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Proc.nº 368/95
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. M ..., S ... e D ..., foram na comarca de Vila Nova de Ourém, sujeitos a julgamento em processo sumário crime, no culminar do qual foram condenados como autores, cada um, de um crime previsto e punido pelos artigos 31º nº 11 e 32º nºs 4 a 6 da Lei nº 30/86, de 27 de Agosto (exercício venatório em zona de regime cinegético especial num caso não autorizado) e de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 116º nº 1 alínea c) e nº 2 do DL nº 251/92, de 12 de Novembro (entrada em terreno onde o exercício de caça é condicionado, fora das condições legais).
Resumidamente, diremos que o comportamento dos arguidos, tido por relevante para as condenações respectivas, traduziu-se no exercício da caça, não autorizada, na área da Zona de Caça Especial afecta ao Clube de Caça de Espite
(zona criada pela Portaria nº 668/92, de 8 de Julho).
1.1. Inconformados com o decidido recorreram todos para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Da respectiva motivação fizeram constar a seguinte passagem :
'... a criação dum regime cinegético especial, no caso dos autos, obedeceu ao procedimento prescrito nos artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro, que é um processo alternativo relativamente à forma comum para criar zonas de tal natureza.
Na realidade o procedimento comum encontra-se inscrito na Lei da Caça (Lei nº
30/86, de 27 de Agosto) autêntica lei de bases, que no seu artigo 21º, estabelece o princípio de que as zonas de regime cinegético especial, deverão ser criadas mediante prévio acordo das entidades titulares e gestoras dos terrenos em causa.
Ora, os artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, ao estatuirem um regime alternativo que arranca da ficção do consentimento das partes interessadas, que assenta numa dupla omissão (a não comparência à assembleia aludida no artigo 72º e a não dedução de oposição administrativa referida nos artigos 75º e 76º, todos do mencionado diploma) viola claramente a Lei de Bases e permite o recurso à notificação edital, meio claramente excessivo e desproporcionado, que pode permitir os maiores abusos.
Nestes termos, os mencionados artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, porque contrariam frontalmente o espírito da Lei nº 30/86, são inconstitucionais, não podendo considerar-se válidas as zonas de caça associativa criadas, como a dos autos, à sua sombra'.
Correspondendo a esta visão, formularam os arguidos, aí recorrentes, as seguintes conclusões :
' 1ª. A Zona de Caça Associativa de Espite, foi criada ao abrigo das disposições contidas nos artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro, disposições essas que são inconstitucionais, tendo sido mesmo já requerida pelo Exmº Sr. Procurador-Geral da República, ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, dos artigos 71º a 76º do DL acima referido ou subsidiariamente a sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado - a Lei nº 30/86, de 27 de Agosto.
2ª A inconstitucionalidade dos referidos artigos, deriva da circunstância de preverem um processo alternativo para criação de zonas de caça associativa, que contraria frontalmente o disposto no artigo 21º da Lei da Caça (Lei nº 30/86) substituindo o regime básico do prévio acordo das parte envolvidas, pelo desproporcionado critério de uma dupla oposição dos titulares do interesse afectado - não comparência à assembleia (artigo 72º) e não dedução de oposição administrativa (artigos 75º a 76º).
3º Dada a evidente inconstitucionalidade das disposições à sombra da qual se formou a Zona de Caça Associativa de Espite, não possui a mesma existência legal.'
O Tribunal da Relação de Coimbra, reconhecendo neste trecho da argumentação dos recorrentes uma questão de inconstitucionalidade, pronunciou-se, quanto a ela, nos seguintes termos :
' Quanto à (...) questão (...) da inconstitucionalidade dos artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro, a sua impertinência é manifesta. A zona de caça associativa de Espite foi criada pela Portaria nº 668/92, de 8 de Julho, e este diploma inicia-se com um parágrafo em que se refere o dispositivo legal que fundamentou a criação daquela zona, os artigos 19º, 20º, 21º e 26º da Lei nº
30/86, de 27 de Agosto e 79º do DL nº 274-A/88, de 3 de Agosto. Nesta portaria, de resto, nem se encontra qualquer menção ao DL nº 251/92, diploma publicado até meses depois.
Nada, a não ser um mero lapso a justificar que se haja suscitado tal questão.'
