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Proc. nº 283/95 ACÓRDÃO Nº 241/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves (Monteiro Diniz)
Acordam no Tribunal Constitucional:
I – A e outros interpuseram, perante o Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do Despacho Normativo nº 246/92, de 27 de Novembro, do Secretário de Estado do Tesouro, na parte em que fixou, para efeitos de indemnização por nacionalização, o valor de cada acção representativa do capital social do Banco Português do Atlântico em 5864$00, imputando-lhe o vício de violação de lei.
Aquele Tribunal, por acórdão de 31 de Janeiro de 1995, concedeu provimento ao recurso e declarou nulo o acto impugnado, recusando para tanto, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 205º da Constituição, a aplicação da norma do artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, que permite ao Ministro das Finanças fixar por despacho o valor da indemnização a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas.
Deste acórdão foram interpostos, nos termos dos artigos 280º, nºs.
1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, recursos de constitucionalidade pelo Ministério Público e pelo Secretário de Estado do Tesouro, que, nas alegações entretanto apresentadas, concluíram assim:
O Ministério Público:
'1º - A função jurisdicional traduz-se numa actividade de heterocomposição de conflitos de interesses, realizada por um órgão neutro, independente e imparcial relativamente aos interessados que solicitam tal composição, a efectivar através da estrita aplicação do Direito (ou da equidade, quando a lei o permite) aos casos concretos.
2º - Embora normalmente a função administrativa envolva a prossecução activa de interesses públicos diversos do da realização do Direito e da Justiça, pode a lei atribuir à Administração um poder de auto-composição dos conflitos de interesses subjacentes às relações jurídico-administrativas, como expressão do privilégio da execução prévia.
3º - Não representa usurpação da função jurisdicional a possibilidade legalmente conferida aos órgãos da Administração de tomarem unilateral e autoritariamente decisões vinculativas para os particulares, dirimindo liminarmente conflitos de interesses ou aplicando sanções em áreas regidas pelo Direito Administrativo, mesmo quando as decisões da Administração envolvam a aplicação de critérios estritamente jurídicos.
4º - A questão do arbitramento e liquidação das indemnizações devidas por nacionalizações situa-se plenamente no campo do Direito Público, havendo, consequentemente, interesse público, autónomo e relevante na fixação da contrapartida devida pela apropriação colectiva de meios de produção, ditada por razões de natureza político-económica.
5º - Regendo-se as relações emergentes de nacionalizações inteiramente pelos princípios do Direito público, nada impede que sobre elas possa recair um acto administrativo definitivo e executório, com expressão do atrás aludido poder autotutelar da Administração.
6º - Não representa, deste modo, qualquer usurpação da função constitucionalmente cometida aos Tribunais a possibilidade, conferida pela norma cuja aplicação a decisão recorrida recusou com fundamento em inconstitucionalidade, de o Ministro das Finanças fixar, por despacho, o valor da indemnização, resultante da aplicação dos critérios inovatoriamente estabelecidos no Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro'.
O Secretário de Estado do Tesouro:
'a) A fixação do valor da indemnização a propor ao particular faz parte da função administrativa do Estado que assim realiza um fim público fundamental, que consiste em garantir ao cidadão a imediata atribuição de um sucedâneo quando alvo de expropriação, determinada pelo interesse público;
b) Os particulares podem não aceitar a indemnização fixada administrativamente e, só então, têm o direito de recorrer à via judicial;
c) O nº 2 do artigo 8º do Dec.-Lei nº 332/91, de 6 de Dezembro, não
é nulo por não estar ferido de vício de usurpação de poder, não sendo, em consequência, inconstitucional'.
Em contra-alegações, os recorridos sustentaram a ilegitimidade constitucional da norma desaplicada, desenvolvendo no plano da fundamentação um discurso argumentativo que, em conclusão, assim se sintetizou:
'A) O art. 8º, nº 2, do Dec.-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, é inconstitucional por ofensa designadamente do art. 205 da Constituição;
B) Se assim não se entender, o preceito só pode ser tido por constitucional, face, não só ao mesmo art. 205º, como aos arts. 20º, nº 1, e
268º, nºs 4 e 5, da Constituição, se, no mínimo, se interpretar o referido nº 2 do artº 8º do Dec.-Lei nº 332/91 no sentido de que os poderes atribuídos ao Ministro das Finanças são inteiramente vinculados quanto aos pressupostos e ao conteúdo do acto.
Termos em que, e nos mais de direito, deve o recurso ser julgado improcedente ou, quando assim se não considere, deve ser proferida, ao abrigo do art. 80º, nº 3, da LTC, decisão que fixe a referida interpretação do nº 2 do art. 8º do Dec.-Lei nº 332/91, como fundamento de juízo de constitucionalidade'.
II - Em processo de fiscalização abstracta sucessiva requerido pelo Provedor de Justiça, foi tirado o acórdão nº 452/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995, no qual, embora com votos de vencido, se decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas do artigo 8º do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, relativas à fixação do valor definitivo da indemnização.
É a jurisprudência desse acórdão que aqui se reitera.
III - Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 1996
Ass) Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos do acórdão nº 452/95)
Antero Alves Monteiro Dinis
(vencido, nor termos da declaração de voto produzida no acórdão nº 452/95)
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos do acórdão nº 452/95)
José Manuel Cardoso da Costa
(votei a decisão nos precisos termos da declaração que juntei ao Acórdão nº
452/95, em que oarcial, e consequentemente, subscrevi a fundamentação do mesmo aresto)