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Procº nº 208/96 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. P... e mulher,, requereram, no Tribunal da Comarca do Porto, produção antecipada da prova, nos termos dos artigos 520º e 521º do Código de Processo Civil, contra J....
Na sua resposta, o requerido negou a existência de fundamento legal para a pretensão dos requerentes e apresentou um pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de preparos e do pagamento de custas, tendo, além disso, apresentado um rol de testemunhas para serem inquiridas sobre os fundamentos da sua oposição à pretensão dos requerentes.
Por despacho do Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto de 24 de Março de 1995, foi deferido o pedido dos requerentes e, bem assim, o pedido de apoio judiciário do requerido, sem ter sido ordenada a inquirição das testemunhas.
2. Indeferida a arguição de nulidade daquele despacho, interpôs o requerido recurso de agravo, o qual foi admitido com subida diferida e com efeito meramente devolutivo, por despacho do Juiz daquele tribunal de 19 de Abril de 1995.
Apresentou então o requerido reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, alegando que, 'na medida em que o julgador não inquiriu, pura e simplesmente, aquelas testemunhas, julgando em favor da parte contrária sem as ouvir, põe em perigo não só o princípio do contraditório, que enforma todo o direito processual português, como o princípio da igualdade dos direitos dos cidadãos, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa'. Sendo assim, na óptica do requerido, 'competia ao Meritíssimo Juiz, ao receber o agravo interposto, recebê-lo com subida imediata e com efeito suspensivo, na medida em que a retenção do recurso, face às circunstâncias do presente caso, o torna absolutamente inútil'.
Tal reclamação foi indeferida, por despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Junho de 1995.
3. Em requerimento dirigido ao 'Meritíssimo Juiz de Direito do 3º Juízo do Tribunal Cível do Porto', interpôs o requerido recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, por o mesmo não ter atendido 'a invocada arguição de violação do artº 13º da Constituição da República Portuguesa'.
Por despacho de 18 de Setembro de 1995, o Juiz do 3º Juízo Cível do Comarca do Porto não admitiu o recurso, com o fundamento de que 'inexiste qualquer situação configuradora da violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa'.
4. Inconformado com o despacho de inadmissão do recurso, do mesmo apresentou o requerido a presente reclamação para o Tribunal Constitucional.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal emitiu parecer no sentido do indeferimento da presente reclamação.
5. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
6. Como resulta do anteriormente exposto, nunca o reclamante suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, pelo que, in casu, não se verificam os pressupostos processuais específicos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº1, alínea b), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). Sucede, no entanto, que, no caso dos autos, salta imediatamente à vista uma outra causa justificativa do indeferimento da presente reclamação, pelo que desnecessário é averiguar a problemática da subsistência dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
Como foi sublinhado no Acórdão nº 268/94 (publicado no Diário da República, II Série, nº 131, de 7 de Junho de 1994), 'este Tribunal só pode
(...) deferir a reclamação, se puder determinar ao juiz reclamado (...) que receba o recurso que para aqui foi interposto (...)'. Ora, no caso sub judicio, não pode o Tribunal Constitucional determinar ao Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto que receba um tal recurso.
Na verdade, como se escreveu no mencionado aresto deste Tribunal, os recursos interpõem-se por meio de requerimento, entregue na secretaria do tribunal que proferiu a decisão recorrida (cfr. o artigo 687º, nº 1, do Código de Processo Civil), a fim de que o juiz recorrido os admita ou rejeite (cfr. os artigos 687º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil e 76º, nº 1, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro).
No presente caso, a decisão recorrida é - recorda-se - o despacho do
Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Junho de 1995, que confirmou o despacho de 19 de Abril de 1995 do Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto que ordenou a subida diferida e atribuiu eficácia devolutiva ao recurso de agravo interposto do seu despacho de 5 Abril de 1995, que indeferiu o requerimento para designação de 'dia para audiência das testemunhas residentes na área da comarca' e para expedição das 'requeridas deprecadas para audição das restantes'.
Por isso, o requerimento, a interpor tal recurso (ou seja, o recurso para o Tribunal Constitucional daquele despacho do Presidente do Tribunal da Relação), devia ter sido endereçado ao juiz que o proferiu, que foi o Presidente do Tribunal da Relação do Porto. Podia, é certo, ser entregue na secretaria do Tribunal da Comarca do Porto (em vez de na secretaria do Tribunal da Relação), por ser aí que o processo se encontrava, mas, num tal caso, deveria requerer-se a remessa dos autos para o Tribunal da Relação, a fim de que o seu Presidente, como autor do despacho recorrido, admitisse ou rejeitasse o recurso (cfr. o citado artigo 76º, nº 1, da Lei nº 28/82). E, no caso de o recurso para o Tribunal Constitucional ter sido rejeitado pelo Presidente do Tribunal da Relação, o requerimento de reclamação para o mesmo Tribunal Constitucional - e não para o seu Presidente (cfr. os artigos 76º, nº 4, e 77º, nº 1, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro) - devia, de igual modo, ser dirigido ao autor do despacho reclamado (o Presidente do Tribunal da Relação) e por ele despachado.
Ora - recorda-se - o requerimento de interposição do recurso do despacho de 30 de Junho de 1995 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional foi dirigido ao Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto, que o rejeitou. E é desse despacho de rejeição que vem a presente reclamação.
O eventual deferimento da reclamação implicaria, assim, que se fosse determinar ao Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto que admitisse o recurso que fora interposto (para o Tribunal Constitucional) de um despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
Isso, porém, é legalmente inadmissível, como bem decorre do que atrás se disse. E impossível é também que a decisão deste Tribunal (que, acaso, deferisse a reclamação do despacho do Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto) pudesse vincular o Presidente do Tribunal da Relação, em termos de dever, ele próprio, admitir o recurso que foi interposto do seu despacho.
Sendo isto assim, a única decisão possível é de indeferimento da reclamação (no mesmo sentido, pode ver-se ainda o Acórdão nº 363/89, publicado no Diário da República, II Série, nº 193, de 23 de Agosto de 1989).
III - Decisão.
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, inde fere-se a reclamação e condena-se o reclamante em custas, fixando-se, para o efeito, a taxa de justiça em Unidades de Conta.
Lisboa, 23 de Outubro de 1996 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa