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Processo: n.º 585/93.
1ª Secção
Relator: Conselheiro Monteiro Diniz.
Acordam no Tribunal Constitucional:
I — A questão
1 — No Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, em acção emergente de
acidente de trabalho, por sentença de 15 de Julho de 1992, foi condenada a
seguradora Companhia de Seguros A., S. A., a pagar ao sinistrado B. a pensão
anual e vitalícia de 574 684$00, fixando-se o valor da causa em 9 324 313$00.
2 — Desta decisão levou recurso a companhia seguradora ao Tribunal da Relação de
Lisboa sustentando que «o Acórdão n.º 61/91, do Tribunal Constitucional,
restringe a inconstitucionalidade decretada, à alínea b), do artigo 3.º da
Portaria n.º 760/85, deixando incólume a alínea a), do mesmo artigo 3.º, que se
refere ao cálculo das provisões matemáticas, equivalentes ao valor da causa de
harmonia com o artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. Assim, o
cálculo do valor da causa deve ser efectuado de harmonia com a alínea a), do
artigo 3.º, da Portaria n.º 760/85, e da sua Tabela anexa» e não, como se fez na
decisão recorrida, por aplicação da tabela anexa à Portaria n.º 632/71, de 19 de
Novembro.
Por acórdão de 19 de Maio de 1993, o Tribunal da Relação de Lisboa, negou
provimento ao agravo e confirmou a decisão recorrida.
Para tanto, ateve-se, no essencial, à fundamentação seguinte:
Como é sabido e ponto assente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/91,
de 1 de Abril, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da
alínea b) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, por duas ordens de
razões:
A primeira, por violação do princípio da precedência da lei —
decorrente, designadamente, dos n.os 6 e 7 do artigo 115.º e do artigo 202.º,
alínea c), da Constituição — e também por violação do artigo 201.º, n.º 1,
alínea a);
A segunda, por não audição dos representantes dos trabalhadores — violação do
artigo 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República ou seus artigos
55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), na versão de 1982, vigente à data da
aprovação do diploma em causa.
Ora a violação de tais princípios no caso da alínea b) do n.º 3 da Portaria
760/85 verifica-se de igual modo quanto à globalidade da mesma Portaria, pelo
que toda ela está ferida de inconstitucionalidade e conduzindo à aplicação da
Portaria n.º 632/71, de 19 de Novembro.
Acresce que, como bem refere o douto acórdão da Relação de Coimbra de 28 de
Outubro de 1992, proferido no processo n.º 60/92 e cuja publicação
desconhecemos, tendo-se em vista com a constituição das reservas matemáticas
garantir o pagamento das pensões devidas aos sinistrados, aquelas têm de estar
de harmonia com estas pensões que visam acautelar.
Ora, declarada a inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 3 da Portaria n.º
760/85, de 4 de Outubro, haveria uma discrepância entre o cálculo da remição e o
valor da reserva matemática destinada a caucioná-la, pois aquele é feito com
base na reserva matemática estabelecida na Tabela anexa à Portaria n.º 632/71,
de 19 de Novembro.
3 — Deste acórdão, em obediência ao disposto nos artigos 280.º, n.os 1, alínea
a), e 3, da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, trouxe o Ministério Público recurso a este Tribunal.
Nas alegações depois oferecidas pelo senhor Procurador-Geral Adjunto,
concluiu-se assim:
1.º É inconstitucional, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º
2, da Constituição (versão de 1982), a norma constante da alínea a) do n.º 3,
conjugada com o n.º 1, da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, por, incidindo,
quer directamente quer através da determinação do montante do caucionamento
exigível às entidades patronais, sobre a garantia das pensões por acidentes de
trabalho, que integra o conceito de «legislação do trabalho», ter sido emitida
sem se ter proporcionado a participação, na sua elaboração, às organizações
representativas dos trabalhadores;
2.º Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte impugnada.
A recorrida Companhia de Seguros A., S. A., não contralegou.
Passados os vistos de lei, os autos foram presentes a julgamento verificando-se,
por vencimento, substituição de relator.
Cabe agora apreciar e decidir.
E decidir, concretamente, se a norma constante da alínea a) do n.º 3, conjugada
com o n.º 1, da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, viola qualquer norma ou
princípio constitucional, desde logo, o princípio da precedência de lei e o
direito de participação dos trabalhadores na elaboração da legislação do
trabalho, aos quais se reporta o acórdão recorrido.
II — A fundamentação
1 — A Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que veio estabelecer as bases do
novo regime jurídico dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças
profissionais, dispunha no n.º 1 a base XLIII (sistema e unidade do seguro) que
«as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela
reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a
realizar este seguro, salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para,
por conta própria, cobrir os respectivos riscos».
Quando se verifica transferência dessa responsabilidade as entidades seguradoras
tomam sobre si o ónus correspondente, assumindo, directa e imediatamente, para
com os sinistrados, doentes ou beneficiários, a obrigação de os indemnizar.
A garantia de cumprimento desta obrigação é assegurada, além do mais, pela
constituição de reservas matemáticas, que se destinam a caucionar especialmente
os créditos dos segurados (cfr. artigos 19.º a 23.º do decreto com força de lei
de 21 de Outubro de 1907).
Ora, dispondo sobre o cálculo das reservas matemáticas das pensões devidas por
acidente de trabalho a cargo das companhias de seguros, o Decreto-Lei n.º 26
095, de 23 de Novembro de 1935, para além de revogar o artigo 31.º do Decreto
n.º 5637, de Maio de 1919, que anteriormente regia sobre a matéria, veio
prescrever que tais reservas «são calculadas à taxa de juro de 4 por cento e
segundo as tabelas aprovadas por despacho ministerial, sobre parecer
fundamentado da Inspecção de Seguros, e serão integralmente aplicadas, de acordo
com a legislação especial das sociedades de seguros, até 30 de Abril de cada
ano» (artigo 1.º).
E ajuntava-se, complementarmente, que as bases adoptadas nos termos deste artigo
«poderão ser revistas de dois em dois anos pela Inspecção de Seguros, que
proporá ao Ministro das Finanças a sua alteração» (§ único do artigo 1.º), sendo
que até à aprovação das bases assim referidas, «as reservas matemáticas serão
calculadas nos seguintes termos: (1.º) Taxa de juro de 4,5 por cento; (2.º)
Tábua de mortalidade R. F.; (3.º) Carga de gerência 2 por cento» (artigo 2.º).
Sob expressa invocação do § único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26 095, foi
publicada a Portaria n.º 760/85, que, para melhor apreensão do tema em apreço,
se deixa integralmente transcrita. Assim:
Considerando que as provisões matemáticas do ramo «Acidentes de trabalho» têm
vindo a ser calculadas de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 632/71, de
19 de Novembro;
Verificando-se que as tábuas de mortalidade e as taxas de juro técnicas
constantes das tabelas anexas à referida portaria se encontram manifestamente
desadequadas:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Secretário de Estado do Tesouro,
nos termos do § único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26 095, de 23 de Novembro
de 1935, o seguinte:
1.º São aprovadas, pela presente portaria, as tabelas anexas relativas ao
cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de trabalho.
2.º São utilizadas a tábua de mortalidade PF 1960-64, a taxa de juro técnica de
6% e a carga de gerência de 4%.
3.º As referidas tabelas são aplicáveis:
a) Ao cálculo das provisões matemáticas correspondentes
às pensões fixadas, quer a partir da data da entrada em vigor da presente
portaria, quer anteriormente;
b) Ao cálculo, nos termos legais em vigor, do valor do
capital de remições autorizadas a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da
data da publicação da presente portaria.
4.º As mesmas tabelas são igualmente aplicáveis, sem prejuízo do artigo 5.º do
Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, nos casos de actualização de pensões
de acidentes de trabalho decorrentes do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de
Novembro, com as diversas redacções que lhe foram sucessivamente dadas.
Tendo presente o quadro normativo que vem de se expor, pode dizer-se que a norma
da alínea a) do n.º 3, conjugada com o n.º 1, da Portaria n.º 760/85 — e a ela
se circunscreve o objecto do recurso —, ao contrário do decidido no acórdão
recorrido não viola o princípio constitucional da precedência da lei.
É que, e inversamente à norma constante da alínea b) do n.º 3 da mesma Portaria
— o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/91, Diário da República, I
Série-A, de 1 de Abril de 1991, declarou tal norma inconstitucional, com força
obrigatória geral, por violação do princípio da precedência da lei, decorrente
designadamente, dos n.os 6 e 7 do artigo 115.º e do artigo 202.º, alínea c), e
também por violação do artigo 201.º, n.º 1, alínea a), todos da Constituição — o
normativo ora em apreço não estabelece uma disciplina inicial —, limitando-se a
alterar as tabelas relativas ao cálculo das provisões matemáticas das pensões de
acidentes de trabalho, com base em habilitação legal anterior, concretamente, o
§ único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26 095.
E assim sendo não se têm por transgredidos os n.os 6 e 7 do artigo 115.º da
Constituição.
2 — A decisão recorrida, num outro plano de impostação da matéria controvertida,
considerou a norma desaplicada como violadora dos preceitos constitucionais que
regem a participação das organizações representativas dos trabalhadores na
elaboração da legislação do trabalho.
Será efectivamente assim?
O direito constitucional de participação na elaboração da legislação do trabalho
configura-se como um direito institucional e orgânico de que são titulares as
comissões de trabalhadores e associações sindicais, não estando assim em causa
posições subjectivas individuais (cfr., neste sentido, Jorge Miranda, A
Constituição de 1976, Lisboa, 1978, pp. 462 e 463, e Vieira de Andrade, Os
Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 91
e 92).
A institucionalização do direito de participação na legislação do trabalho tem a
ver com processos de asseguramento de representações de interesses, associando
uma dimensão atinente a «opções de organização do poder político» (Vieira de
Andrade) a uma dimensão de garantia dos direitos dos trabalhadores, ligando-se
ainda aquele direito à dimensão participativa constitucionalmente assinalada
(artigo 2.º) no princípio democrático. Não é uma participação vinculante para
os órgãos de decisão política, assim se compaginando com o princípio
representativo, e a funcionalidade que desenvolve ordena-se à conformação das
opções legislativas, visando acautelar os direitos dos trabalhadores (cfr.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/90, Diário da República, I Série, de
20 de Dezembro de 1990).
Não existe na Constituição uma explícita caracterização daquele conceito havendo
porém a Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, que veio dispor sobre a participação das
organizações de trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho, no seu
artigo 2.º, n.º 1, estabelecido a seguinte definição:
1 — Entende-se por legislação do trabalho a que vise regular as relações
individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores,
enquanto tais, e suas organizações, designadamente:
a) Contrato individual de trabalho;
b) Relações colectivas de trabalho;
c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões
coordenadoras e seus direitos;
d) Associações sindicais e direitos sindicais;
e) Exercício do direito à greve;
f) Salário mínimo e máximo nacional e horário nacional de
trabalho;
g) Formação profissional;
h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.
E no n.º 2 do mesmo preceito, considera-se igualmente matéria de legislação do
trabalho, para os efeitos do respectivo diploma, o processo de aprovação para
ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Não sendo esta definição, por si só, inteiramente esclarecedora (desde logo,
porque a enumeração que nela se contém é feita a título exemplificativo),
reveste-se, porém, de uma muito particular importância, constituindo os dois
vectores essenciais sobre que se suporta, quais sejam, a regulação das relações
individuais e colectivas de trabalho e a regulação dos direitos dos
trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações, o núcleo essencial do próprio
conceito.
Poderá mesmo afirmar-se, acompanhando os dizeres do Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 15/88, Diário da República, I Série, de 3 de Fevereiro de
1988, que «no artigo 2.º deste diploma contém-se um enunciado do conjunto de
matérias integrantes da noção de legislação do trabalho para um efeito, que,
salvo demonstração em contrário, há-de considerar-se uma adequada densificação
legislativa do conceito constitucional».
Aliás, a jurisprudência constitucional definiu uma linha de entendimento e
interpretação daquela noção em termos de quase total similitude com a
caracterização que dela foi feita na referida lei.
De harmonia com ela, e seguindo para sua explicitação, por todos, o Acórdão n.º
107/88, Diário da República, I Série, de 21 de Junho de 1988, «apesar de o texto
constitucional não definir o que seja ‘legislação do trabalho’, pode dizer-se
que esta há-de ser ‘a que visa regular as relações individuais e colectivas de
trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas
organizações’ (cfr. parecer n.º 17/81, Pareceres da Comissão Constitucional,
vol. 16.º, p. 14), ou, se assim melhor se entender, há-de abranger ‘a legislação
regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na
Constituição’ (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 31/84, 451/87 e
15/88, Diário da República, I Série, de, respectivamente, 17 de Abril de 1984,
14 de Dezembro de 1987 e 3 de Fevereiro de 1988)».
3 — A matéria contida na norma desaplicada reporta-se a um direito fundamental,
o da segurança social, na específica perspectiva da protecção contra a
diminuição da capacidade para o trabalho, consubstanciado nas incapacidades
permanentes causadas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais
originadoras de direito a pensões e às respectivas remições (cfr. artigo 63.º,
n.º 4, in fine, da Constituição).
Ora, à luz das considerações atrás desenvolvidas, tal matéria, expressamente
elencada na alínea h) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 16/79, deve
considerar-se como integrada no conceito de «legislação do trabalho» pese embora
o facto de aquela norma se inserir num mero acto regulamentar.
Com efeito, como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 300, «o termo
‘legislação’ não pode manifestamente ser lido no sentido de abranger apenas os
actos legislativos propriamente ditos, devendo ser entendido no seu sentido
amplo corrente de direito ou regulamentação do trabalho, de forma a abarcar todo
o diploma que contenha decisões de nível ‘legislativo’ ou equiparado. Hão-de
conter-se aí naturalmente as várias modalidades de lei (as leis de bases, as
leis de autorização legislativa e as demais leis da AR, os decretos-leis, os
decretos legislativos regionais), as convenções internacionais submetidas a
aprovação, ainda os diplomas regulamentares que não sejam puramente executivos,
isto é, que ainda contenham uma decisão substantiva sobre algum aspecto que
interesse ao estatuto jurídico dos trabalhadores».
Este entendimento não só encontra suporte na interpretação do texto
constitucional, bastando para tanto atribuir ao termo «legislação» um sentido
amplo que o faça coincidir com «normação» ou «produção normativa», como também e
especialmente, é o único que vai ao encontro da razão de ser da participação das
organizações representativas dos trabalhadores no processo de produção
normativo-laboral.
A matéria contida em actos regulamentares que não sejam de mera execução pode
revestir-se muitas vezes, como aliás sucede na situação em presença, de
particular importância — o decreto-lei regulamentado contém uma disposição sem
conteúdo definido vindo a ser preenchida pela portaria em causa — sendo
inadmissível que em tais casos fosse recusado na elaboração dos diplomas
regulamentares, a intervenção das organizações representativas dos trabalhadores
(neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 232/90, Diário da
República, II Série, de 22 de Janeiro de 1991).
De facto, o § único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26 095, norma que serviu de
habilitação à Portaria n.º 760/85 limita-se a afirmar que «as bases adoptadas
nos termos deste artigo poderão ser revistas de dois em dois anos pela Inspecção
de Seguros, que proporá ao Ministro das Finanças a sua alteração», não
fornecendo quaisquer critérios ou orientações a que deva obedecer aquela
revisão.
E por outro lado, como bem assinala o senhor Procurador-Geral Adjunto, «da
ausência total de critérios pré-definidos legalmente para a revisão das ‘bases
adoptadas’, resulta que a Administração, através da sua actividade normativa e
sob proposta da Inspecção de Seguros, é livre na adopção desses critérios, o que
desde logo faz com que não estejamos perante uma questão meramente técnica:
aliás, a demonstração de que a regulamentação desta matéria pressupõe opções
relevantes da Administração radica na própria circunstância de, na Portaria n.º
760/85, terem sido adoptados critérios para o cálculo das provisões matemáticas
que levam a montantes de capital substancialmente mais baixos do que os
resultantes das utilização das tabelas anexas à Portaria n.º 632/71, daí
resultando, dados os fins para que relevam as reservas matemáticas, um
significativo agravamento da situação dos sinistrados».
Assim sendo, e na decorrência do exposto, conclui-se no sentido da
inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, por violação do
disposto nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, da Constituição (na versão
saída da revisão de 1982), pois que, incindindo directamente e através da
determinação do montante do caucionamento exigível às entidades patronais, sobre
a garantia das pensões por acidentes de trabalho, matéria que integra o conceito
de «legislação do trabalho» foi emitida sem ter ocorrido na sua elaboração a
participação das organizações representativas dos trabalhadores — o diploma em
causa não faz qualquer referência a essa participação, sendo assim de
presumir-se a sua não efectivação (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os
451/87 e 15/88, Diário da República, I Série, de, respectivamente, 14 de
Dezembro de 1987 e 3 de Fevereiro de 1988).
III — A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, embora só em
parte, a decisão recorrida.
Lisboa, 16 de Maio de 1995. — Antero Alves Monteiro Diniz — Alberto Tavares da
Costa — Vítor Nunes de Almeida — Maria Fernanda Palma — Armindo Ribeiro
Mendes (vencido nos termos da declaração de voto junta) — José Manuel Cardoso da
Costa [vencido: para além das acrescidas reservas que me merece a doutrina da
aplicabilidade aos «regulamentos» da exigência dos artigos 55.º, alínea d), e
57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na redacção desta de 1982 — v., a esse
respeito, a declaração de voto que juntei ao Acórdão n.º 61/91 —, entendi que a
norma sub judicio não cabe, de todo o modo, na categoria «legislação do
trabalho», pelo essencial das razões constantes da declaração de voto do Ex.mo
Conselheiro Ribeiro Mendes].
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pelas razões que passo a referir.
A norma aplicada por remissão do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo do
Trabalho — constante da alínea a) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85, conjugada com
o n.º 1 da mesma Portaria — tem a ver com matéria processual, pelo que não se
considera que ela possa pôr directamente em causa os direitos dos trabalhadores,
tanto mais que o valor da causa é invariável quer a entidade patronal haja
transferido a sua responsabilidade pelo pagamento da pensão a uma seguradora,
quer não o tenha feito e haja caucionado o pagamento dessa pensão (cfr. artigo
70.º do Decreto n.º 360/71).
Contra esta posição não pode argumentar-se quer com a redacção do artigo 8.º,
n.º 1, alínea x), do Código das Custas Judiciais (nessa disposição faz-se uma
ligação entre as reservas matemáticas e a finalidade da sua constituição «para
garantia das respectivas pensões», ligação que provinha da redacção do artigo
118.º do Código de Processo do Trabalho de 1963, mas que se não afigura de
relevância para o presente recurso), quer com a necessidade de manter uma
solução unitária em matéria do valor do processo e em matéria de constituição de
caução. Tão-pouco se pode argumentar, no que toca à incidência em concreto do
cálculo do valor da acção, com a sua relação com as alçadas dos tribunais de
trabalho. Tenho por seguro que o valor das alçadas nunca pode afectar
directamente os direitos dos trabalhadores, não tendo, por isso, as suas
organizações de ser ouvidas sobre legislação atinente a esta matéria de natureza
processual e organizatória.
Alguma incongruência existe, no plano do direito ordinário, mas não acarreta, em
minha opinião, qualquer juízo de desvalor constitucional no que toca ao modo de
fixação do valor das causas em matéria de acidentes de trabalho, por não se ver
qual a norma ou princípio constitucional violados por tal norma de natureza
processual. — Armindo Ribeiro Mendes.
1 - Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Junho de 1995.