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Proc. nº 628/95 ACÓRDÃO Nº 233/96
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A, advogado em causa própria, veio em
2 de Outubro de 1995 interpor reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do art. 76º da lei orgânica deste Tribunal, contra o despacho de indeferimento de recurso de constitucionalidade por ele interposto no Supremo Tribunal de Justiça.
Para tal alegou o seguinte:
- que o despacho reclamado havia remetido para o despacho de fls. 136 dos autos principais para provar a extemporaneidade da interposição do recurso de constitucionalidade 'fazendo tábua rasa do facto de a nulidade insuprível, por inconstitucionalidade de tal decisão ter sido claramente apontada no ponto «1º» do Requerimento de fls. 141 e seguintes'. A verdade é que se trata de decisão judicial arbitrária que deu a notificação feita devidamente em 27 de Junho de
1995 por desfeita 'em ordem a poder taxar de «apresentado fora de prazo» o requerimento de interposição do recurso «sub judice». Tal recurso, por conseguinte, foi tempestivamente interposto';
- que, ao requerer nos autos principais a abertura de instrução, 'arguindo em epílogo, «consequentemente, a inconstitucionalidade material, por omissão - da pessoa do lesado entre o elenco dos que podem requerer a abertura de instrução - da norma do art. 287º» (do Cód. Proc. Penal), está o ora Reclamante outro assim a requerer, implícita mas inequivocamente, o reconhecimento oficial da sua
(virtual) qualidade de assistente, constituendo no processo - até porque «a lei
(cfr. requerimento de 25 de Maio, pág. 2) não prescreve que o interessado processual requeira, formalmente, a sua constituição como assistente»';
- que o Conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça rejeitou liminarmente o pedido de abertura de instrução formulado pelo ora reclamante, invocando que este não possuía a qualidade legal que confere a legitimidade para tal dedução,
'depois de qualificar expressamente como «pretensa» a inconstitucionalidade invocada (sic. ibid., pág. 2, idem)';
- que dúvidas não restam de que a ilegitimidade processual do ora reclamante, afirmada ao despacho do Conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça, emergiu 'directamente da aplicação pelo Supremo Tribunal «a quo», implícita mas inquestionavelmente, daquela norma (entre outras) cuja inconstitucionalidade fora prévia e devidamente arguida pelo interessado'.
Pediu que o Tribunal Constitucional revogasse o despacho de indeferimento do recurso e mandasse admitir o recurso de constitucionalidade.
Requereu certidão de diferentes peças processuais dos autos principais.
2. Foi ordenada a passagem da certidão e oportuna remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
3. Distribuídos os autos no Tribunal Constitucional, dele teve vista o Exmº Representante do Ministério Público. No seu parecer, a fls 40 vº. a 41 vº., este último sustentou que se verificavam múltiplas razões concorrentes para justificar a para si evidente improcedência da reclamação (recurso de constitucionalidade endereçado a entidade incompetente; intempestividade da interposição do mesmo, por falta de reacção tempestiva contra anterior despacho do relator; não esgotamento dos recursos ordinários; manifesta falta de fundamento do recurso).
