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Processo nº 491/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - No 15º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, H... propôs acção emergente de contrato individual de trabalho contra C..., EP (em liquidação), pedindo que esta fosse condenada a reconhecer um seu crédito, no montante global de 2.507.671$00, e que tal crédito fosse incluído no mapa a que se refere o artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, para ser graduado no lugar que lhe competir.
A acção, no saneador, foi julgada improcedente, sendo a Ré absolvida do pedido com fundamento na caducidade do contrato de trabalho.
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2 - O Autor, do assim decidido, levou recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando, além do mais, a questão de inconstitucionalidade da norma da alínea c), do nº 1, do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.
Contudo, por acórdão de 29 de Setembro de 1992, a Relação de Lisboa, depois de indeferir a questão de constitucionalidade - teve-se a norma posta em crise como não inconstitucional - negou provimento ao recurso e confirmou, embora com diferente fundamentação, a decisão recorrida.
Deste acórdão foi interposto pelo Ministério Público recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea g), do nº 1, do artigo
70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alegando-se que o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 81/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992, já tinha julgado inconstitucional a norma da alínea c), do nº 1, do artigo 4º, do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, cujo teor é idêntico ao do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85.
E o Tribunal Constitucional, por acórdão de 27 de Abril de
1994, decidiu julgar inconstitucional - por violação dos artigos 168º, nº 1, alínea b), 18º, nº 3 e 53º da Constituição - a norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada pelo Autor, mandando que a Relação de Lisboa procedesse à reforma do acórdão recorrido, em conformidade com o julgamento da questão de constitucionalidade.
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3 - Em cumprimento do assim decidido, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Abril de 1995, procedeu à reforma da sua anterior decisão e, consequentemente, condenou a C..., a reconhecer ao Autor 'o direito a um crédito de montante equivalente à soma das quantias devidas pelo aviso prévio em falta, a calcular nos termos do nº 1 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, com referência ao Decreto-Lei nº 84/76, de 28 de Janeiro, a resultante da indemnização a apurar nos termos do nº 3 do artigo 12º e nº 1 do artigo 20º por força do artigo 22º, do mesmo diploma e a resultante das diferenças salariais reclamadas e respectivos juros se vier a ser anulado pelo Supremo Tribunal Administrativo o acto que produziu o despacho conjunto dos Ministros do Trabalho e da Habitação, Obras Públicas e Transportes
- Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1993'.
Mais se decidiu que todas as quantias serão apuradas em execução de sentença, e do que se apurar será reduzida a quantia do montante de
1.097.050$00, já recebida pelo apelante.
Deste aresto levaram recurso ao Supremo Tribunal de Justiça o Autor e a Ré, vindo, por acórdão de 27 de Fevereiro de 1996, a ser negado provimento ao recurso do Autor e a ser concedido provimento ao recurso da Ré, sendo esta, em consequência, absolvida do pedido.
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4 - Apresentou então o Autor petição de recurso para este Tribunal sob invocação da alínea g), do artigo 70º, da Lei nº 28//82, alegando o seguinte:
'O referido e douto acórdão, embora faça breve referência ao Acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional fez aplicação da norma constante no artigo
4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, no sentido de ser ponto assente de que a mesma é considerada inconstitucional com força obrigatória geral - pelo Acórdão nº 162/95, de 28 de Maio, publicado no Diário da República, I Série-A, nº 106/95 - quando determina a caducidade dos contratos de trabalho que ligava o recorrente e a recorrida à altura da extinção desta'.
Mas, por despacho do senhor Conselheiro Relator, de 26 de Março de 1996, não foi admitido o recurso com base no entendimento de não se haver feito no acórdão impugnado aplicação da norma da alínea c), do nº 1, do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85.
Discorreu-se assim:
'No acórdão de fls. 359 o que foi decidido foi que o recorrente não tinha direito às diferenças retributivas que pretendia, por não terem merecido a aprovação da Tutela as alterações introduzidas nas Convenções Colectivas de Trabalho no respeitante às remunerações - o que nada tem a ver com a inconstitucionalidade da al. c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto 137/85; e foi também decidido que o direito à indemnização que era reclamado pelo autor se extinguia por virtude de remissão abdicativa - o que igualmente nada tem a ver com a invocada inconstitucionalidade.'
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5 - Deste despacho trouxe então o Autor reclamação ao Tribunal Constitucional, reiterando no alegado o seu entendimento de que o
'acórdão recorrido não teve em conta o sentido e alcance' da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº
162/95.
Por acórdão de 30 de Abril de 1996, a conferência ratificou o despacho de não admissão do recurso, sendo depois o processo remetido a este Tribunal.
Os autos foram continuados com vista ao senhor Procurador--Geral Adjunto que emitiu parecer amplamente fundamentado, concluindo assim:
'a) A decisão recorrida, apesar do seu enunciado verbal, procedeu a uma aplicação implícita da norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, já que a relevância decisiva que atribui ao negócio jurídico designado como 'remissão abdicativa' pressupõe necessariamente, de um ponto de vista lógico jurídico, a cessação dos contratos de trabalho no momento e em consequência da extinção da C... - sendo certo que o Acórdão nº 162/95 deste Tribunal Constitucional já declarou, com força obrigatória geral e eficácia 'ex tunc' a inconstitucionalidade da tal norma.
b) Verificam-se, pois, os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade intentado com fundamento na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, pelo que deverá ser julgada procedente esta reclamação.'
Seguiram-se os vistos legais, cabendo agora apreciar e decidir.
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6 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 5 da Constituição e 70º, nº 1, alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos outros tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional, sendo que a jurisprudência constitucional vem reconduzindo a este tipo de recurso as situações de não acatamento em decisões dos tribunais de declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
E assim sendo, importa, na economia da presente reclamação, averiguar tão somente se no acórdão relativamente ao qual se intentou recorrer, se aplicou norma já antes julgada ou declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Vejamos.
No acórdão nº 528/96, Diário da República, II Série, de 18 de Julho, tirado em plenário, nos termos do artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, foi este Tribunal confrontado com uma materialidade jurídica em tudo idêntica à que vem posta nos presentes autos, reconhecendo-se então ter ali existido a aplicação de uma norma já declarada inconstitucional, determinando-se, em consequência, o recebimento do recurso.
O mesmo desfecho e por força das razões aduzidas em tal aresto, que aqui se dão por acolhidas, deverá ter lugar na situação em apreço, já que também aqui se tem por verificada a aplicação implícita, pelo tribunal a quo, de uma norma anteriormente declarada inconstitucional, com força obrigatória geral - a norma do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº
137/85.
Com efeito, como bem se salienta no parecer do senhor Procurador-Geral Adjunto, o acórdão recorrido - na parte que releva para o recurso de constitucionalidade rejeitado - 'parece assentar claramente no pressuposto de que a relação laboral em questão já se havia extinguido quando foi assinado o documento que incorporaria o contrato de remissão constante dos autos'.
É que, assinalou-se naquele parecer, 'a tese da validade da
'remissão abdicativa' pressupõe obviamento, no 'iter' lógico--jurídico que conduz à decisão, a premissa de que os contratos de trabalho se haviam oportunamente extinguido antes da celebração do negócio dispositivo dos direitos dos trabalhadores à indemnização em clara colisão com o decidido, com força obrigatória geral, por este Tribunal'.
Por outro lado, prossegue-se, 'a invocada 'remissão' ou
'transacção' extra judicial assenta numa pressuposição que cai totalmente pela base com a destruição 'ex tunc' da norma declarada inconstitucional: como resultado expressamente do documento junto aos autos, a quantia pecuniária recebida pelo autor configura-se como pagamento de um 'eventual crédito' decorrente 'da cessação do seu contrato de trabalho por força da extinção da C..., determinada pelo Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.'
É efectivamente assim.
No desenvolvimento argumentativo que conduziu à decisão o Supremo Tribunal de Justiça, implicitamente embora, fez-se apelo ao regime jurídico constante da norma expurgada do ordenamento pelo acórdão nº 162/95, o que vale por dizer que 'não teve em conta o sentido e alcance (...) da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral'.
Achando-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso a que se reportam os artigos 280º, nº 5 da Constituição e 70º, nº 1, alínea g) da Lei nº 28/82, não existe razão para o seu não recebimento.
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7 - Nestes termos, defere-se a reclamação e determina-se que o despacho reclamado seja substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 5 de Novembro de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria da Assunção Esteves
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa