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Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho).
O pedido foi, no entanto, indeferido, por sentença de 31
de Dezembro de 1993, com fundamento em que, achando-se, embora, preenchido o
requisito da alínea a) do nº 1 do mencionado artigo 76º, não se verificava o
requisito da sua alínea b).
Inconformada, interpôs a requerente recurso da sentença
(de 31 de Dezembro de 1993) para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando,
entre o mais, que 'a interpretação do requisito negativo vertido na alínea b) do
nº 1 do artigo 76º da LPTA, plasmada na [...] sentença recorrida está ferida de
inconstitucionalidade'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19 de
Abril de 1994, negou provimento ao recurso, por entender que não se verificava o
requisito negativo da alínea b) do nº 1 do artigo 76º da Lei do Processo dos
Tribunais Administrativos.
Uma tal interpretação da alínea b) do nº 1 do artigo
76º, segundo o acórdão recorrido, não viola o direito fundamental dos
administrados à tutela jurisdicional efectiva, consagrada nos artigos 20º e
268º, nºs 4 e 5, da Constituição.
2. É deste acórdão (de 19 de Abril de 1994) que vem o
presente recurso, interposto pela recorrente ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a fim de que se aprecie a
constitucionalidade do artigo 76º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho.
Neste Tribunal, a requerente formulou as seguintes
conclusões:
1ª - Com a autonomização, na segunda Revisão Constitucional de 1989, de um
preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa,
não apenas para o 'reconhecimento' - como se dispunha no texto anterior -, mas
também para a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (art.
268º/5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário do recurso
de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito à
tutela jurisdicional efectiva, pelo que:
a) abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos administrados
perante a Administração;
b) reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição subjectiva de
vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico, digna da
atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva
realização;
2ª - A elevação do princípio da tutela jurisdicional efectiva a direito
fundamental, nos termos dos arts. 20º e 268º/4 e 5 da Constituição, implica a
concretização do seu conteúdo preceptivo mínimo ao nível da Constituição,
traduzido nos seguintes vectores:
a) primeiro, a garantia de uma tutela jurisdicional administrativa sem lacunas,
consubstanciada no princípio de que a qualquer ofensa de direitos ou interesses
legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da Administração Pública deve
corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada;
b) segundo, a garantia da existência de meios necessários com vista à sua plena
exequibilidade e operatividade, no sentido de que o direito à tutela
jurisdicional efectiva se tem de traduzir obrigatoriamente na plena eficácia da
decisão jurisdicional na esfera jurídica do particular;
c) terceiro, e em consequência, a paralisação do privilégio da execução prévia
inerente à actividade administrativa, no caso da sua violação ou da
possibilidade de preclusão da sua tutela eficaz, em obediência ao comando
constitucional contido no art. 266º/1 CRP;
3ª - A Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental à
suspensão da eficácia dos actos administrativos de que se haja interposto ou de
que se pretenda interpor recurso contencioso de anulação, sendo reconduzível ao
núcleo fundamental do direito dos administrados à tutela jurisdicional efectiva,
pelo que é de afastar o entendimento segundo o qual a suspensão da eficácia é
uma providência de carácter excepcional;
4ª - A presunção de legalidade dos actos administrativos nunca pode funcionar
como meio ou critério de prova, ainda que sumária, no quadro do incidente da
suspensão da eficácia, sob pena de se violar o núcleo fundamental do direito à
tutela jurisdicional efectiva, vertido nos arts. 20º e 268º/4 e 5 da
Constituição;
5ª - O nº 1 do art. 76º da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade,
porquanto:
a) é, desde logo, redundante, no sentido de que toda a suspensão da eficácia de
um determinado acto administrativo lesa sempre o interesse público, tal como é
configurado por uma Administração executiva, como é a nossa, pelo que se
constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento desse meio
jurisdicional, denegando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional
efectiva, previsto nos arts. 20º e 268º/4 e 5;
b) apela a uma valoração judicial da gravidade da lesão do interesse público
contrária à ideia material de Direito prosseguida pela Administração, no sentido
de que recorta a actividade por esta desenvolvida numa feição contrária aos
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, violando, pois, o
preceituado no art. 266º/1 da Constituição;
6ª - O art. 76º/1 da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade material, por
restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à tutela
jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação
do art. 18º/2 e 3 da Constituição.
Nestes termos deve ser julgado inconstitucional o art. 76º/1 da L.P.T.A. [...].
De sua parte, o recorrido disse, a concluir as suas
alegações:
1. A sociedade recorrente é uma Sociedade Comercial que prossegue o lucro;
2. O acto administrativo goza de presunção de legalidade;
3. É esse o princípio consagrado constitucionalmente no nº 2 do Artº 266º da
Constituição da República Portuguesa.
4. Não foi trazido ao processo qualquer argumento ou elemento susceptível de pôr
em causa a legalidade do acto;
5. A Sociedade ora recorrente está inquestionavelmente a violar a lei ao
utilizar a fracção para um fim diverso daquele para que foi licenciada;
6. Cabe ao Município perante cada nova utilização ponderar e decidir se a mesma
é compatível do ponto de vista legal e urbanístico.
7. É indefensável a tese de que a actividade da requerente não comporta
diferenças notórias de funcionamento e natureza com as de armazém para cuja
utilização o local está licenciado;
8. O D.L. 445/91, de 20 de Novembro, na al. b) do Artº 1º e no Artº 54º, nº 1,
al. c) e o nº 165º, estes do RGEU estabelecem a obrigatoriedade de sujeição o
licenciamento municipal para utilização de edifícios ou fracções autónomas, bem
como as respectivas alterações e as consequentes sanções;
9. Não se demonstrou factualmente nos autos o fim de interesse público da
sociedade ora requerente, bem pelo contrário, não podendo qualquer eventual
utilidade dos serviços prestados pela recorrente à comunidade que possa surgir
por mero efeito acessório ou por arrastamento da sua actividade lucrativa, seja
susceptível de ultrapassar ou de se sobrepor ao interesse público cometido à
Administração, enquanto garante da legalidade;
10. A suspensão da eficácia dos actos deve ser uma providência a adoptar apenas
nas situações em que excepcionalmente e perante os interesses em jogo se
preencham cumulativamente os requisitos previstos no Artº 76º;
11. Não sendo pressuposto no pedido de suspensão apreciar o mérito da causa,
terá que se presumir que os actos administrativos estão conformes com a
realidade nos pressupostos de facto e exactos nos de direito, pondo-se de outra
forma em causa a segurança jurídica e a idoneidade dos actos administrativos;
12. Os Artº 20º e 268º nº 4 e 5 da Constituição vêm consagrar o direito à tutela
jurisdicional efectiva permitindo-lhe o acesso à justiça que no nosso sistema
são os previstos na nossa Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
13. O nº 1 do Artº 266º da Constituição prevê o princípio da prossecução do
interesse público.
14. Dispõe o nº 1 do Artº 66º da Constituição que todos têm direito a um
ambiente e vida humano, sadio e economicamente e equilibrado direito esse como
se constatou estão seriamente ofendido com a presença da actividade comercial
seguida pela entidade recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado
improcedente [...].
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se a norma que se
contém na alínea b) do nº 1 do artigo 76º da Lei do Processo dos Tribunais
Administrativos é (ou não) inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. Objecto do recurso:
Só vai conhecer-se da questão da constitucionalidade da
norma da alínea b) do nº 1 do mencionado artigo 76º, e não também das que se
contêm nas suas alíneas a) e c).
De facto, de um lado, a recorrente, no recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo, apenas questionou a legitimidade constitucional
daquela norma; de outro, o requisito da alínea a) foi tido por verificado logo
pelo juiz da 1ª instância; finalmente, tendo-se concluído pela não verificação
do requisito da alínea b), no acórdão recorrido (tal como na sentença da 1ª
instância), não se afrontou, sequer, a questão de saber se se verificava ou não
o da alínea c).
5. A questão de constitucionalidade
Da norma da alínea b) do nº 1 do artigo 76º do
Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, resulta que o juiz só pode decretar a
suspensão de eficácia de um acto administrativo, quando - verificados também os
requisitos das alíneas a) e c) do mesmo nº 1 - a suspensão não cause 'grave
lesão do interesse público'.
Este Tribunal, ainda recentemente, no Acórdão nº 631/94
(Diário da República, II série, de 11 de Janeiro de 1995) reafirmou a
conformidade dos requisitos enunciados pelas várias alíneas do nº 1 do
mencionado artigo 76º com a Constituição. E, no Acórdão nº 8/95 (por publicar)
reiterou esse juízo de legitimidade constitucional relativamente à alínea b),
que aqui está sub iudicio (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos nºs 194/95 e
201/95, por publicar)
É esta uma conclusão que não tem qualquer dificuldade em
subscrever quem, como o ora relator, entende que a suspensão jurisdicional de
eficácia dos actos administrativos não é uma garantia constitucional (cf. o
Acórdão nº 187/88, publicado no Diário da República, II série, de 5 de Setembro
de 1988), nem tão-pouco se configura como 'uma faculdade conatural à garantia de
recurso contencioso' ou como 'pressuposto necessário' dela (cf. o Acórdão nº
173/91, publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1991).
Mas tal conclusão é ainda subscrita por quem entende que
o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos (recte, o direito ao recurso contencioso para impugnação
de actos administrativos com fundamento em ilegalidade) pressupõe a faculdade de
obter a suspensão de eficácia dos actos administrativos [cf. os citados Acórdãos
nºs 631/94 e 8/85, e bem assim os Acórdãos nºs 450/91 (Diário da República, II
série, de 3 de Maio de 1993), 43/92 (Diário da República, II série, de 23 de
Fevereiro de 1993) e 366/92 (Diário da República, II série, de 23 de Fevereiro
de 1993)].
Quem assim pensa reconhece, na verdade, que a exigência
(para obter o decretamento judicial da suspensão de eficácia do acto
administrativo impugnado ou impugnando) de inexistência de 'grave lesão do
interesse público', decorrente da suspensão, preserva o conteúdo essencial da
garantia de recurso contencioso: os interessados não ficam impedidos de aceder
aos tribunais para defender os seus direitos e interesses legítimos, nem vêem
esse acesso, injustificada ou desproporcionadamente, restringido ou dificultado.
E mais: a fixação desse condicionalismo fáctico, como necessário (embora não
suficiente) para obter o decretamento judicial da suspensão de eficácia,
limita-se a dar 'conteúdo a uma ponderação judicial entre o interesse do
requerente e o interesse público' (cf. citado acórdão nº 8/95). Para além disso,
uma tal modelação do instituto da suspensão de eficácia é algo que releva ainda
da liberdade de conformação do legislador.
As razões assim sumariamente expostas - que se podem ler
in extenso nos citados Acórdãos nºs 631/94 e 8/95, para cuja fundamentação aqui
se remete - levam o Tribunal a concluir pelo improvimento do recurso.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 17 de Maio de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
José Manuel Cardoso da Costa