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Processo nº 443/94
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A. intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato de trabalho com processo ordinário contra B., pedindo a condenação deste a pagar-lhe as quantias especificadas na petição inicial relativas a vencimentos, prémios de jogos, 'luvas', custo de viagens aéreas, tudo vencido e não pago, e ainda referentes a prejuízos sofridos pelo não pagamento de retribuições e prémios vincendos, viagens contratualmente garantidas e não realizadas, montantes estes que identifica ou pede se liquidem em execução de sentença, além dos juros legais vencidos e vincendos, até efectivo pagamento.
Os autos seguiram normal tramitação e, após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu apagar ao autor a quantia de
225.000$00, acrescida de juros de mora à taxa de 15 por cento até integral pagamento, sendo 75.000$00 daquele montante provenientes de remunerações em dívida e o restante a título de indemnização.
Para se atingir este desiderato, teve-se por válido o contrato registado na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e não outro, celebrado entre as partes e invocado pelo autor, por não ter sido registado de harmonia com o disposto no artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87, de 31 de Dezembro, disposição que se teve por vigente e não inconstitucional.
Inconformado, recorreu o autor, de apelação, para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, além do mais, a revogação deste diploma legal pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e, bem assim, a inconstitucionalidade do artigo 11º daquele texto, seja formalmente, por respeitar a matéria da exclusiva competência (reserva relativa) da Assembleia da República, sobre a qual o Governo legislou sem para o efeito estar autorizado, seja materialmente, por ofensa ao princípio do livre acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais e ao princípio da protecção jurídica dos cidadãos.
Recorreu também o réu, subordinadamente, com o objectivo de ver reconhecida a falta de justa causa no despedimento do apelante.
A Relação de Lisboa, por acórdão de 27 de Outubro de 1993, revogou parcialmente a decisão da 1ª instância e julgou improcedente o recurso subordinado.
Tendo presente a matéria fáctica dada como provada, o acórdão considerou ter o citado artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87 um âmbito de aplicação restrito ao domínio fiscal, encontrando-se ferido de inconstitucionalidade formal e material caso se entenda aplicável ao foro laboral.
Recorreu então o B., de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) defendendo a revogação do acórdão da Relação, a substituir por outro que o absolva do pedido.
O Supremo, no entanto, por acórdão de 6 de Outubro de 1994, negou a revista, confirmando o aresto recorrido, após ter 'desaplicado' a norma do citado artigo 11º por a considerar materialmente inconstitucional,
'enquanto viola a garantia consignada no artigo 53º da CR' e, também, formalmente inconstitucional, por ter sido publicado sem respeito pelo disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 2, alínea a), da CR.
2.- Do acórdão do STJ recorreram o Ministério Público e o B., ambos ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O primeiro, reagindo face ao disposto no artigo
72º, nºs. 1, alínea a), e 3, do mesmo diploma, recorre do acórdão na parte 'em que foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante do artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87, de 31 de Dezembro, por violação dos artigos 53º, 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 2, alínea a), da Constituição (correspondendo os dois últimos preceitos aos artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, alínea a), na versão anterior à 2ª revisão constitucional)'.
O segundo recorre igualmente do acórdão por ter recusado a aplicação do citado artigo 11º, 'com o fundamento de que o mesmo padecia de inconstitucionalidade material, por violar o artigo 53º da CRP e de inconstitucionalidade formal, por violar as normas constantes dos artigos 54º,
55º, nº 5, d), e 56º, nº 2, a), da CRP'.
Recebidos ambos os recursos, alegaram oportunamente os interessados neste Tribunal.
O Ministério Público, através do senhor Procurador-Geral Adjunto, formulou as seguintes conclusões:
'1º- O artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87 de 31 de Dezembro não pode ser interpretado como implicando a criação de um inovador requisito de validade ou eficácia dos contratos referentes à prestação de actividade laboral desportiva, (o respectivo registo na Federação Portuguesa de Futebol), já que, com tal significação, seria 'legislação de trabalho', em cuja elaboração deveriam necessariamente ser chamadas a participar as comissões de trabalhadores e as associações sindicais, nos termos dos artigos 54º, nº 5, d) e
56º, nº 2, alínea a) da Constituição.
2º- Não pode, por outro lado, aquele preceito ser interpretado como criando um 'pressusposto fiscal da acção', condicionando o prosseguimento da instância ao efectivo e espontâneo cumprimento pelo autor da obrigação tributária de registo aí cominada.
3º- Na verdade, com tal sentido, resultaria inconstitucionalmente limitado o direito de acesso aos tribunais, emergente do artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental, impedindo-se os titulares de direitos materiais plenamente válidos e eficazes, face ao ordenamento jurídico-substantivo aplicável, de os efectivarem em juízo, obtendo a dirimição dos litígios que, a propósito deles, se verificassem.
4º- Tal limitação, por desproporcionada e desnecessária, revela-se incompatível com o estatuído no artigo 18º, nº 2, da Constituição, bastando ao asseguramento dos interesses do fisco a oficiosa participação às autoridades tributárias competentes da fraude ou omissão na declaração da matéria colectável, detectada pelo Tribunal.
5º- Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida, no que respeita ao juízo de inconstitucionalidade formal da norma desaplicada na decisão recorrida, enquanto perspectivada numa dimensão jurídico-laboral.'
Por sua vez, concluiu o B. as suas alegações do seguinte modo:
'1.- O art. 11º do DL 413/87, de 31.12, consagra um verdadeiro pressuposto processual da instância, ao considerar como requisito mínimo para o Tribunal poder decidir de mérito em acções emergentes de contratos celebrados entre agentes desportivos e entidades utilizadoras dos seus serviços, o registo prévio do contrato na respectiva federação desportiva.
2.- Por essa razão, o art. 11º do DL. 413/87, de 31.12, não viola a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, os arts. 53º, 54º, nº 5, d) e 56º, nº. 2, a).
Termos em que conclui, pedindo que seja declarado conforme à Constituição da República Portuguesa o art. 11º do DL. 413/87, de 31.12, revogando-se desta forma o acórdão recorrido.'
Finalmente, foi assim que o autor rematou as suas alegações:
'a) o art. 11º do Decreto Lei nº 413/87, de 31 de Dezembro, não pode instituir um regime limitador do conhecimento pelos tribunais de contratos ou cláusulas contratuais que não hajam sido registados na respectiva federação desportiva previamente à sua entrada em vigor, pois que tal regra viola claramente a Constituição da República Portuguesa, quer formal quer materialmente, nomeadamente contrariando os seus artigos 53º, 54º,
56º e 168º;
b) não deve sequer tal preceito ser interpretado como mera disposição de fiscalização do cumprimento de normas fiscais porque tal contraria o direito de acesso aos tribunais (direito esse consagrado no artº 20º - nº 1 da C.R.P.), criando impedimentos que se mostram desadequados por desnecessários e desproporcionados com o interesse que pretendem acautelar e que pode ser acautelado de outro modo menos gravoso para o Estado;
c) deve ser indeferido o recurso do B., por falta de legitimidade deste para a sua interposição, face ao disposto nos arts. 70º e
72º da Lei nº 28/82;
d) além da completa improcedência da sua pretensão quanto ao objecto, nomeadamente a produção de declaração de conformidade à Constituição, o que contrariaria de forma clara as normas da Lei Fundamental quando vistas à luz do diploma e do artigo que constituem o fulcro do presente processo.'
Tendo o autor deduzido a excepção de ilegitimidade do réu para o recurso - matéria condensada na transcrita conclusão c) - veio ainda o réu responder pronunciando-se no sentido do seu indeferimento.
Foram corridos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II
1.- O caso vertente apresenta tal identidade com a situação contemplada no Acórdão nº 345/96, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Maio de 1996, que justifica o seu acompanhamento de perto.
Sem prejuízo do desenvolvimento subsequente, consonante com a similitude apontada, suscita-se, no entanto, num momento inicial, afrontar a questão da alegada falta de legitimidade do B. para recorrer para o Tribunal Constitucional.
Houve, oportunamente, ensejo de consignar pretender o arguido não assistir ao B. legitimidade para recorrer, tendo presente o disposto nos artigos 70º e 72º da Lei nº 28/82, como, nas respectivas alegações, muito sinteticamente concluiu, após se ponderar não permitir o nº 2 deste artigo
72º recurso com o fundamento invocado.
Em resposta, o recorrente sublinha não estar fundamentada a asserção, sendo certo que, enquanto o artigo 70º da Lei nº
28/82, na alínea a) do seu nº 1, preceitua caber recurso para este Tribunal em secção, das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, o artigo 72º diz-nos que tem legitimidade para recorrer, as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso [cfr. alínea b) do nº 1).
Na perspectiva deste recorrente, e tendo mais em conta o disposto no artigo 680º do Código de Processo Civil, em que nos termos do seu nº 1 os recursos só podem ser interpostos por que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, não se vislumbra por qual razão lhe faltará legitimidade.
Na verdade, o recurso em causa foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º citado, face à recusa do Supremo, através do acórdão recorrido, em aplicar a norma contida no artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87, não cabendo, sequer, invocar o nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82, que se refere aos recursos previstos nas alíneas b) e f) daquele artigo 70º, nº 1.
A legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, como decorre da alínea b) do nº 1 do citado artigo 72º, não se afasta, antes se identifica, com a legitimidade para recorrer nos termos gerais e estes esclarecem-nos inequivocamente que a mesma pertence a quem 'tenha ficado vencido', ou seja, a quem a decisão foi desfavorável e tem, assim, interesse em a revogar ou alterar.
No caso sub judicio, o acórdão recorrido não aplicou, pura e simplesmente, por alegados vícios de inconstitucionalidade, a norma sindicanda, cuja observância interessava ao recorrente que, como tal, reagiu, pugnando pela sua aplicação.
Se se quiser encarar a situação por outro prisma, a decisão recorrida não se pronunciou a respeito daquela norma, interpretando-a num sentido que foi valorizado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº
636/94, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Janeiro de 1995. Se assim tivesse acontecido - e se, porventura, se entendesse ser caso de seguir orientação jurisprudencial semelhante - então teria cabimento equacionar a questão da legitimidade do recorrente, como então se fez, acolhendo-se uma interpretação que relevaria a falta de legitimidade e conduziria ao não conhecimento do recurso. Não sendo este o caso, o discurso então produzido não aproveita agora.
Indefere-se, por conseguinte, a questão prévia, passando a conhecer-se de mérito.
III
1.- A Lei nº 49/86, de 31 de Dezembro - que aprovou o Orçamento do Estado para 1987 - concedeu, no artigo 63º, autorização legislativa ao Governo para 'estabelecer um regime fiscal adequado à tributação dos rendimentos auferidos por profissionais do desporto, desde que tal actividade, pela sua natureza, seja exercida profissionalmente durante um tempo relativamente curto, quando comparado com a vida activa de qualquer trabalhador, no sentido de permitir a dedução à matéria colectável sujeita a imposto profissional de todas as importâncias despendidas com a constituição de seguros de vida, de fundos de pensão e com outras formas de previdência, sempre que os rendimentos declarados sejam considerados dentro de limites tidos por razoáveis pelos serviços da administração fiscal'.
Ao abrigo do artigo 201º, nº 1, alínea b), da Constituição e daquela credencial parlamentar, mas invocando-se também a alínea a), do nº 1, do mesmo preceito constitucional, foi editado o Decreto-Lei nº
413/87, com o qual, como se alcança da respectiva exposição preambular, se procurou introduzir a necessária moralização no sector da actividade desportiva
'o que passa não só pela aceitação de um tratamento especial para a situação dos agentes desportivos praticantes, mas também pela criação de mecanismos que incutam verdade e transparência em todo o processo e melhorem a eficácia do combate à evasão fiscal' implementando-se, outrossim, 'no Código do Imposto Profissional um regime tributário adaptado à especificidade da actividade dos agentes desportivos praticantes, especialmente dos de alta competição, tendo em vista o esforço desenvolvido numa carreira de curta duração'.
Em ordem à concretização dos objectivos assim proclamados, o Decreto-Lei nº 413/87, concedeu nova redacção a diversos preceitos do Código do Imposto Profissional - artigos 6º, 11º, 52º, 64º e 83º
- e aditou a este mesmo Código dois novos dispositivos - artigos 10º-A e
50º-A.
Por outro lado, numa perspectiva não já eminentemente fiscal, mas de todo o modo ainda com ela indirectamente conexionada, veio impor às entidades utilizadoras dos serviços dos agentes desportivos um conjunto de regras respeitantes à fiscalização financeira da actividade desportiva remunerada.
Assim, tais entidades passaram a ficar obrigadas a possuir contabilidade regularmente organizada (artigo 3º).
Os exames às escritas dessas entidades serão realizados por técnicos economistas ou por peritos de fiscalização tributária dos serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, conforme a complexidade do exame em causa (artigo 4º).
Instituiu-se um conjunto de mecanismos sancionatórios prevenindo as eventuais violações da disciplina ali estabelecida (artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 12º).
O artigo 11º, ora em causa, inscreve-se neste contexto normativo, dispondo:
'Em caso de litígio entre o agente desportivo praticante e a entidade utilizadora dos seus serviços, só poderão ser invocados em juízo os contratos que antes do início da sua vigência tenham sido registados na respectiva federação, considerando-se inexistentes quaisquer cláusulas contratuais que ali não tenham sido registadas.'
2.- Trata-se de norma sobre a qual se tem pronunciado recentemente o Tribunal Constitucional. Embora possa ter na sua génese, como observou o citado Acórdão nº 345/96, determinadas preocupações de ordem fiscal,
'em bom rigor veio estabelecer regras suplementares em matéria de forma e de publicidade dos contratos celebrados entre clubes e agentes desportivos reportando-se por isso às respectivas relações contratuais de trabalho.'
Só que - acrescentou-se então - por vício de procedimento, estava-lhe vedado semelhante programa normativo, implicando a sua estatuição inconstitucionalidade formal.
Escreveu-se, no citado aresto:
'No caso de conflito judicial entre o agente desportivo praticante e a entidade utilizadora dos seus serviços, só não atendíveis em juízo os contratos que, antes do início da sua vigência, tenham sido devidamente publicitados, mediante registo na respectiva federação, considerando-se todos os demais, em princípio, irrelevantes para os tribunais.
E acresce que, relativamente aos próprios contratos registados nos termos da lei, não se admite prova externa complementar do seu articulado, havendo-se como inexistentes todas as cláusulas não constantes do texto levado ao registo da federação.
No quadro jurídico-normativo vigente à data da publicação do Decreto-Lei nº 413/87, no âmbito do contrato de trabalho, maxime, das relações de trabalho entre clubes desportivos e jogadores profissionais de futebol, não se previa a existência de um ónus jurídico - impositivo do registo do contrato de trabalho na respectiva federação - impendente sobre os clubes e os jogadores, sob pena de não poderem opor em juízo à outra parte o contrato não registado.
Com efeito, no domínio do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e em conformidade com o disposto no artigo 6º, o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade salvo quando a lei expressamente determinar o contrário.
E, na sequência da definição do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, os contratos de trabalho a termo, certo ou incerto, ficaram sujeitos a forma escrita, devendo ser assinados por ambas as partes e conter as indicações elencadas nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 42º: (a) Nome ou denominação e residência ou sede dos contraentes; (b) Categoria profissional ou funções ajustadas e retribuição do trabalhador; (c) Local e horário de trabalho; (d) Data de início do trabalhador; (e) Prazo estipulado com indicação do motivo justificativo ou, no caso de contratos a termo incerto, da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído; (f) Data da celebração. Na falta da referência exigida pela alínea d), considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração (nº
2).
Considera-se contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação, bem como as referências exigidas na alínea e) do nº 1 ou, simultaneamente, nas alíneas d) e f) do mesmo número (nº 3).
As relações de trabalho entre as entidades patronais e os jogadores profissionais de futebol achavam-se, na data a que respeita a situação em apreço, sujeitas à Portaria de Regulamentação do Trabalho (PRT), de 9 de Julho de 1975, publicada no Boletim do Ministério do Trabalho, nº 26, de 15 de Julho de 1975. (Esta disciplina veio entretanto a ser alterada pelo Contrato Colectivo de Trabalho estabelecido entre a Liga Portuguesa dos Clubes de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, nº 5, de 8 de Fevereiro de 1991 e pelo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Função Desportiva aprovado pelo Decreto-Lei nº 305/95, de 18 de Novembro).
A Base III da PRT, dispondo sobre forma e registo dos contratos de trabalho, rezava assim:
1 - O contrato, que deverá ser reduzido a escrito e elaborado em quadruplicado, será firmado pela entidade patronal e pelo jogador, ficando cada parte com um exemplar em seu poder e remetendo-se os dois restantes, no prazo de cinco dias e por intermédio da entidade patronal, à Federação Portuguesa de Futebol e ao sindicato.
2.- A possibilidade de participação em competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol fica dependente de registo prévio do contrato na mesma, mediante requerimento assinado pela entidade patronal e pelo jogador.
Deste modo, o contrato celebrado entre o clube e o jogador carecia, além de ser reduzido a escrito, de ser registado na respectiva federação.
Todavia, a ausência do registo não tornava o contrato inválido ou inexistente: desde que reduzido a escrito, produzia efeitos inter partes criando direitos e deveres para jogador e entidade patronal.
Simplesmente, não sendo registado na federação, o contrato não produzia efeitos em relação a esta entidade, achando-se o jogador impedido de participar em competições por ela organizadas, se e enquanto tal registo não se mostrasse efectuado.
Deste modo, o artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87, alterou profundamente o valor do registo a que os contratos se achavam sujeitos, passando a depender a sua eficácia, mesmo no domínio das relações inter partes, da sua verificação, só podendo ser invocados em juízo os contratos registados na federação, sendo que se consideravam inexistentes as cláusulas contratuais não constantes naquele registo.
Tal preceito veio atribuir ao registo do contrato natureza constitutiva, ficando a própria eficácia do acto ou negócio jurídico condicionada por aquela forma de publicação, de tal modo que, a sua não verificação passou a acarretar a não produção dos efeitos jurídicos típicos do acto não registado.'
3.- Na sequência da transcrição feita e a exemplo das considerações lavradas no referido acórdão nº 345/96, deve afirmar-se que o regime inovatório quer em matéria de relação contratual de trabalho se contém na norma do artigo 11º, por respeitar à regulamentação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, consubstanciada na definição de condições de eficácia intrínseca do próprio contrato individual de trabalho, há-de ser conceitualmente entendido como 'legislação do trabalho', de actividade laboral desportiva.
Mas, sendo assim, 'achava-se o Governo constitucionalmente obrigado, como órgão autor daquela norma, a desencadear e assegurar uma efectiva participação das associações sindicais representativas dos trabalhadores por ela abrangidos, cabendo por isso indagar se no respectivo processo de produção legislativa (lato sensu) foi assegurado o direito de participação das competentes associações sindicais.
Ora, considerando que no 'texto preambular do Decreto-Lei nº 413/87, não se contém qualquer referência a uma eventual audição das organizações representativas dos trabalhadores (jogadores profissionais de futebol), na linha de continuidade da jurisprudência que a este respeito tem vendo a ser definida pelo Tribunal Constitucional (cfr. acórdãos nºs. 451/87 e 15/88, já cit.) há-de presumir-se que tal audição não se efectivou, enfermando, consequentemente, aquele diploma, na parte respeitante à norma do artigo 11º, de inconstitucionalidade formal, por violação do disposto no artigo 57º, nº 2, alínea a), da Constituição, na versão de 1982'.
4.- As considerações expostas conduzem à confirmação do acórdão recorrido na medida que a recusa de aplicação do artigo
11º do Decreto-Lei nº 413/87 se baseia na inconstitucionalidade formal invocada, mercê da violação do disposto nos artigos 57º, nº 2, alínea a), da Constituição da República (na versão oriunda da 1ª Revisão Constitucional a que corresponde actualmente a alínea a) do nº 2 do artigo 56º), desinteressando, assim, averiguar da eventual existência de outros vícios de inconstitucionalidade.
IV
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 413/87, de 31 de Dezembro, por violação do disposto no artigo 57º, nº 2, alínea a), da Constituição da República (texto da
1ª Revisão Constitucional);
b) negar, consequentemente, provimento ao recurso.
Lisboa, 9 de Julho de 1996
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa