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Procº nº 457/94. ACÓRDÃO Nº 573.96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
(Consº GUILHERME DA FONSECA)
I
1. O Ministério Público intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra e contra A acção visando a sua perda de mandato como vereadora da Câmara Municipal da Nazaré, alegando, para tanto, em síntese:
que a requerida, que tinha sido designada para substituir o presidente da edilidade, recusou expressamente convocar uma reunião extraordinária daquela Câmara requerida por quatro outros vereadores com o fim de se proceder à discussão e votação da perda de mandato daquele presidente;
que, como os indicados vereadores, perante tal recusa, vieram a convocar uma reunião extraordinária, a requerida veio a determinar o encerramento da reunião, sem que houvesse fundamento legal para tanto;
que a requerida, na qualidade de presidente substituto, convocou para duas reuniões extraordinárias os substitutos legais de determinados vereadores, sem que, no entanto, houvesse legalmente a possibilidade de operar a substituição;
que tais actuações se subsumiam ao conceito de ilegalidade grave previsto no nº 1 do artº 9º da Lei nº 87/89, de 9 de Dezembro, o que foi reconhecido por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração Interna na sequência de inquérito levado a efeito pela Inspecção-Geral da Administração do Território.
Por sentença de 21 de Abril de 1994, foi a acção julgada procedente e, em consequência, decretada a perda de mandato da requerida que, não se conformando, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegação apresentada em tal recurso, a requerida, inter alia, defendeu que o artº 10º, nº 3, da Lei nº 87/89 era 'materialmente inconstitucional, por violação do princípio da separação dos poderes, pois que atribui o poder de julgar a órgãos da administração em clara violação ao disposto no art. 295º da Lei Fundamental', igualmente o sendo o artº 14º, nº 1, do mesmo diploma, 'por violação dos arts. 18º e 50º da Constituição'.
2. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 10 de Agosto de 1994, negou provimento ao recurso.
Para alcançar uma tal decisão, aquele Alto Tribunal, por entre o mais, ponderou que, não sofrendo de inconstitucionalidade o artº 14º, nº
1, e o artº 10º, nº 3, um e outro da Lei nº 87/89, 'competia efectivamente à Câmara Municipal da Nazaré decidir a perda do mandato do seu presidente, pelo que a conduta da recorrente, ao impedir a discussão desta questão, foi efectivamente ilícita e ilegal'.
3. É deste acórdão que, pela requerida, vem interposto o presente recurso, por intermédio do qual pretende ver apreciada a conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 10º, nº 3, e 14º, nº 1, ambos da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, e em que, na alegação que produziu, formulou as seguintes conclusões:-
'1ª A Constituição de 1976 confere uma tríplie natureza ao direito de sufrágio, entrevendo-o simultaneamente enquanto direito fundamental, como princípio organizativo e enquanto derivação do princípio democrático, conforme decorre, respectivamente, do disposto no art. 48º/1 e 49º, arts. 111º, 116º e 117º/1, e arts. 1º, 2º, 3º e 10º.
2ª O direito de acesso aos cargos públicos, consa- grado no artº 50º/1 da Constituição, significa que, em relação aos cargos providos por eleição, todos os cidadãos que preencham os requisitos são elegíveis, isto é, gozam de capacidade eleitoral passiva.
3ª A jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, anterior à revisão constitucional de 1989, sempre julgou extensível ao direito eleitoral autárquico as restrições impostas aos deputados à Assembleia da República, previstas no art. 153º da Constituição, por decorrência directa do princípio da unidade da Constituição que deve nortear o cotejo interpretativo-sistemático dos preceitos constitucionais.
4ª A consagração expressa no art. 50º/3, decorrente da segunda revisão constitucional de 1989, de uma restrição à capacidade eleitoral passiva consubstanciada no direito fundamental de acesso a cargos públicos previstos no nº 1 do mesmo preceito constitucional não deixa de impor ao legislador uma vinculação de índole teleológica, circunscrita necessariamente à garantia da liberdade de escolha dos eleitores e isenção e independência no exercício dos cargos electivos.
5ª Em face dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1989, donde resultou a actual redacção do nº 3 do art. 50º da Constituição, torna-se claro que 'a ilegalidade grave' declarada por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território em consequência de uma inspecção de factos passados não se reporta a um momento posterior à eleição, pelo que nunca poderá fundamentar uma substancial incompatibilidade, geradora de inelegibilidade, como o faz o art. 14º//1 da Lei nº 87/89 em clara violação do citado art. 50º/3 da Constituição.
6ª Atento o princípio da unidade da Constituição que obriga a buscar uma 'idónea síntese globalizante' dos diferentes princípios e preceitos constitucionais, a restrição contida no art. 14º/1 da Lei nº 87/89 contraria o princípio geral de direito eleitoral político, consagrado no art. 153º da Constituição na esteira da jurisprudência sedimentada, quer pela Comissão Constitucional quer pelo Tribunal Constitucional.
7ª A norma vertida no art. 14º/1 da Lei nº 87/89 restringe desproporcionadamente o direito fundamental de sufrágio passivo, violando, em consequência, o princípio da proibição do excesso decorrente do art. 18º/2 da Constituição.
8ª O artº 14ª/1 da Lei nº 87/89 é materialmente inconstitucional, por violar o requisito constitucional da não retroactividade da lei restritiva contido no art. 18º/3 da Constituição.
9ª O artº 10º/3 da Lei nº 87/89 é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da separação dos poderes, pois atribuiu o poder de julgar a órgãos da administração em clara violação ao disposto no art. 205º/1 e 2 da Lei Fundamental'.
De seu lado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu a alegação por si apresentada defendendo não violarem a Constituição e, designadamente, os seus artigos 205º, nº 1, e 18º, números 2 e
3, e 50º, nº 3, as normas constantes, respectivamente, dos artigos 10º, nº 3, e
14º, nº 1, da Lei nº 87/89.
Os autos sofreram mudança de relator em virtude de a posição neles assumida pelo primitivo não ter obtido vencimento.
Cumpre, pois, decidir.
II
1. Do relato acima efectuado resulta que o juízo de conformidade constitucional das normas já indicadas levado a efeito pelo Supremo Tribunal a quo, constituiu, de entre outras, uma razão do decidido.
Na verdade, é facilmente extraível do raciocínio utilizado no aresto ora impugnado que a actuação prosseguida pela recorrente foi subsumida como integrando o conceito de ilegalidade grave por isso que, não sendo os normativos constantes daqueles preceitos incompatíveis com o Diploma Básico, não era lícito à mesma recusar-se a convocar a requerida reunião extraordinária da Câmara Municipal da Nazaré com vista a discutir e deliberar sobre a perda de mandato do seu presidente.
Nenhum obstáculo se divisa, pois, ao conhecimento da compatibilidade ou não compatibilidade com a Constituição, das normas constantes dos artigos 10º, nº 3, e 14º, nº 1, da Lei nº 87/89.
2. Ora, tocantemente às aludidas disposições, teve já este Tribunal ocasião de se pronunciar.
Fê-lo, quanto à norma do nº 3 do artº 10º, por intermédio do Acórdão nº 320/93 (publicado na 2ª Série do Diário da República de
2 de Outubro de 1993), onde, por maioria, concluiu não enfermar ela de vício de inconstitucionalidade, designadamente por ofensa do artigo 205º da Lei Fundamental.
A fundamentação carreada a essa peça processual, que aqui se tem por acolhida e que levou à efectivação de um tal juízo, continua a convencer a maioria dos Juízes desta Secção, que, desta arte, não vislumbra motivo para agora diferentemente decidir, sendo certo que a argumentação produzida pela recorrente, na óptica daquela maioria, não consegue abalar a mencionada fundamentação que, desse modo, há-de, igualmente, conduzir, in casu, a idêntico juízo.
2.1. Disse-se, efectivamente, nesse Acórdão:-
'Quanto à alegada violação do artigo 205º. da lei fundamental, que reserva aos tribunais a 'função jurisdicional':
No sentido de a decisão de perda do mandato dever pertencer aos tribunais invoca o recorrente a alteração, operada pela Lei nº. 87/89, de 9 de Setembro, do regime da tutela administrativa constante do Decreto-Lei nº.
100/84.
Na verdade, prevendo igualmente a perda do mandato por parte dos membros dos órgãos autárquicos que 'incorram, por acção ou omissão, em ilegalidade grave ou numa prática continuada de irregularidades, verificadas em inspecção, inquérito ou sindicância, e expressamente reconhecidas como tais pela entidade tutelar' (artigo 9º., nº. 1, alínea c)), a referida Lei veio para esse caso - além de outros que aqui não importa mencionar - atribuir aos tribunais administrativos de circulo a competência para proferir a respectiva decisão
(artigo 10º., nºs. 1 e 3).
...................................................
...................................................
Simplesmente, continua a haver casos, à face da nova lei - os previstos nas alíneas a) e b) do nº. 1 do citado artigo 9º. -, em que 'a competência para decidir da perda de mandato cabe aos próprios órgãos autárquicos' (nº. 3 do artigo 10º.).
Na base da alteração da competência para decretar a medida no caso da alínea c) do nº. 1 do artigo 9º. - correspondente à alínea e) do nº. 1 do artigo
70º. do Decreto-Lei nº. 100/84 - não está, assim, um juízo de inconstitucionalidade da norma, mas antes uma mera opção em matéria de política legislativa.
E não é por a competência para decidir sobre a perda do mandato, no caso que nos ocupa, pertencer agora aos tribunais que devemos concluir estar-se no domínio da função jurisdicional. Como dizem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 2º volume, 1985, nota II ao artigo 206º., não está excluída a possibilidade de atribuir aos tribunais, ao lado das suas funções jurisdicionais, 'funções de outra natureza'.
No sentido de que, no caso, não estamos no domínio da função jurisdicional pode citar-se o Professor Afonso Rodrigues Queiró, A função administrativa (na Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV - nºs.
1-2-3, Janeiro-Setembro - 1977, pág. 1), nº. 2, b), V, A, quando diz que nos casos de decisões disciplinares ou de decisões punitivas de infracções das normas que fixam os deveres dos membros de órgãos colegiais de pessoas colectivas de direito público se trata, realmente, não de actuações jurisdicionais mas de actuações administrativas.
Assegurado, por outro lado, o recurso contencioso da deliberação que declare a perda do mandato (nº. 4 do citado artigo 70º.), não se verifica a invocada inconstitucionalidade'.
2.1. De outra banda, no que respeita à norma constante do nº 1 do artº 14º, a pronúncia deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade ocorreu no Acórdão nº 25/92 (in Diário da República, 2ª Série, de 11 de Junho de 1992), no qual também concluiu pela sua validade do prisma constitucional.
Talqualmente sucedeu quanto à primeira questão, também quanto a esta segunda adopta a maioria dos Juízes desta Secção o entendimento perfilhado no dito Acórdão nº 25/92, quer no que concerne ao juízo decisório ali formulado, quer no que toca à argumentação utilizada.
Caberá agora respigar daquela argumentação os seguintes passos, que se transcrevem:
'A norma sub judice estabelece, com efeito, uma inelegibilidade no domínio das eleições autárquicas.
A sua legitimidade constitucional depende, por isso, de essa inelegibilidade encontrar justificação nos interesses ou valores a que o artigo
50º, nº 3, da Constituição da República vincula o estabelecimento de restrições ao direito de acesso a cargos públicos electivos - a saber, a liberdade de voto e a isenção e independência do eleito no exercício do cargo.
Dispõe, na verdade, o nº 3 do artigo 50º:
3 - No acesso a cargos electivos a lei só pode
estabelecer as inelegibilidades necessárias
para garantir a isenção e independência do
exercício dos respectivos cargos.
Esta norma foi introduzida pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.
Antes disso, a Constituição não continha qualquer norma que, directamente, contemplasse a possibilidade de o legislador estabelecer incapacidades eleitorais passivas (inelegibilidades) no domínio das eleições autárquicas. A única norma que, na Constituição, versava sobre a questão - mas regendo apenas, imediatamente, para a Assembleia da República - era o artigo
153º.
Daí o haver quem entendesse não ser constitucionalmente admissível o estabelecimento de inelegibilidades para os órgãos das autarquias locais [cf. declarações de voto de um dos juízes, apostas nos Acórdãos deste Tribunal nºs
4/84, 8/84 e 12/84 (Diário da República, 2ª Série, de 30 de Abril, de 30 de Maio e de 8 de Maio de 1984)].
A opinião maioritária, no entanto, ia no sentido de que havia que ler o referido artigo 153º como uma «emanação ou revelação de princípios constitucionais gerais relativos ao direito eleitoral português» [cf os Pareceres da Comissão Constitucional nºs 34/79, 7/81, 11/82 e 27/82 (Pareceres da Comissão Constitucional, vols. 10º, pp. 127 e segs., 15º, pp. 94 e segs., e
20º, pp. 242 e segs.), os citados Acórdãos destes Tribunal nºs. 4//84, 8/84 e
12/84 e ainda, entre outros, os Acórdãos nºs 225/85 e 244/85, publicados no Diário da República, 2ª Série, de 18 e 7 de Fevereiro de 1986, e também Jorge Miranda (Estudos sobre a Cons- tituição, vol. II, pp. 461 e segs.)].
8 - Fechado este parêntese, recorda-se que este Tribunal já teve ensejo de, noutra ocasião, sublinhar que o Estado tem que garantir o direito à candidatura segundo o princípio do sufrágio livre e pessoal (cf. Acórdão nº
602/89, publicado no Diário da República, 2ª série, de 6 de Abril de 1990).
O direito a sufrágio passivo é, na verdade, um verdadeiro direito subjectivo público (cf. citado Acórdão nº 602/89), por isso que qualquer restrição a esse direito haja de ser excepcional, só se justificando se, como se disse, for necessário para garantir a liberdade de voto e o exercício isento e imparcial dos cargos autárquicos - e na medida em que o for.
Pois bem: a inelegibilidade decorrente da declaração de perda de mandato de alguém que exercia funções de membro de um órgão autárquico, fundada no cometimento de factos ilícitos graves ou na prática continuada de irregularidades, não pode, é certo, filiar-se na necessidade de garantir a liberdade de escolha dos eleitores, pois não se vê que com ela possa pretender-se prevenir a chamada captatio benevolentiae ou o metus publicae potestatis.
A inelegibilidade em causa já, porém, se justifica pela necessidade de garantir a isenção e independência no exercício de cargo autárquico.
É que, tratar-se-á, geralmente, de tornar inelegível alguém que, tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções, não observou as regras de isenção e desinteresse (a imparcialidade) e de independência, exigíveis a quem deve estar ao serviço do bem comum. De alguém que violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afasta- mento se tornou imperioso.
Permitir a eleição para o mandato imediato de quem assim procedeu seria, pois, contribuir para o desprestígio dos órgãos autárquicos.
Num tal caso, na verdade, estar-se-ia a consentir que as funções autárquicas fossem exerci- das em condições que abririam a porta à suspeita, pois seria inevitável que um autarca eleito com aquele passado fosse visto como alguém cuja isenção, imparcialidade e independência suscita- riam, no mínimo, muitas dúvidas.
Ora, ao legislador cumpre criar condições para que os cargos autárquicos sejam exercidos com isenção e independência, e condições, bem assim, para que os seus titulares surjam aos olhos dos seus concidadãos como pessoas acima de qualquer suspeita nessa matéria.
É que a Administração Pública - administração autárquica incluída - há-de visar sempre a «prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» (cf. artigo 266º, nº
1, da Constituição), e os seus órgãos hão-de actuar, no exercício das suas funções, com respeito pela Constituição e pela lei, e bem assim «com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade» (cf. nº 2 do citado artigo 266º).
A referida inelegibilidade - que, como acaba de ver-se, se justifica pela necessidade de garantir que os cargos autárquicos sejam desempenhados com isenção e independência - também não se mostra desproporcionada, pois que, abrangendo apenas «os actos eleitorais subsequentes a novo mandato completo»
(cf. artigo 14º, nº 1, sub judice), limita-se ao necessário para salvaguardar os ditos valores da isenção e da independência - o que, de resto, é uma exigência do artigo 18º, nº 2, da Lei Fundamental.
Não será despiciendo lembrar aqui, para finalizar, que a Comissão Constitucional, debruçando-se sobre a alínea d) do artigo 4º do decreto da Assembleia da República nº 86/II, de 2 de Julho de 1982 - que dispunha serem inelegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais «os membros dos
órgãos autárquicos dissolvidos [...] cuja responsabilidade pessoal haja sido determinada naquela dissolução, nos actos eleitorais destinados a completar o mandato no decurso do qual ocorreu a dissolução e, nos subsequentes, durante o período de tempo equivalente a um novo mandato» - teve ocasião de ponderar o seguinte:
'[...] a inelegibilidade em apreço, ligada co mo está à prática de graves ilegalidades na gestão autárquica, e ditada como é por um evidente propósito de moralização, de decoro e de salvaguarda do prestígio da administração local, bem poderá ainda encontrar cobertura nacláusula constitucional das inelegibilidades estabelecidas por virtude de
«incompatibilidades locais»'(Cf. parecer da Comissão Constitucional nº 27//82, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 20º, pp. 237 e segs)'.
III
Em face do exposto, não julgando inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 10º, nº 3, e 14º, nº 1, ambos da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 16 de Abril de 1996 Bravo Serra Fernando Alves Correia Messias Bento Guilherme da Finseca (vencido, conforme declaração de voto junta) José de Sousa e Brito (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta ao acórdão nº 25/92) Luis Nunes de Almeida (vencido, como nos Acórdãos nºs 25/92 e nº 320/93) José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 457/94
2ª Secção
Declaração de voto
Vencido, pois concederia provimento ao recurso, com a consequência da reforma do acórdão recorrido, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade das normas dos artigos 10º, nº 3, e 14º, nº 1, da Lei nº
87/89, de 9 de Setembro.
Com efeito, e no que toca àquela primeira norma do artigo 10º, nº 3, segundo a qual 'a competência para decidir da perda do mandato cabe aos próprios órgãos autárquicos', nos casos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 9º, ou seja, nas situações de inelegibilidade verificadas ou detectadas só após a eleição e em situações de falta de comparência às sessões ou reuniões camarárias, sem motivo justificado, entendo haver violação do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 2º e 205º da Constituição, na esteira da declaração de voto do Exmº Cons. Luís Nunes de Almeida que acompanha o acórdão deste Tribunal Constitucional nº 320/93, publicado no Diário da República, II Série, nº 232, de 2 de Outubro de 1993.
Isto porque, como se lê nessa declaração de voto, não me parece ser 'compatível com os princípios do Estado de direito democrático e com a reserva da função jurisdicional a atribuição a um órgão político-administrativo da competência para privar certo cidadão de um direito político fundamental', mesmo nos casos - aparentemente de mais simples constatação - das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 9º. Pois que não vislumbro diferenciação entre esses casos e os das alíneas d) e e), nomeadamente esta, reportada só a uma situação de inscrição partidária, sendo certo que pode falar-se nos tais primeiros casos em sanção administrativa aplicada pelo próprio
órgão autárquico de que faz parte o membro que vê perigar o seu mandato. E é por essa via de sanção administrativa que esse membro de órgão autárquico pode ser privado dos seus mais elementares direitos de participação política.
Portanto, parece-me que a reserva da função jurisdicional, talqualmente está consagrada no nº 1 do artigo 10º, deve funcionar para todos os casos de perda de mandato, valendo, por exemplo, para uma situação de falta de comparência às sessões ou reuniões camarárias, sem motivo justificado (alínea b), para uma situação de resistência ou criação de obstáculos à realização de inspecção, inquérito ou sindicância (alínea d), por referência ao artigo 13º, nº 1, a)), ou para uma situação de controlo de inscrição partidária (alínea e).
Quanto à norma do artigo 14º, nº 1, regendo para os efeitos da perda de mandato, aí se estabelecendo uma ineligibilidade no decurso das eleições autárquicas, adiro às razões do voto de vencido do Exmº Cons. Sousa e Brito que acompanha o acórdão deste Tribunal Constitucional nº
25/92, publicado no Diário da República, II Série, nº 134, de 11 de Junho de
1992, e que me dispenso de transcrever (no sentido da pronuncia pela inconstitucionalidade da norma questionada, por violação do nº 3 do artigo 50º da Constituição).
No fundo, está aqui presente a ideia expressa no acórdão deste Tribunal Constitucional nº 759/95, embora debruçando-se sobre a inconstitucionalidade da norma do artigo 9º nº 3, da mesma Lei nº 87/89, de que se era absurdo que um membro inelegível, mas eleito, assumisse o mandato, 'já não é absurdo - pode é ser mais ou menos inconveniente do ponto de vista político - que o legislador admita que quem perdeu o mandato por virtude de um exercício irregular do mesmo possa candidatar-se nas eleições seguintes'
('Assim, mesmo entendendo-se - como se entendeu maioritariamente no Acórdão nº
25/92 (in Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992) - que o legislador é livre de tomar aqui a opção que considere mais adequada, consoante a maior ou menor gravidade da irregularidade cometida, não incorre ele em qualquer incoerência se permitir a recandidatura' - acrescenta-se no aresto).
Como sustenta o recorrente, 'a intervenção dos poderes públicos deve cingir-se, em matéria de salvaguarda do princípio da imparcialidade à sua garantia no período do mandato dos titulares dos órgãos políticos', dizendo ainda:
'Com efeito, a relação de confiança que se estabelece entre eleitor e eleito projecta-se apenas no lapso temporal a que respeita o mandato para o qual este foi designado electivamente por aquele. Terminado esse mandato, a protecção do princípio em causa já não poderá estar entregue ao poder judicial, mas antes aos eleitores, que decidiram se legitimam ou não aquele político a exercer um novo mandato naquele órgão. Dessa forma, a sanção judicial relativamente a eventuais irregularidades cometidas por um titular de cargo político devem reportar-se exclusivamente ao mandato em que foram praticadas e não devem trazer quaisquer consequências, mesmo que indirectas para futuros mandatos.
É que, a fonte de legitimação desses futuros mandatos já não é a mesma, pois provém de outro acto eleitoral, o que implicaria, no caso de admitirmos a constitucionalidade do art. 14º/1 da Lei nº 87/89, que o poder judicial sobrepusesse a sua vontade à vontade do povo, em nome do qual administra a justiça'.