1.2. Deste Acórdão, que negando provimento ao recurso acabou por confirmar a sentença recorrida, interpuseram os mesmos recorrentes novo recurso, desta feita, para o Tribunal Constitucional.
No requerimento de interposição escreveram :
'Tal recurso (...) é interposto ao abrigo da alínea b) do mencionado artigo 70º
(referindo-se à LTC) pretendendo-se que o douto Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade dos artigos 71º e 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro por violação da Lei nº 30/86, de 27 de Agosto, questão essa, aliás, já suscitada na motivação do recurso para o Tribunal de Relação.'
Chegados os autos a este Tribunal produziram os recorrentes as suas alegações. Nestas , para compreensão da decisão a tomar, importa sublinhar as seguintes passagens :
'..., por mero lapso, referiram (eles recorrentes) somente os artigos 71º e 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro, quando é certo que a zona de caça associativa de Espite foi criada pela Portaria nº 688/92, de 8 de Julho, posteriormente alterada pela Portaria nº 890/94, de 3 de Outubro.
Quer isto dizer que na data da criação da referida reserva, as condições e o processo de que dependia a concessão de reservas cinegéticas especiais, eram regidas pelo DL nº 274 A/88, de 12 de Novembro, nomeadamente no seu artigo 65º nºs 3,4,6 e 7.
------------------------------------------- Pretendem os recorrentes ver declarada também a inconstitucionalidade do citado artigo 65º nºs 3,4,6 e 7 do DL nº 274-A/88.
-------------------------------------------
Seguem-se nestas alegações toda uma série de argumentos tendentes à demonstração da desconformidade constitucional da citada norma do DL nº
274-A/88, à qual se referem as conclusões respectivas.
O Ministério Público, por sua vez, pugnando pelo não conhecimento do recurso, conclui :
'A decisão recorrida não fez aplicação, na resolução do caso sub juditio, das normas constantes dos artigos 71º e 76º do DL nº 251/92, a que se reporta exclusivamente o presente recurso.'
Colhidos os pertinentes vistos, cumpre decidir, apreciando, desde logo, a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral-Adjunto em exercício neste Tribunal.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Não oferece qualquer dúvida que os recorrentes, conhecedores do referencial normativo (a Portaria nº 668/92, de 8 de Julho) que instítuiu a zona de regime cinegético especial em que foram detectados no exercício da caça, reportaram, anteriormente à decisão recorrida, e mesmo depois no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a questão de inconstitucionalidade aos artigos 71º a 76º do DL nº 251/92, de 12 de Novembro.
Daí que tenha sido esta a questão relativamente à qual o Tribunal da Relação se pronunciou, obviamente constatando que essas disposições nada tinham que ver com o processo de criação da zona de caça associativa em causa na condenação.
É certo, que nas alegações produzidas junto deste Tribunal - mas só aí - os recorrentes vieram alterar as normas cuja conformidade constitucional querem, agora, ver apreciada, para as do DL nº 274-A/88, de 3 de Agosto, que entendem relevantes no procedimento jurídico-administrativo do acto de constituição da falada Zona de Caça Associativa de Espite.
Estamos perante uma tardia correcção do objecto do recurso - da própria questão de inconstitucionalidade - que não pode deixar de conduzir ao seu não conhecimento. Com efeito, a aceitar-se tal correcção, estaria o Tribunal Constitucional, em aberto confronto com a essência da fiscalização concreta, a pronunciar-se sobre uma questão nova, não apreciada na decisão recorrida e que, por isso, não funcionou como ratio decidendi desta.
O Tribunal aprecia, nos termos do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, normas aplicadas quando previamente arguidas de inconstitucionais, não aprecia normas parecidas, quer apresentam grandes ou pequenas semelhanças, ou relativamente às quais alegadamente se verifiquem idênticos fundamentos de desconformidade constitucional.
Têm aqui inteira aplicação os princípios processuais da preclusão e da auto-responsabilidade das partes (v. a caracterização destes em Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, edição revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra 1979, pp.382 e ss e 378) na condução, ao longo do processo, da questão de inconstitucionalidade normativa em termos de tornar possível a intervenção final do Tribunal Constitucional na sua apreciação.
III DECISÃO
3. Termos em que se decide não tomar conhecimento do presente recurso, fixando-se em cinco unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 8 de Maio de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra Luis Nunes de Almeida