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Procº nº 329/96. Plenário. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, fundado no nº 3 do artigo 283º da Constituição e no artº 82º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, veio solicitar que fosse declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante da primeira parte do artº 2º do Decreto-Lei nº 28.039, de 14 de Setembro de 1937, e dos artigos
1º, § 1º, 2º e 8º, estes do Decreto nº 28.040, da mesma data, concernentes à competência do júri avindor e do presidente da câmara no processo de arrancamento de plantações ou sementeiras efectuadas contra as disposições dos indicados artigos 2º e da Lei nº 1.951, de 9 de Março de 1937.
Suportando o seu pedido, indicou o requerente que tais normas foram explicitamente julgadas inconstitucionais, por violação dos artigos
113º, nº 2, 114º, nº 1, e 205º da Lei Fundamental, através dos Acórdãos deste Tribunal números 630/95, 16/96 e 17/96.
O Primeiro Ministro, notificado que foi nos termos e para os efeitos do artº 54º da Lei nº 28/82, não veio a pronunciar-se sobre o pedido.
Cumpre decidir.
II
1. Efectivamente, por intermédio dos Acórdãos acima mencionados (os Acórdãos números 630/95 e 16/96 encontram-se publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 18 de Abril de 1996 e 15 de Maio do mesmo ano, sendo o Acórdão nº 17/96 ainda inédito) foram julgadas inconstitucionais, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional consagrada no nº 1 do artigo 205º, conjugado com os artigos 113º, nº 2, 114º, nº
1, e 205º, nº 2, todos da Constituição, as normas constantes da primeira parte do artº 2º do Decreto-Lei nº 28.039 e dos artigos 1º e seu § 1º, 2º e 8º, estes do Decreto nº 28.040.
Estão, assim, in casu, reunidos os pressupostos condicionadores do presente pedido. Isso, todavia, não invalida que agora o Tribunal se deixe de debruçar sobre a análise da questão posta, pois que o julgamento de inconstitucionalidade efectuado em três recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade e em que estejam em causa as mesmas normas não implica, de todo, um automatismo que conduza a uma declaração de um tal vício.
Simplesmente, a argumentação que foi carreada aos citados arestos continua a convencer a maioria do Tribunal, que, assim, não divisa a necessidade, quer de aprofundamento da mesma, quer da busca de uma outra eventual fundamentação.
De onde se impôr a reiteração, no presente aresto, da corte argumentativa que em tais decisões foi utilizada.
2. Disse-se, inter alia, no Acórdão nº 630/95:-
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1 - 'Considerando que as florestas constituem uma riqueza nacional essencial, que um país não pode dispensar sob o ponto de vista económico, visto elas desempenharem uma influência bem definida sobre o regime das águas, sobre o clima local e sobre a actividade geral; considerando que evitar a desarborização e promover o aproveitamento racional do solo continental é missão patriótica que se impõe, tanto mais que a arborização deve considerar-se como uma das operações culturais das mais produtivas e na actualidade das mais frutuosas; considerando finalmente que, se algumas obrigações se fixam para os proprietários das matas, lhes são dadas compensações que garantem a propriedade e os arvoredos contra incêndios, gados e epifítias e que pela criação de estações de experimentação florestal e escola de resinagem se promove o ensino e racionalização das ciências florestais, com o que muito vêm a aproveitar os proprietários das matas' (cfr. o respectivo preâmbulo), foi publicado o Decreto nº 13658, de 20 de Maio de 1927, definindo um quadro legal de protecção da riqueza florestal do País.
Este diploma estabelecia no § único do seu artigo 5º, a proibição de plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados, quando entre estes e o local da plantação se não interpusessem estrada, rio, ribeiro, edifício, ou no caso de os referidos terrenos de cultura se encontrarem a um nível superior em 4 metros ao da base da plantação.
O Decreto nº 16953, de 8 de Junho de 1929 veio dar nova redacção aquele preceito mantendo porém, no essencial, o regime de limitação ao plantio de eucaliptos que nele se estabelecia. O mesmo aliás pode dizer-se relativamente à Lei nº 1951, de 9 de Março de 1937, que, alargando embora aquele regime às acácias, preservou a intenção do legislador de 1927, concedendo aos terrenos cultivados protecção contra a proximidade daquelas espécies arbóreas.
É neste contexto normativo que vieram a ser publicados o Decreto-Lei nº 28039 e o Decreto nº 28040, ambos de 14 de Setembro 1937, os quais procederam à alteração do regime de proibição da plantação de eucaliptos e outras espécies florestais, ao mesmo tempo que reformularam, no plano orgânico e processual, o arrancamento das plantações ilegais que havia sido instituído a partir de 1929.
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O Decreto-Lei nº 28039, depois de no artigo 1º proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, vulgarmente conhecida por acácia mimosa, e de ailantos, a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, dispunha assim nos artigos 2º e 3º:
Artigo 2º
As plantações ou sementeiras feitas em contravenção do disposto no artigo anterior e § único do artigo 5º do Decreto nº 13658, de 20 de Maio de 1937, poderão ser arrancadas a requerimento dos interessados, dirigido à câmara municipal, que mandará executar o arrancamento, salvo se a obrigação for impugnada com fundamento em questões de posse e propriedade, devendo, em tal caso, os requerentes ser remetidos aos tribunais ordinários, que se pronunciarão apenas sobre a matéria da impugnação.
Artigo 3º
É instituído um júri avindor, composto de três homens bons da freguesia, ao qual compete:
1º Promover a conciliação dos interessados sobre a forma de cumprimento da lei;
2º Verificar se as árvores se encontram ou não dentro das faixas definidas no artigo 1º deste decreto e demais circunstâncias nele previstas;
3º Fixar a indemnização justa nos casos em que for devida.
Por seu turno, o Decreto nº 28040, nas normas que aqui importa considerar, prescrevia assim:
Artigo 1º
As plantações ou sementeiras feitas contra as disposições da Lei nº 1.951, de 9 de Março de 1937, alterada pelo Decreto nº 28.039, de 14 de Setembro de
1937, podem ser arrancadas a requerimento dos interessados, nos termos do referido decreto e deste regulamento.
§1º Consideram-se interessados legítimos para efeito do disposto neste artigo os proprietários e usufrutuários dos terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios urbanos.
§2º. Consideram-se excluídos da aplicação do disposto no Decreto-Lei nº
28.039 os terrenos de mato ou floresta, os muros de pedra solta que não sejam parte de construção urbana, alpendrada, vedação de pátios e outros cómodos, suporte de latadas e semelhantes.
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Artigo 2º
Os interessados que pretenderem usar da faculdade que lhes é conferida no Decreto-Lei nº 28.039 deverão apresentar o respectivo requerimento na secretaria da câmara municipal, indicando o fundamento legal do pedido, a espécie e o número das árvores a que respeita, denominação, situação e limites da propriedade em que estiverem radicadas, nome e residência do seu proprietário ou possuidor.
§ único. A letra e a assinatura do requerente serão reconhecidas autênticamente por notário.
Artigo 3º
Recebido o requerimento, a câmara municipal, na sua primeira sessão, nomeará o júri avindor, composto de um presidente e dois vogais escolhidos entre os homens bons da freguesia, que prestarão juramento perante o presidente da câmara e exercerão as suas funções por três anos.
§ 1º. Constituem motivos de escusa e substituição a idade superior a sessenta anos, a ausência ou a prática de qualquer facto ou delito que possa afectar a sua autoridade.
§ 2º. Após a nomeação do júri avindor, o secretário da câmara, procedendo despacho do presidente, fará notificar o proprietário ou possuidor das árvores para impugnar o pedido com fundamento na posse e propriedade dos terrenos ou para alegar o que tiver por conveniente.
§ 3º. Se fôr deduzida impugnação com aquele fundamento, serão os interessados remetidos para o tribunal competente; se não houver impugnação, será o processo imediatamente enviado ao presidente do júri avindor da respectiva freguesia.
Artigo 4º
O júri reunirá por convocação do presidente na sede de qualquer instituição pública da freguesia ou no próprio local da questão, sempre que seja possível, sendo também convocados os interessados.
Artigo 5º
Compete ao júri, de um modo especial, determinar:
1º A espécie das árvores e a distância a que se encontram dos terrenos cultivados do vizinho, das nascentes, terras de regadio, muros e prédios urbanos;
2º Se entre umas e outras medeia ou não estrada, via férrea e curso de
água, caminho público ou desnível de mais de 4 metros medidos pela forma estabelecida no § 3º do artigo 1º;
3º Se a forma mais conveniente do aproveitamento dos terrenos é ou não a da arborização com essas árvores ou outras semelhantes desde que não prejudiquem as nascentes, muros e prédios urbanos;
4º A época em que foram plantadas ou semeadas, ouvindo, para isso, quando for necessário, o testemunho dos vizinhos;
5º O valor da indemnização a pagar pelo requerente ao dono das árvores quando estas tenham sido plantadas ou semeadas em conformidade com as disposições legais vigentes ao tempo da sementeira ou plantação.
Artigo 7º
O júri procurará pelos meios ao seu alcance, dentro do espírito de equidade e justiça, assegurar as relações de boa vizinhança, chamando sempre os interessados à conciliação sobre o arrancamento, época em que deverá efectuar-se, valor da indemnização, quando tiver lugar, e forma do seu pagamento.
§ 1º A conciliação constará do respectivo auto; se não tiver sido possível a conciliação ou no caso de os interessados não terem comparecido, será lavrado um auto das diligências praticadas e da decisão do júri a respeito das questões enunciadas no artigo 5º ou outras que tenham sido suscitadas e dentro da competência do júri.
§ 2º Os autos serão lavrados pelo vogal mais novo do júri, que servirá de secretário, ou na secretaria da câmara, pelo respectivo chefe ou funcionário por ele designado, na presença dos membros do júri.
§ 3º Para o efeito do disposto na primeira parte do parágrafo anterior a câmara municipal fornecerá os respectivos modelos impressos.
§ 4º Todos os actos e diligências indicados neste artigo e no artigo anterior deverão estar concluídos no prazo de um mês, a contar da data da remessa do processo ao presidente do júri, salvo caso de força maior, como inundação, impossibilidade de trânsito ou outro semelhante.
Artigo 8º
Concluso o processo, o presidente da câmara fará notificar o requerido para proceder ao arrancamento em prazo designado, segundo as decisões do júri, e, na falta de cumprimento, ordenará que sejam arrancadas por pessoal da câmara.
§ 1º O presidente da câmara, antes de ordenar o arrancamento, poderá solicitar do júri qualquer esclarecimento complementar.
§ 2º O dono ou possuidor das árvores é responsável pelo pagamento das despesas a que tiver dado lugar o arrancamento.
Verifica-se assim que o regime para a composição de conflitos a que se reportam estes dois diplomas, prevê a intervenção de três entidades - júri avindor, câmara municipal e presidente da câmara municipal - que entre si repartem as diversas funções que integram e caracterizam o respectivo processo.
Ao júri avindor, nomeado pela câmara municipal e composto por um presidente e dois vogais escolhidos entre os homens bons da freguesia, compete essencialmente:
(a) Promover a conciliação dos interesses sobre a forma de cumprimento da lei (artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 28039 e artigo 7º do Decreto nº 28040);
(b) Determinar as circunstâncias de facto relevantes para se ordenar ou não o arrancamento das árvores em causa (artigo 3º, nº 2 do Decreto- -Lei nº
28039 e artigo 5º, nºs 1 a 4, do Decreto nº 28040);
(c) Fixar a indemnização justa nos casos em que for devida (artigo
3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 28039 e artigo 5º, nº 5, do Decreto nº 28040).
A intervenção que estes diplomas atribuem às autarquias locais resultou do facto de se haver concluído que estas disporiam de melhores condições para assegurar o êxito do regime ali proposto do que os serviços centralizados, concretamente, a Direcção-Geral dos Serviços Florestais a quem a Lei nº 1951 cometia intervenção similar.
À câmara municipal pertence a nomeação do júri avindor (artigo 3º do Decreto nº 28040), competindo ao presidente da câmara municipal receber o juramento dos membros do júri (artigo 3º do Decreto nº 28040) e, determinar o cumprimento das decisões do júri, ordenando, quando for caso disso, o arrancamento das árvores (artigo 8º do Decreto nº 28040).
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2 - É muito antiga no direito português a existência de 'medianeiros ou avindores', pois que, como refere Manuel de Oliveira Chaves e Castro, A Organização e Competência dos Tribunais de Justiça Portugueses, Coimbra, 1910, pp. 195 e ss., citado na alegação do Ministério Público, já as Ordenações Afonsinas recomendavam aos juízes 'que nos feitos cíveis trabalhassem por trazer à concórdia os litigantes no começo do litígio', havendo nas Cortes de
Évora de 1481-1482, 'os povos pedido a creação de medianeiros ou avindores que concertassem os desavindos antes de começarem os litigios'.
E sobre o ponto, este Autor elucida:
'Parece que, apesar de o rei se ter recusado a deferir ao pedido, se crearam mais tarde avindores ou concertadores de demandas, como se infere do regimento de 25 de Janeiro de 1519, que lhes mandava tractar de compôr e concertar quaesquer partes que estivessem para ter demandas ou questões, ou já as tivessem ou entre si andassem em discórdias e inimisades, quando por algumas dellas fossem requeridas ou disso soubessem por si'.
Logo acrescenta porém, que apesar de as Ordenações Manuelinas e Filipinas reproduzirem aquele preceito da primeira Ordenação, não existe notícia
'de que se nomeassem taes avindores ou concertadores de demandas e de que funcionassem'.
Como quer que seja, séculos mais tarde, a Lei de 14 de Março de
1889, complementada por decretos regulamentares de 19 de Março de 1891
(Regulamento para o recenseamento e eleição nos collegios para constituição dos tribunais de arbitros-avindores e Regulamento do processo perante os tribunaes de arbitros-avindores) veio autorizar a criação de tribunais de
árbitros-avindores nas localidades em que existissem centros industriais importantes.
Estes tribunais haveriam de ser constituídos, para além do presidente e de dois vice-presidentes, de nomeação governamental, por vogais, sempre em número par, nunca inferior a oito nem superior a dezasseis, cabendo a eleição de metade, a um colégio de patrões e a eleição de outra metade, a um colégio de operários (artigo 6º).
Não seria admitida perante estes tribunais a intervenção de advogados, devendo as partes pleitear pessoalmente, e só por excepção, fundamentada em motivos graves, e devidamente reconhecida pelo tribunal, poderiam ser representadas por industriais ou operários, como procuradores
(artigo 10º).
A Lei de 14 de Agosto de 1889 que instituiu a primeira jurisdição especializada de trabalho em Portugal (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 190/92, Diário da República, II série, de 19 de Agosto de 1992), inspirou-se naqueles antecedentes históricos procurando, como sua ideia central, fazer renascer a função medianeira e conciliadora dos avindores, enquanto meio de prevenir e atalhar a litigiosidade entre as partes.
No primeiro dos seus diplomas regulamentares, escreveu-se, significativamente: 'os tribunais de arbitros vão ganhando terreno. O primeiro julgamento por homens bons reage contra a sua proscripção. O juri foi uma tentativa de enxertia dos primitivos nos modernos tribunaes, mas os fructos não teem sido de benção. Quiz-se refundir n'um só todos os fóros especiaes (...). Os tribunaes avindores, organisados com a maxima simplicidade, se nos seus primeiros ensaios procederem como d'elles se espera, serão principalmente salutares como exemplo e modelo'.
Também o júri avindor instituído pelos diplomas que aqui se questionam radica naqueles longíquos antecedentes e encontra justificação nas particulares virtualidades que reúne enquanto instrumento de conciliação de interesses divergentes.
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3. O Acórdão que se vem transcrevendo, equacionando a questão de saber se, efectivamente, na intervenção do júri e do presidente da câmara se não vê outro objectivo que não o da resolução de conflitos entre particulares, actuando no exclusivo interesse destes, o que inculcaria que à respectiva actuação se haveria de atribuir a natureza jurisdicional, discreteou do seguinte jeito:-
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Em conformidade com o disposto no artigo 205º, nº 2, da Constituição,
'na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conceitos de interesses públicos e privados'.
Ensaia-se neste preceito uma definição da função jurisdicional, que na doutrina é deveras controvertida. São três as áreas especialmente mencionadas:
(a) A defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (o que aponta directamente para a justiça administrativa);
(b) A repressão das infracções da legalidade democrática (o que aponta especialmente para a justiça criminal;
(c) A resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (o que abrange principalmente a justiça cível).
Reveste-se de alta complexidade a delimitação da reserva da competência judicial, constituindo a distinção entre administração e jurisdição uma das questões salientes das disputas doutrinais e da jurisprudência. A linha de fronteira terá de atender não apenas à densificação doutrinal adquirida da função jurisdicional, aos casos constitucionais de reserva judicial - artigos
27º, nº 2, 28º, nº 1, 33º, nº 4, 34º, nº 2, 36º, nº 6, 46º, nº 2 e 116º, nº 7 - mas também ao apuramento neste campo de um entendimento exigente do princípio do Estado de direito democrático (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pp. 792 e 793).
No plano da jurisprudência administrativa (cfr. por todos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Novembro de 1980, Acordãos Doutrinais, nº 231, pp. 286 e ss.), tem-se entendido que existe um acto jurisdicional quando a sua prática se destina a realizar o próprio interesse público da composição de conflitos de interesses, tendo como fim específico, portanto, a realização do direito e da justiça; e existe um acto administrativo quando a composição de interesses em causa tem em vista a prossecução de qualquer outro dos interesses públicos, que ao Estado incumbe realizar, representando aquela composição um simples meio ou instrumento para a sua satisfação, - sendo certo que a distinção entre as duas funções 'reside no carácter de parcialidade ou imparcialidade que assume a actividade do órgão que procede à composição do conflito de interesses, aferida em função de uma situação de indiferença ou desinteresse perante o conflito, pelo que há acto administrativo se esse órgão, ou, melhor dizendo, se a pessoa a que o mesmo pertence é interessada ou «parte» no conflito, e há acto jurisdicional na hipótese contrária'.
Também o Tribunal de Conflitos, tem distinguido a função jurisdicional da função administrativa, a partir de critérios ou indíces similares aos que se deixaram enunciados (cfr. Acórdão de 23 de Maio de 1974, Acórdãos Doutrinais, nº 154, pp. 278 e ss.).
Do mesmo modo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a adoptar um idêntico entendimento. 'A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira hipótese a decisão situa-se num plano distinto do dos interesse em conflito. Na segunda hipótese verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse público' (cfr. por todos o acórdão nº 104/85, Diário da República, II série, de 2 de Agosto de 1985).
No campo doutrinal, esta 'vexata questio' tem merecido da parte dos Autores nacionais e estrangeiros um tratamento exaustivo, bastando acompanhar aqui o pensamento de Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, Coimbra,
1976, pp. 13 e ss., que terá sido quem, entre nós, mais longa e aprofundadamente debateu esta questão.
E este Mestre, procurando alcançar o núcleo essencial que distingue as funções jurisdicional e administrativa, escreveu assim:
'Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão de direito». Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se para se conseguir «questão de direito», então não estaremos perante um acto jurisdicional; estaremos, sim, perante um acto administrativo.
Não é, pois, como muito bem o acentua DUGUIT, pelo lado dos efeitos que substancialmente se distinguem as duas espécies de actos jurídicos externos que no seu conjunto respectivamente constituem o exercício da função jurisdicional e da função administrativa. Pelo lado dos efeitos (declarativos, condenatórios, constitutivos ou executivos), as duas funções equivalem-se ou identificam-se. A distinção entre elas é de ordem teleológico-objectiva. Em cada caso, há que proceder à interpretação da lei, para se concluir qual é a finalidade objectiva que, com o exercício de determinada competência legal, necessariamente se realiza'.
No quadro desta caracterização conceitual, atingiu-se uma definição teleológica da função jurisdicional que atende ao designío da intervenção dos
órgãos do poder político do Estado, desígnio que é, na função jurisdicional e não já na função administrativa, estritamente jurídico, visando a realização do direito objectivo pela composição de interesses conflituantes e não o da sua aplicação ou concretização em função de outros interesses públicos, ainda que para o efeito usando como meio a dirimição de conflitos ou litígios jurídicos.
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É certo que a defesa dos espaços florestais e a protecção do ambiente se inscrevem no âmbito do interesse público, desprendendo-se da historicidade dos diplomas em apreço e dos objectivos por eles perseguidos, o propósito de, ao lado dos interesses individuais e particulares dos cidadãos ali acautelados, se intentar também proteger, ao menos indirectamente, interesses da própria colectividade.
Mas, tem-se por seguro, no respectivo contexto normativo global que aqueles órgãos, enquanto tais, isto é, enquanto órgãos de composição de conflitos, não se assumem como órgãos administrativos no desempenho de uma pura actividade administrativa.
O exercício da competência de tais órgãos não se dirige, específica e directamente, à prossecução ou defesa de um interesse da colectividade, visando, ao contrário, pois é essa a finalidade objectiva da lei, resolver uma questão de direito através da composição de um conflito de interesses entre particulares.
Dirimem um conflito jurídico decorrente da 'plantação, ou sementeria de eucaliptos, acácias da espécie denominada de albata, vulgarmente conhecida por acácia mimosa, e de ailantos' efectuada 'a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos', sendo que a sua intervenção carece do requerimento dos interessados, concretamente, 'os proprietários e usufrutuários' daqueles terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios urbanos.
Actuando no sentido de decidir uma controvérsia jurídica e em defesa do directo interesse dos particulares donos dos prédios confinantes com as
áreas de plantação ou sementeira vedadas por lei, o júri avindor e o presidente da câmara municipal assumem-se como órgãos jurisdicionais.
Ora, independentemente de se saber se as normas desaplicadas ainda hoje vigoram na ordem jurídica - pode sustentar-se a sua revogação na decorrência da Lei nº 82/77, de 4 de Dezembro - tem-se por seguro ser constitucionalmente ilegítimo atribuir a um órgão administrativo, por intervenção directa ou indirecta, o exercício da função jurisdicional.
E assim sendo, sempre haveriam elas de ser tidas por inconstitucionais por violação dos artigos 113º, nº 2, 114º, nº 1 e 205º, nºs 1 e 2 da Constituição'.
4. Argumentação em tudo semelhante foi a seguida no citado Acórdão nº 16/96, no qual, após larga transcrição do que acima igualmente se deixou transcrito, se acrescentou:-
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Na verdade, afigura-se claro que a competência atribuída à câmara municipal e ao seu presidente nos normativos em causa se enquadra materialmente na função jurisdicional.
Com efeito, não é o interesse público que se visa aí promover, mas sim a solução de um conflito entre proprietários. O arrancamento das plantações previsto no artº 2º do Decreto-Lei nº 28 039 é uma medida que tem por finalidade proteger o interesse do proprietário do terreno confinante, e tanto assim que a lei instituiu mesmo um mecanismo destinado a fixar as indemnizações que forem devidas - o júri avindor a que se refere o artº 3º do mesmo diploma.
Ora, é sabido que a reserva da função judicial que o artigo 205º, nº
1, da Constituição estabelece em favor dos tribunais não permite que um órgão da Administração possa ter poderes decisórios em relações jurídico-privadas, mesmo que esse órgão deva decidir apenas em conformidade com a lei, não estando sujeito a quaisquer ordens e instruções para este efeito.
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5. Reiterando-se que os raciocínios que conduziram aos julgamentos de inconstitucionalidade dos normativos ora e então sub iudicio continuam a ser subscritos pela maioria do Tribunal, e reiterando-se também que se não antevê a necessidade de os aprofundar ou de os complementar, claramente que, também agora, se haverá de concluir por que tais normativos padecem do vício de desconformidade com o Diploma Básico qualificável como de inconstitucionalidade material.
III
Em face do exposto, o Tribunal declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional consagrada no nº 1 do artigo 205º, conjugado com os artigos 113º, nº 2, 114º, nº 1, e 205º, nº 2, todos da Constituição, as normas constantes da primeira parte do artº 2º do Decreto-Lei nº 28.039, de 14 de Setembro de 1937, e dos artigos 1º e seu § 1º, 2º e 8º, estes do Decreto nº
28.040, também de 14 de Setembro de 1937. Lisboa, 11 de Julho de 1996 Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração de voto junta ao Acórdão nº 630/95) José Manuel Cardoso da Costa