4. Foram corridos os restantes vistos legais.
III
5. Da certidão junta aos presentes autos, resulta o seguinte:
- O ora reclamante, economista e advogado, a exercer a profissão liberal de revisor de contas, com domicílio no Porto, apresentou queixa pelo crime de prevaricação, previsto no art. 415º do Código Penal, contra um advogado e deputado à Assembleia da República, um juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, um Procurador-Geral Adjunto neste último Tribunal, um juiz do Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo e o Procurador-Geral da República relacionado com o arquivamento de um inquérito preliminar em 1985 na comarca de Viana do Castelo respeitante à denúncia de um crime de burla contra uma empresa pública;
- Relativamente ao Procurador-Geral da República, o processo crime passou a correr no Supremo Tribunal de Justiça, dado a lei processual penal estabelecer que, se for objecto da notícia do crime o Procurador-Geral da República, a competência para o inquérito pertence a um juiz do Supremo Tribunal de Justiça designado por sorteio (artigo 265º, nº 2, do Código de Processo Penal);
- Dada esta regra excepcional de competência, só os factos imputados ao Procurador-Geral da República podiam ser objecto do inquérito no Supremo Tribunal de Justiça;
- Através de despacho datado de 24 de Março de 1995, o Conselheiro sorteado para dirigir este inquérito concluiu liminarmente no sentido de não se verificar a existência de qualquer crime praticado pelo Procurador-Geral da República, como resultava dos termos da própria denúncia apresentada pelo ora reclamante, ordenando, por isso, que, nessa parte, os autos se arquivassem, sem produção de qualquer prova;
- Indeferiu no mesmo despacho um requerimento do denunciante a pedir a requisição de um documento;
- Notificado deste despacho, veio o ora reclamante requerer a abertura de instrução contra o denunciado Procurador-Geral da República (requerimento de 3 de Abril de 1995, certidão a fls. 19 a 21 dos autos). Neste requerimento reiterou a inconstitucionalidade da norma do art. 74º, nº 2, do Código de Processo Penal vigente, suscitada desde o início, e deduziu também a
'inconstitucionalidade material, por omissão, da norma do art. 287º do mesmo Código - omissão, concretamente, da pessoa do lesado entre o elenco dos que podem requerer a abertura da instrução - pelas mesmas razões «de jure»';
- Por despacho de 16 de Maio de 1995 (com o nº 580), e após redistribuição dos autos no Supremo Tribunal de Justiça, foi rejeitado liminarmente pelo Conselheiro a quem os autos foram distribuídos, o pedido de instrução, 'por ter sido requerido por quem não possuía, na altura, tal como agora não possui a qualidade legal que confere a legitimidade para a respectiva dedução' (a fls. 23 vº). Nesse despacho - dactilografado - notou-se que o requerente queixoso não era arguido nem se constituíra assistente ou tentara fazê-lo, afirmando-se que, se o requerente, ora reclamante, tivesse requerido a sua constituição como assistente e este pedido fosse indeferido, com base na interpretação literal do art. 287º do Código de Processo Penal, então poderia vir eventualmente a impugnar a constitucionalidade dessa norma em conjugação com o despacho no nº 1 do art. 68º e nºs. 1 e 2 do art. 74º do mesmo diploma. Acrescentou-se ainda que não cabia 'a este Supremo proceder a uma fiscalização abstracta da inconstitucionalidade das disposições legais, pelo que, no caso em apreço, não há que apreciar o problema de o queixoso se poder ou não constituir assistente, quanto ao crime denunciado, ou que aferir da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas reguladoras dessa matéria';
- Notificado deste despacho, impugnou o ora reclamante o mesmo, interpondo reclamação para a conferência, nos termos do nº 3 do art. 700º do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4º da lei processual penal, e pedindo a respectiva revogação (requerimento de 25 de Maio de 1995, a fls. 25 e
26 dos presentes autos).
- Por despacho de 1 de Junho de 1995 (a fls. 125 a 127 dos autos principais, designado como 580-A) do Conselheiro reclamado, também dactilografado, foi indeferido este requerimento, por se entender que não cabia reclamação para a conferência. No entendimento perfilhado nesse despacho, em processo crime contra magistrado judicial ou do Ministério Público, o juiz da causa, na fase de instrução, tem de ser um juiz singular (Desembargador ou Conselheiro, conforme o tribunal superior de que se tratar), sucedendo que, 'nessas hipóteses, a competência atribuída simultaneamente, como julgador individual, e à Secção Criminal do Tribunal, impede que dos despachos do primeiro se possa reclamar para a conferência, e só permite que, a exemplo do que ocorre na primeira instância, deles se interponha recurso, nos moldes normais' (a fls. 28 vº). No caso concreto, o ora reclamante careceria de legitimidade para interpor tal recurso para o plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, por não ser arguido, nem assistente;
- Este despacho foi notificado ao reclamante através de carta registada com aviso de recepção (expedida em 6 de Junho de 1995 - cfr. certidão a fls. 30 dos autos);
- Em 14 de Junho de 1995, o ora reclamante, queixando-se de que a fotocópia do despacho de 1 de Junho de 1995 por ele recebido era 'excessivamente clara', o que tornava de 'muito difícil leitura toda a decisão e, mesmo, ilegíveis vários trechos, v. g. a fls. 125-v. (onde constam números de preceitos legais)', requereu a sua 'notificação através de cópia totalmente legível' (a fls. 31 dos presentes autos);
- Por cota com data de 27 de Junho de 1995, refere-se que foi enviada 'carta reg. ao Exmº. Dr. A, enviando-lhe a cópia ordenada';
- Todavia, relativamente ao requerimento de fls. 134 (dos autos principais) - requerimento a pedir nova cópia do despacho de 1 de Junho de 1996 - o Conselheiro autor desse despacho indeferiu-o através de despacho de fls. 136, proferido em 30 de Junho, afirmando que o texto do despacho estava escrito por meios mecânicos e se apresentava de fácil leitura. Prevendo a hipótese de a fotocópia enviada se mostrar de difícil leitura, entendia que o requerente deveria ter demonstrado o facto juntando, 'pelo menos, a mesma ao seu requerimento para se poder verificar aquilo que não resulta evidente dos autos'. E terminou este despacho de fls. 136, nos seguintes termos: 'Como o não fez, não pode ser deferido o requerido, tanto mais que já o foi. Em consequência, a data do aludido requerimento corresponde à de notificação do denunciante';
- Este despacho foi notificado ao ora reclamante, que não o impugnou;
- Através de requerimento com entrada em 6 de Julho de 1995 no Supremo Tribunal de Justiça veio o ora reclamante arguir a nulidade do despacho de fls. 136 e, simultaneamente, interpor recurso de constitucionalidade do despacho de fls. 125 e segs., ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, endereçando esse requerimento aos Juizes do Tribunal Constitucional e pedindo que este último examinasse as questões de constitucionalidade das normas do nº 2 do art. 74º do Código de Processo Penal, do nº 1 do art. 287º e do art. 68º do mesmo diploma. Neste requerimento afirmou-se que o despacho de fls. 125 e seguintes seria insusceptível de recurso ordinário, acrescentando-se o seguinte:
' Porém, ainda que se admita ser virtualmente admissível dele recorrer para o plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, acontece que o Exmº Conselheiro Instrutor, em despacho datado de 1 de Junho, a fls. 127, pronunciou-se já no sentido de o ora Recorrente «não ter, por conseguinte, a necessária legitimidade» «para interpor o recurso acabado de referir», sentença que - mercê do concomitante esgotamento do poder jurisdicional do julgador - torna definitivamente inviável, com efeito, aquela virtual via de recurso' (a fls. 37 dos presentes autos);
- O recurso de constitucionalidade foi indeferido pelo Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça por despacho proferido em 15 de Setembro de 1995 (a fls. 146 dos autos principais), quer por ser extemporâneo (apresentação fora de prazo, conforme 'despacho de fls. 125 e seguintes e de fls. 136, ambos oportunamente notificados ao requerente'), quer por não ter sido feita 'qualquer apreciação de normas invocadas de inconstitucionais', nos despachos de fls. 114 e seguintes e
125 e seguintes. Aí se acrescenta que, nesses despachos, 'foi perfeitamente vincado que o indeferimento foi resultante de o requerente não ter dado cumprimento a uma determinada norma processual sem sequer ter curado de saber, pelos meios próprios (que incluíam um pedido da sua parte de atribuição da qualidade de assistente, pedido este que não formulou porque, sem decisão judicial sobre o tema, assumiu, numa interpretação pessoal que até pode não estar certa, que o mesmo seria indeferido), se lhe estava ou não legalmente vedado o respectivo cumprimento'.
6. Descrita de forma detalhada a sequência processual anterior à presente reclamação, estão reunidas as condições para se apreciar o mérito da mesma.
Dir-se-á desde já que não deve ser julgada procedente a reclamação.
A análise da sequência processual descrita, permite concluir que a ora reclamante suscitou uma questão de constitucionalidade no requerimento de abertura da instrução dirigido à secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da alínea a) do nº 3 do art.
11º do Código de Processo Penal. De facto, ele deduziu - na sequência da anterior arguição da inconstitucionalidade do nº 2 do art. 74º deste diploma processual - 'a inconstitucionalidade material, por omissão, da norma do art.
287º do mesmo Código - omissão, concretamente, da pessoa do lesado entre o elenco dos que podem requerer a abertura da instrução -, pelas mesmas razões «da iure»' (a fls. 21 dos presentes autos).
Essa arguição foi indeferida pelo despacho constante de certidão de fls. 22 a 24 dos presentes autos (despacho nº 580, datado de 16 de Maio de 1995), despacho esse que aplicou a norma do nº 1 do art.
287º do Código de Processo Penal (indeferimento liminar do requerimento por o recorrente não se ter constituído assistente e, por isso, não dispor de legitimidade para requerer a abertura de instrução).
7. O ora reclamante pretendeu impugnar esse despacho de indeferimento liminar, através de reclamação para a conferência.
Simplesmente, a sua reclamação - embora dirigida
à conferência - foi indeferida pelo próprio Juiz Conselheiro, autor do despacho reclamado, com o argumento de que, no caso, cabia recurso da sua decisão para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça (despacho nº 580-A, proferido em
1 de Junho de 1994), sendo a reclamação meio processual impróprio.
Chegado a este ponto, o ora reclamante limitou-se a arguir a nulidade deste despacho nº 580-A e, paralelamente, a interpor recurso para o Tribunal Constitucional (requerimento de 6 de Julho de 1995), sem ter recorrido do despacho de indeferimento da reclamação para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
Na prática, isto significa que o ora reclamante acatou o entendimento do Conselheiro instrutor de que não teria legitimidade para recorrer, não obstante ter ficado vencido ao ser-lhe indeferida a reclamação para a conferência pelo referido despacho nº 580-A. Mas significa também que o recorrente não esgotou os recursos ordinários, dirigindo-se logo ao Tribunal Constitucional.
É certo que o ora reclamante manifestou, no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a convicção de que o despacho impugnado (o nº 580-A) era irrecorrível. Como atrás se referiu o mesmo requerente, prevendo a eventualidade de tal despacho ser recorrível, justificou a sua omissão de interposição do recurso para a Secção Criminal nas considerações feitas no despacho nº 580, a fls. 127 dos autos princípais, de que o recorrente não tinha legitimidade para recorrer, despacho esse que teria transitado em julgado.
Ora, a verdade é que o próprio Conselheiro instrutor dissera nesse despacho que das decisões por si proferidas na fase de instrução cabia recurso e não reclamação para a conferência. Assim sendo, o ora reclamante devia ter esgotado os recursos ordinários, impugnando o despacho nº
580-A através de recurso e impugnando o eventual despacho de rejeição desse recurso, até obter decisão de entidade diversa.
Não se verifica, assim, o pressuposto de admissibilidade do recurso previsto no art. 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Neste ponto, tem razão o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, no que afirma no seu parecer.
8. Alcançada esta conclusão, torna-se desnecessário decidir as questões da tempestividade, da falta de endereço adequado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e de falta de fundamento do recurso, as quais se afiguram de alguma complexidade.
III
9. Termos em que decide o Tribunal Constitucional julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa,29 de Fevereiro de 1996
Ass) Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Dinis Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa