão de 26/6/90 o art.
46º, nº 2, do Código da Estrada, declarando-o inconstitucional por violar o art.
30º, nº 4, da C.R.P. Trata-se agora de saber se também o preceito ora em apreço
não viola este último normativo e eventualmente outros da C.R.P.
O Tribunal Constitucional pôs a questão nestes termos: 'surgindo-nos
no caso a proibição de conduzir veículos automóveis como consequência necessária
da condenação do condutor por crime de certa natureza em pena de certa espécie,
sempre essa proibição deverá considerar-se como um efeito da pena. Será isto
inconstitucional? Mais precisamente: ofenderá isso o nº 4 do art. 30º da
Constituição?' e respondeu que 'o sentido do preceito constitucional é, pois, o
de que a perda de tais direitos, como efeito da pena, não pode deduzir-se 'ope
legis' ou, por outras palavras, não pode provir directamente da lei', pelo que
conclui pela inconstitucionalidade do artigo sob sindicância.
De tudo se extrai que a pena acessória automática da inibição do
direito de conduzir se confronta com o impedimento constitucional. É que a
'assumida confusão entre as penas acessórias e os efeitos não automáticos da
pena principal', característica do regime de penas acessórias do direito penal
português (vd. Figueiredo Dias, 'Direito Penal - As consequências jurídicas do
crime', pág. 176) e a consequente relevância da limitação constitucional face a
qualquer efeito automático da pena sofre aqui um ataque claro por parte de uma
previsão legal de uma pena que limita o exercício de um direito civil, acoplada
à aplicação de uma outra principal, ou seja, de uma pena que funciona
acessoriamente e de modo automático.
Pode alegar-se que a previsão de uma moldura penal afasta a crítica,
pois permite que, ainda que de funcionamento automático, intervenha na aplicação
da pena acessória, a ponderação da culpa.
Ao invés disso, o recurso ao princípio da culpa torna ainda mais
criticável o artigo em análise, mostrando outro flanco à censura constitucional.
Com efeito, sendo idêntico o período de inibição previsto para o
crime cometido sob a forma dolosa ou sob a forma negligente, há aí violação do
princípio da culpa. O art. 4º, nº 2, al. a), prevê um mesmo período de inibição
para todo o art. 2º do mesmo diploma, o que não permite destrinçar as diferentes
culpas, dolosa e negligente, na forma de cometimento do crime.
Mas mais: ao prever-se o período de inibição mínima de seis meses, a
moldura da inibição é superior à própria moldura da pena principal pela prática
do crime na forma negligente, ou seja, a mesma culpa levaria a uma punição na
pena principal desfasada da punição na pena acessória. Só o máximo da pena
principal pelo cometimento do crime na forma negligente permitiria a aplicação
da inibição em período semelhante.
Nada justifica esta disparidade, nem aquela indistinção entre a
culpa dolosa e a negligente, tudo impondo a conclusão de que o preceito em
análise viola pois o princípio da culpa (arts. 1º, 13º, nº 1, e 25º, nº 1, da
C.R.P.).
A solução alternativa, essa sim constitucional-mente inatacável,
seria uma semelhante à do art. 218º do C.Penal ou à do art. 12º, nº 1, al. a),
do DL nº 454/91, de 28/12, em que a limitação ao exercício civil se opera no
âmbito de uma moldura penal e de modo não automático. Ou ainda nos termos do
art. 69º, nº 1, do Projecto de revisão do C.P., em que a proibição depende da
verificação de determinados pressupostos (a grave violação das regras de
trânsito ou a facilitação de forma relevante da prática do crime).
Em suma, por violar os mencionados artigos da Constituição, não
aplico o art. 4º, nºs 1 e 2, do D.L. 124/90, de 14/4 (vd. Colectânea de
Jurisprudência, 1993, tomo III, pp. 24 e 25). (...)'
3. Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso
obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1,
alínea a), e nº 3, da Constituição da República Portuguesa e 70º, nº 1, alínea
a), e 72º, nºs 1, alínea a), e 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público
apresentou alegações, pronunciando-se pela não inconstitucionalidade da norma em
apreço, nos seguintes termos:
'(...) Assim, desde logo, é óbvio que a 'sanção acessória' de
inibição da faculdade de conduzir, cominada no artigo 4º do Decreto-Lei nº
124/90, se não configura seguramente como uma pena acessória de funcionamento
automático: bastará, aliás, ponderar que tal sanção é sempre de aplicação
jurisdicional, tendo o julgador amplos poderes para a graduar entre um máximo e
um mínimo substancialmente afastados (seis meses e cinco anos,
respectivamente)! Tal circunstância quebra, por si só, qualquer analogia com o
decidido no acórdão nº 224/90, que efectivamente declarou inconstitucional o
regime estatuído no artigo 46º, nº 2 do Código da Estrada. Como aí se refere, 'o
sentido do preceito constitucional [o artigo 30º, nº 4, da Constituição da
República Portuguesa] é, pois, o de que a perda de tais direitos, como efeito da
pena, não pode produzir-se ope legis ou, por outras palavras, não pode provir
directamente da lei'.
'Como diz o Prof. Cavaleiro de Ferreira, 'tem em geral de ser
apreciada a sua aplicação pela decisão judicial, segundo os critérios apontados
na lei'.
'Ora, constituindo a faculdade de conduzir veículos automóveis um
direito civil, a sua perda como efeito necessário da condenação em prisão maior
ou prisão equivalente é contrária ao nº 4 do artigo 30º da Constituição, sendo
assim inconstitucionais as normas do nº 2 do artigo 46º do Código da Estrada que
tal impõem'.
Não pode, pois, seguramente considerar-se como um efeito automático,
produzido 'ope legis', a aplicação de uma sanção acessórias que passa
necessariamente pela mediação do julgador, investido em amplos poderes para, em
concreto, a adequar às circunstâncias do caso.
O que, na realidade, a decisão recorrida parece pretender extrair
do disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição da República Portuguesa é algo
que já nada tem a ver com a problemática da 'automaticidade' dos efeitos da
aplicação de certas penas ou da condenação por certos crimes - e que, em última
análise, se traduziria na 'discricionariedade judicial' na própria aplicação (ou
não aplicação) de determinadas sanções acessórias - como efectivamente
ocorrerá, por exemplo, com o invocado artigo 218º do Código Penal - consoante a
valoração das circunstâncias do caso.
Trata-se de matéria que transcende claramente a problemática
suscitada pelo invocado artigo 30º nº 4, estando naturalmente situado na margem
de livre regulação do legislador estabelecer a tipologia das sanções
(principais e acessórias) aplicáveis, em abstracto, a determinado tipo legal de
crime - tanto podendo optar por devolver ao julgador a própria aplicação (ou não
aplicação) de certas sanções, como por, atentos os interesses em causa,
cominar, como regra, a aplicação obrigatória de certa sanção pelo juiz,
cumprindo-lhe graduar a concreta medida desta.
Importará, aliás, realçar que, no caso dos autos, não se apontam
quaisquer circunstâncias excepcionais, de especial valor atenuativo, que fossem
susceptíveis de tornar inteligível a não aplicação ao arguido da medida de
inibição da faculdade de conduzir.
Temos, por outro lado, como perfeitamente seguro que os regimes
legais questionados em nada ofendem os princípios da culpa e da
proporcionalidade das sanções criminais.
É que, por um lado, o juiz tem - como se referiu - amplas
possibilidades de, ao graduar a sanção de inibição da faculdade de conduzir, a
adequar às circunstâncias do caso - e, desde logo, à medida da 'culpa' do
agente.
Sendo, na verdade, aplicável sanção compreendida entre 6 meses e 5
anos, não vemos o que impedirá o julgador de graduar de forma radicalmente
diversa as sanções aplicáveis a comportamentos negligentes e dolosos - sendo
certo que nada na Constituição inculca que as medidas da sanção principal e da
sanção acessória que venham a ser aplicadas a certo comportamento tenham
necessariamente de coincidir, em termos 'numéricos'.
Não há, por outro lado, qualquer violação do princípio da
proporcionalidade, já que a gravidade social do comportamento (condenação sob
influência do álcool com taxa superior a 1,20 g/l) - bem expresso, aliás na
gravidade da pena principal cominada na lei - torna perfeitamente justificada a
imposição da sanção acessória estabelecida no referido artigo 4º - sanção esta
que aparece funcionalmente ligada ao comportamento delituoso do agente e à
perigosidade por este desencadeada.'
E concluiu deste modo:
'1º - Não pode considerar-se como efeito automático da condenação por certo
tipo legal de crime a imposição de uma sanção acessória, mediante decisão do
juiz, que se encontra habilitado a graduar a medida concreta daquela, em função
da ponderação das circunstâncias do caso.
2º - O regime estatuído no artigo 4º nºs 1 e 2, alínea a), não
ofende o disposto no artigo 30º, nº 4, da Constituição, nem envolve qualquer
infracção aos princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade das
sanções criminais.
3º - Termos em que deve proceder o presente recurso,
determinando-se a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o juízo de
constitucionalidade das normas desaplicadas.'
4. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Fundamentação
5. O presente recurso tem por objecto a questão da
constitucionalidade da norma do artigo 4º, nºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei
nº 124/90, de 14 de Abril.
Nesse diploma prevê-se, no seu artigo 2º, como crime a
condução de veículos com ou sem motor em via pública ou equiparada, por quem
apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por
litro, sendo o facto punível com pena de prisão até um ano ou multa até 200
dias, quando doloso, ou com pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias,
quando negligente.
Segundo o artigo 4º do Decreto-Lei nº 124/90, a essas
penas de prisão ou multa acrescerá a sanção acessória de inibição da faculdade
de conduzir. Dispõe esse artigo, na parte que ora interessa, o seguinte:
'Artigo 4º
(Inibição da faculdade de conduzir)
1. Às penas previstas nos artigos 2º e 3º acresce a sanção acessória
de inibição da faculdade de conduzir.
2. A inibição terá a seguinte duração:
a) Seis meses a cinco anos nos casos previstos no artigo
2º;
(...)'
6. Na decisão recorrida considerou-se que a sanção de
inibição da faculdade de conduzir constituiria limitação do exercício de um
direito civil e que seria de aplicação automática como decorrência da condenação
pela prática do ilícito previsto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 124/90, o que
violaria o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição, no qual se proíbe que
uma pena possa envolver como efeito necessário a perda de direitos civis.
Por outro lado, entendeu-se também que a norma da alínea
a) do nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 124/90 violaria os princípios da culpa
e da proporcionalidade das sanções criminais, por se prever a mesma medida legal
da sanção de inibição de conduzir tanto para a actuação dolosa como para a
actuação negligente e por a medida legal da inibição ser superior nos seus
limites mínimo e máximo às medidas legais da prisão ou da multa.
7. Essa norma e esses argumentos foram já objecto de
apreciação pelo Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos nºs 667/94 (Diário
da República, II, de 24 de Fevereiro de 1995), 70/95, 73/95, 143/95 e 144/95, da
2ª Secção (inéditos), e 234/95, 235/95, 236/95 e 237/95, desta 1ª Secção
(inéditos). Neles se concluiu que a norma em causa não é inconstitucional.
8. Independentemente da questão da adequada
qualifica-ção doutrinal da inibição da faculdade de conduzir, e não obstante o
legislador a designar como sanção acessória, é da análise da sua conformação
legal que há-de resultar uma eventual caracterização daquela sanção como efeito
automático da pena, em contradição com o artigo 30º, nº 4, da Constituição.
Admitindo que a faculdade de conduzir veículos
automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida
que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em
função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os
critérios do artigo 72º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não
se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da
aplicação da pena, com mero fundamento na lei.
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa
medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a
pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão
com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este
tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como
uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena
de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação
previstos para esta última.
Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir
fundamenta-se, tal como a aplicação da pena principal de prisão ou multa, na
prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem
necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais. Atenta a natureza da
infracção (condução de veículos sob influência do álcool), com a inerente
perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada a sanção de inibição
de conduzir, como já foi sublinhado.
Há, pois, uma conexão entre o facto perpetrado e a
inibição fundamentada na natureza do ilícito: a violação intensa dos deveres de
condutor associa-se à privação temporária da faculdade de conduzir.
9. Também não ocorre a alegada ofensa dos princípios da
culpa e da proporcionalidade das sanções criminais.
Tal como se disse, a inibição de conduzir é aplicada
mediante a sua graduação entre determinados limites mínimo e máximo, o que apela
a uma fundamentação no quadro da culpa.
O facto de a medida legal da pena (seis meses a cinco
anos de inibição) ser igual para o caso de dolo e para o caso de negligência não
impede o julgador de fixar diferentemente a medida concreta da pena da conduta
dolosa e a da conduta negligente, conforme lhe é exigido pelo artigo 72º do
Código Penal.
De igual modo, não existe qualquer imposição
constitucional quanto a uma equivalência temporal entre as medidas legais da
inibição e da prisão ou da multa. A desconformidade existente emerge da
diferente natureza das medidas sancionatórias em causa, apenas sendo exigível
uma proporção entre essas sanções.
Conclui-se, portanto, que os princípios constitucionais
da culpa e da proporcionalidade das sanções criminais também não são afectados
pela previsão de uma sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir.
III
Decisão
10. Nestes termos, não julgando inconstitucional a norma
do artigo 4º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril,
decide-se conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão
recorrida em conformidade com o ora decidido sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Junho de 1995
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa