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Processo n.º 814/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. No recurso de constitucionalidade que A., S.A., e A. Investment, B.V. interpuseram do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que julgou findo o recurso, por oposição de julgados, que aqueles haviam interposto, decidiu sumariamente o relator não conhecer do objeto do recurso com fundamento em inobservância do ónus de prévia suscitação, nos moldes legalmente impostos, da questão de inconstitucionalidade em sindicância.
Os recorrentes reclamam da decisão sumária, invocando, em síntese, que nos casos, como o presente, em que as partes optaram por interpor recurso para uniformização de jurisprudência de decisão prévia que aplicou norma inconstitucional, apesar de reputada como tal pela parte/recorrente, a lei permite que se interponha recurso de constitucionalidade da decisão que o julgue (artigo 70.º, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional), não sendo exigível, em tal caso, que a questão de inconstitucionalidade seja renovada perante o Tribunal competente para decidir do recurso para uniformização de jurisprudência, o que, aliás, lhes estava processualmente vedado, no caso, atento o disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objeto do recurso com fundamento na não aplicação, pela decisão recorrida, das normas cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada, vieram as reclamantes invocar, em requerimento autónomo, que a norma do n.º 6 do artigo 70.º da LTC permite a interposição do recurso de constitucionalidade da decisão do Pleno, seja esta uma decisão de mérito, seja esta uma decisão que não conheça do recurso por entender que não se verifica oposição de julgados, pelo que não é exigível, como condição do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do citado normativo legal, que a decisão recorrida aplique as normas cuja inconstitucionalidade nele se pretenda ver apreciada.
A recorrida Fazenda Pública, notificada do referido requerimento, nada disse.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Sustentam as reclamantes, no essencial, que a possibilidade prevista no n.º 6 do artigo 70.º da LTC de interpor recurso de constitucionalidade da decisão, de mérito ou de forma, proferida no recurso para uniformização de jurisprudência, desonera o recorrente de suscitar perante o Pleno do Supremo Tribunal que o decide a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, e não obriga que a decisão recorrida tenha aplicado, como seu fundamento jurídico, as normas que o recorrente reputa inconstitucionais.
O artigo 70.º da LTC elenca as decisões de que se pode recorrer para o Tribunal Constitucional, especificando que o recurso previsto na alínea b) do seu n.º 1 apenas pode ser interposto de decisão que não admita recurso ordinário, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.
Pode, assim, a parte recorrer para o Tribunal Constitucional de decisão que admita recurso para uniformização de jurisprudência, sem que seja obrigada a esgotar previamente essa via impugnatória; mas se optar pela prévia interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, esclarece o n.º 6 do artigo 70.º da LTC que não fica precludido o direito de interpor recurso de constitucionalidade de «ulterior decisão que confirme a primeira», ou seja, sendo esse o caso, da decisão que vier a ser proferida no recurso para uniformização de jurisprudência.
Decisivo, porém, é que se verifiquem os pressupostos legais para tanto, sendo certo que não há qualquer indício ou indicador normativo, mínimo que seja, de que tal possibilidade legal implique um desvio ao regime geral vigente em matéria de pressupostos dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Ora, independentemente da questão de saber se, no caso vertente, recaía sobre as reclamantes o ónus de suscitar perante o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação de mérito ora reclamam, designadamente face aos condicionalismos processuais decorrentes do artigo 284.º do CPPT, dúvidas não há de que não é útil a apreciação do recurso de constitucionalidade nos casos em que a norma nele sindicada não foi de todo aplicada pela decisão recorrida, sendo indiferente que esta tenha ou não sido proferida em recurso para uniformização de jurisprudência.
Apreciando questão idêntica à que ora se discute, sustentou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 133/09, que «(…) o n.º 6 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (…), ao permitir que se interponha recurso de constitucionalidade de decisão que julgue oposição de julgados, não constitui qualquer exceção à regra que se extrai da alínea b) do n.º 1: a de que a decisão da qual se interpõe recurso de constitucionalidade há de ter aplicado a norma que constitui o objeto do próprio recurso de constitucionalidade» (cf., no mesmo sentido, Acórdão n.º 587/07).
É que, explica-se no primeiro dos citados arestos, «daquele n.º 6 apenas decorre que a não interposição de recurso de constitucionalidade de certas decisões que o admitem, por se ter optado por recurso ordinário ou por recurso para uniformização de jurisprudência, não impede que, na improcedência deste recurso, se recorra da decisão que o julgue para o Tribunal Constitucional. Mas já não decorre daquele n.º 6 qualquer ficção de aplicação, na ulterior decisão, de todas as normas que haviam sido aplicadas na primeira decisão».
E nenhum dos acórdãos do Tribunal Constitucional citados pelo recorrente consagra, em rigor, entendimento diverso, pois que o que neles apenas se reafirma, designadamente no Acórdão n.º 411/00, é a possibilidade de a parte recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão que julga o recurso para uniformização de jurisprudência que aquela, não estando a tanto obrigada, optou por interpor, deles não resultando, explícita ou implicitamente, que um tal recurso de constitucionalidade assuma especificidades no que respeita às exigências processuais que a lei impõe como condição da sua interposição.
Se é certo que no citado acórdão, como sublinham as reclamantes, expressamente se afirma que a parte, que optou pela prévia interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, «não verá precludida a possibilidade de impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão do Pleno que, acaso, lhe seja desfavorável. E isso, quer o Pleno profira decisão de mérito, quer, por entender que não se verifica a invocada oposição de julgados, não conheça do recurso», a verdade é que daí não decorre que, neste último caso, o recurso de constitucionalidade possa ter por objeto normas que, por pressuporem o conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência, não foram aplicadas pela decisão recorrida que dele não conheceu.
É que, sendo o recurso de constitucionalidade, em qualquer das suas modalidades, um instrumento de modificação de julgado, só se justifica o seu conhecimento quando a decisão que o julgue possa operar tal efeito modificativo, implicando o eventual juízo de inconstitucionalidade que nele venha a ser formulado, necessariamente, alteração do sentido da decisão recorrida, atento o desvalor constitucional do fundamento jurídico em que assenta.
Ora, versando a questão de inconstitucionalidade, objeto do presente recurso, sobre as normas de direito substantivo consagradas nos artigos 89.º, na parte em que alterou o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, 90.º e 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que não foram aplicadas pela decisão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que não conheceu do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelas ora reclamantes, não se verifica, no caso, o pressuposto processual que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, visando garantir a utilidade do recurso de constitucionalidade, impõe, sem exceções, ao prever que apenas cabe recurso para o Tribunal das decisões dos tribunais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (itálico nosso).
É, pois, de confirmar, com este outro fundamento, o juízo sumário de não conhecimento do objeto do recurso que as reclamantes, no presente incidente, censuram.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.