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Procº nº 75/95.
2ª Secção.
Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Na sequência da expropriação de uma parcela de
terreno situada na Quinta da --------------, freguesia do ----------------, do
concelho de -----------, destinada à execução da Via Alternativa à Estrada
Nacional nº --------, A. e mulher, B., invocando a qualidade de expropriados,
dirigiram reclamação à Câmara Municipal de -------------- solicitando que fossem
notificados da proposta de indemnização fixada pelo perito da expropriante.
Aquela edilidade proferiu informação com base no
preceituado no nº 2 do artº 52º do Código das Expropriações aprovado pelo
Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, tendo na mesma concluído que à
reclamação não deveria ser dado atendimento, precisamente com base na
circunstância de os reclamantes, em virtude de unicamente serem 'detentores de
um contrato promessa de compra e venda, sem eficácia real' sobre a parcela
expropriada, não poderem, por isso, ser considerados titulares de qualquer
direito real ou ónus incidente sobre a mesma, razão pela qual eles se
perspectivariam como partes ilegítimas.
Remetidos os autos ao Tribunal de comarca de Almada, por
despacho judicial aí lavrado foi a «reclamação» rejeitada, por isso que os A. e
mulher foram considerados «partes ilegítimas», o que motivou que desse despacho
tivessem agravado para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Tendo aquele Tribunal de segunda instância considerado
improcedente o agravo, do aresto aí proferido recorreram os aludidos A. e mulher
para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, com a alegação produzida produzida
neste último órgão de administração de justiça, juntado um documento, invocando,
para tanto, o estatuído nos 'arts. 706º e 524º do CPC'.
Por acórdão de 23 de Junho de 1994, para além de ter
sido negado provimento ao recurso, foi determinado o desentranhamento do
documento junto com a alegação.
Para assim decidir, no que ao desentranhamento tange,
foi dito em tal acórdão:
'.............................................
Não é admissível a junção aos autos, com as alegações para este
Supremo Tribunal, do documento acima referido.
Dirigido que foi aos recorrentes e datado, como dele consta, de 7 de
Junho de 1993, podia ter sido junto com as alegações apresentadas na Relação,
que o foram no dia 3 de Setembro do mesmo ano.
É o que impõe o preceito contido no artº. 706º. do Código de Processo
Civil.
.............................................'
2. Notificados dessa decisão, pretenderam os A. e mulher
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso que lhes não foi
admitido por despacho de 26 de Setembro de 1994 proferido pelo Conselheiro
Relator do Supremo Tribunal de Justiça, despacho esse com o seguinte teor:
'Requerimento de fls. 100:
1.
Não admito o recurso, interposto para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do nº. 1 do artº. 70º. da Lei nº. 28/82, de 15
de Novembro, na redacção actual.
Transcreve-se o que os recorrentes escreveram, na página 100 verso:
'Invoca-se que a regra geral dos artºs. 523º., 524º. e 706º. do CPC é
limitativa, restritiva e, como tal, inconstitucional, de- vendo prevalecer
sempre o artº. 663º. do CPC, pois a decisão deve corresponder à situação
existente no momento do encerramento da discussão e as restrições/limitações
estabelecidas nas referidas disposições legais ofendem o princípio
constitucional da justiça substancial, que jamais - seja em que circunstância
for - deverá vergar a favor de uma per- missiva negação de justiça meramente
formal.'
Com as alegações para este Supremo, os requerentes juntaram um
documento, aquele que o acórdão ora recorrido não admitiu.
Para a junção, invocaram os artºs. 706º. e 524º. do CPC.
Isto é:
A junção foi requerida ao abrigo destas últimas disposições legais.
Nesse momento, nada se disse sobre a sua eventual inconstitucionalidade.
Interpretadas elas, pelo acórdão ora recorrido, em sentido
desfavorável aos recorrentes vieram, então, eles argui-las de
inconstitucionalidade.
Pelo que não pode ser admitido o recurso, por manifestamente
infundado - Lei nº. 28/82, artºs. 70º. nº. 1 - b e 76º. nº. 2.
2.
Não admito a junção de documentos.
O poder cognitivo deste Supremo esgotou-se com a prolação do acórdão
em causa - CPC, artºs. 666º. nº. 1, 716º., nº. 1 nº. 1 e 726º.
De resto, o Tribunal Constitucional em processos como o presente,
pode apenas apreciar questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade,
previamente suscitados e não questões relativas a matéria de facto - citada Lei
nº. 28/82, artºs. 6º., 70º. e 71º.
3
Assim,
não são admitidos nem o recurso nem a junção de documentos.
Custas pelos recorrentes.'
É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação,
sendo dito no requerimento que a consubstancia:
'.............................................
II. POSIÇÃO DOS RECLAMANTES
4.
Os recorrentes consideram que a junção extemporânea de documentos
constitui nulidade de que o Juiz não pode conhecer sem arguição da parte
contrária, nos termos gerais, o que não se verificou no caso dos autos (...).
Donde, a junção eventualmente ilegal de documentos constitui uma
nulidade simples (artº 201º do CPC), que tem de ser arguida no prazo fixado no
Artº 205º/1/CPC e julgada nos termos do Artº 207º do CPC.
Acresce que o artº 663º do CPC deve prevalecer sobre os arts. 523º,
524º, 543º e 706º do CPC, pois a decisão deve corresponder à situação existente
no momento do encerra- mento da discussão da causa e as limitações estabelecidas
naqueles preceitos ofendem o princípio constitucional da justiça substan- cial.
E se a parte contrária não se incomodou com a referida junção de
documentos, não faz o mínimo sentido que seja o Juiz a querer fazer justiça
meramente formal, o que quer dizer, a fazer uma grande injustiça.
Desde que entre as partes haja acordo tácito na junção de documentos,
ainda que em fase adiantada do processo, o Tribunal não deve pura e simplesmente
intrometer-se na questão e fazer demorar desnecessariamente o processo e
aumentar os actos inúteis processuais.
O excesso de zelo no ajuizamento dos actos processuais também ofende
o princípio impulsivo ou dispositivo das partes, tornando-o desnecessariamente
inquisitorial e, nessa medida e por isso mesmo, inconstitucional.
Em consequência, o recurso está bem interposto, devendo o despacho em
contrário ser revogado, pois onde a lei não distingue, não deve o intérprete
distinguir.
Assim, devia ter sido recebido o recurso para o Tribunal
Constitucional (Arts. 75º, 75ºA e 76º da Lei 28/82).
.............................................'
Por acórdão de 12 de Janeiro de 1995 confirmou o Supremo
Tribunal de Justiça o despacho proferido pelo Conselheiro Relator e que não
admitiu o recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional.
3. Tendo tido «vista» dos autos, pronunciou-se o Ex.mo
Magistrado do Ministério Público no sentido do indeferimento da reclamação.
II
1. Como resulta das, aliás extensas, indicação e
transcrição da matéria fáctica pertinente, no acórdão pretendido recorrer foram
unicamente convocadas, como suporte da decisão, nele ínsita, de recusa da junção
aos autos de um documento que os ora reclamantes desejavam efectuar, as normas
constantes do artº 706º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, na presente reclamação está unicamente
em causa a impugnação do despacho prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo
Tribunal de Justiça (que não admitiu o recurso intentado interpor para o
Tribunal Constitucional) relativamente à pretendida apreciação, por este último,
da constitucionalidade das normas adjectivas civis por intermédio das quais é
vedada a junção de documentos às alegações fora dos casos excepcionais a que se
reporta o artº 524º do Código de Processo Civil ou 'no caso de a junção apenas
se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância'.
Adiante-se desde já que a pretensão aqui deduzida não
deve lograr deferimento.
2. Na verdade, e também como resulta da indicação
fáctica acima feita, os ora reclamantes, aquando do pedido de junção do
documento em causa - pedido esse formulado na alegação apresentada e concernente
ao recurso que interpuseram do acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa
- expressamente invocaram, como base desse pedido, os normativos ínsitos nos
artigos 706º e 524º do Código de Processo Civil.
Ora, do preceituado nesses normativos inequivocamente
deflui que, se ao apresentante já tinha sido possível juntar aos autos um
documento, em momento anterior ao do oferecimento da alegação, ser-lhe-á vedada
a junção do mesmo com aquela peça processual.
Sendo assim, como os ora reclamantes, in casu,
inclusivamente antes da alegação que apresentaram na Relação de Lisboa, já
tinham ao seu dispor o documento que intentaram juntar com a alegação produzida
perante o Supremo Tribunal de Justiça, claramente deveriam pressupor que este
último Alto Tribunal iria recusar a junção pretendida em face das conjugadas
disposições dos artigos 706º e 524º do Código de Processo Civil.
Daí que, se entendessem que as normas constantes destas
disposições enfermavam de inconstitucionalidade, devessem ter suscitado um tal
vício, a fim de, se essa solução viesse a ser perfilhada pelo Supremo Tribunal
de Justiça - consequentemente com recusa de aplicação de tais normativos -
lograrem obter a querida junção, junção essa que, assim e em direitas contas,
era requerida justamente com base na circunstância de o obstáculo legal advindo
daquelas normas se perspectivar como inválido, por incompatibilidade com a Lei
Fundamental.
Desta sorte, por uma banda, tiveram os reclamantes
oportunidade processual para suscitarem a questão de inconstitucionalidade das
indicadas normas e, por outra, era perfeitamente figurável que o Supremo
Tribunal de Justiça, em face do nelas preceituado, não viesse a admitir a junção
do documento. Daí resulta, quanto a este último particular, que a decisão
consistente na não admissão do citado documento não pode, de todo em todo, ser
considerada como surpreendente ou ser tida como imprevisível, porque baseada em
interpretação anómala das assinaladas disposições.
Pois bem:
3. Tem este Tribunal, numa jurisprudência uniforme e já
de há muito tomada, adoptado o entendimento segundo o qual, para que se abra a
via do recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade normativa a
que se reportam os artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1,
alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, se torna necessário que a «parte»
que perspectiva ser determinada norma desconforme com o Diploma Básico, coloque
ao tribunal a quo essa questão, de molde a que este emita um juízo sobre um tal
problema, e isso, precisamente, porque nos situamos perante um recurso, ou seja,
perante um processo de impugnação de uma decisão judicial.
Em consequência, e segundo essa jurisprudência, porque,
em regra, o poder jurisdicional se esgota com a prolação da decisão, mister é
que a suscitação da inconstitucionalidade se opere em momento anterior àquela
prolação, já que só assim, aquando da decisão, terá o tribunal «recorrido»
conhecimento de que tem de equacionar e emitir um juízo sobre uma tal questão.
É certo que, ainda de acordo com o posicionamento deste
Tribunal, podem ocorrer situações de todo excepcionais e certamente anómalas nas
quais, antes da prolação da decisão, não teve a «parte» interessada oportunidade
processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade, ou foi surpreendida
por um modo de interpretação e ou aplicação de normas, adoptado na decisão, com
o qual, razoavelmente, não poderia nem deveria contar. Nesses casos, não
obstante a questão de inconstitucionalidade não ter sido colocada pela «parte»
antes da decisão, tem o Tribunal entendido que se justifica a permissão de
recurso de fiscalização concreta interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
citado artº 70º.
Não é, porém, a presente situação subsumível a um desses
casos excepcionais, atento o que acima se deixou dito.
4. Como se sublinhou já, os ora reclamantes até vieram
invocar, como suporte normativo para a junção do documento, determinadas normas
cujo significado aponta inquestionavelmente para a não permissão da junção;
deduziram um tal pedido antes da decisão a tomar pelo Supremo Tribunal de
Justiça e silenciaram, de todo em todo, qualquer óptica que porventura
perfilhassem no sentido de essas normas padecerem de inconstitucionalidade; o
referido Supremo Tribunal veio a conferir às mencionadas normas uma
interpretação que é aquela que é a sufragada pela jurisprudência dos tribunais
superiores e é a acolhida pela doutrina.
O que vale por dizer, em jeito de resumo, que, no caso
sub specie, houve oportunidade processual para os reclamantes suscitarem, antes
da decisão lavrada no Supremo Tribunal a quo, a questão de inconstitucionalidade
que nos autos só deram como surpreendida no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, e que, por outro lado, naquela decisão
não foi acolhida uma interpretação anómala das normas que, no particular em
causa, serviram de base ao decidido.
Sendo assim, verifica-se que os reclamantes não
cumpriram um dos requisitos exigidos para a abertura do recurso de fiscalização
concreta da inconstitucionalidade previsto nos já aludidos artigos 280º, nº 1,
alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, ou seja,
aquele que consiste na exigência da suscitação, durante o processo, da questão
da desconformidade com a Lei Fundamental.
III
Perante o que se deixa exposto, indefere-se a presente
reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando-se a
taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 20 de Junho de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
José Manuel Cardoso da Costa