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Processo nº 810/95
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo - 2ª Subsecção), em que figuram como recorrente A, e como recorrida a Caixa Geral de Aposentações, pelo essencial dos fundamentos constantes da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 142 e seguintes, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, e que não foram abalados pela resposta do recorrente, que, sustentando um entendimento que conduza 'a uma visão ampla, e não reducionista das hipóteses de recurso de constitucionalidade', não deixa, todavia, de reconhecer, no fundo, que nos autos 'o que sempre defendeu foi que a lei (maxime o artº 78º do A.E.) nunca poderia ser interpretada e aplicada da forma que o foi no acto recorrido, sob pena de grave e ostensiva violação dos oportunamente invocados preceitos e princípios constitucionais, em particular os consagrados nos artºs 53º e 58º da C.R.P.', tendo merecido a 'concordância' da recorrida, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em unidades de conta. Lisboa, 8.2.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 810/95
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo - 2ª Subsecção), de 3 de Outubro de 1995, que negou provimento ao recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 22 de Setembro de
1994, que entendeu 'não se verificarem o vício de violação de lei nem o desvio do poder invocados, e apreciados' e não haver 'lugar ao conhecimento de outros', relativamente ao 'recurso contencioso de anulação da decisão do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, de 93.07.21, e notificada e certificada ao recorrente em 93.09.13 (...), e pela qual aquele Conselho deu a sua anuência a que a Direcção dos Serviços de Pessoal comunicasse ao recorrente
'a cessação do exercício das suas funções'.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, diz o recorrente que ele 'é interposto ao abrigo do artigo
70º, nº 1, al. b) da mesma Lei nº 28/82; a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do artº 78º do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Dec. Lei 498/72, de 12/9, com as suas sucessivas alterações, da forma como foi interpretada e aplicada quer pelo acto impugnado, quer pela sentença e Acórdão recorridos'.
E acrescenta:
'Os preceitos constitucionais que se consideram violados são os dos artºs 53º e
58º da C.R.P. e a questão de inconstitucionalidade foi suscitada designadamente quer nas alegações de 94.03.02 no T.A.C., quer nas alegações produzidas junto deste S.T.A., em particular nas suas conclusões 6º a 9º, permitindo assim quer ao T.A.C. quer a este Supremo Tribunal dela conhecerem'.
2. Os autos revelam, no que aqui importa, o seguinte:
- no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa o recorrente, nas alegações de recurso, veio suscitar que o 'acto recorrido ofende e escandalosamente o conteúdo de dois direitos essenciais constitucionalmente protegidos nos artºs 53º e 58º da C.R.P., o direito à segurança no emprego e o direito ao trabalho, pelo que a decisão impugnada está irremediavelmente afectada, nos termos do artº 133º, nº2, al. d) do Cód. Proc. Adm., do vício da nulidade absoluta' (conclusão 3º, que não têm correspondência no texto das mesmas alegações).
- O Mmº Juiz daquele Tribunal entendeu que os 'fundamentos de impugnação invocados 'ex-novo' nas alegações finais do recorrente de violação dos princípios contidos nos artºs 52º e 58º da CRP não podem ser objecto de apreciação, porque é na petição que devem ser apresentados os fundamentos do recurso, só podendo deixar de o ser, atendendo-se a outros, quando tenham ocorrido ou sejam do conhecimento posterior à interposição do recurso, como é jurisprudência pacífica'.
- no Supremo Tribunal Administrativo o recorrente voltou a repetir, nas alegações de recurso, que o 'acto recorrido ofende assim, e escandalosamente, o conteúdo de dois direitos constitucionalmente protegidos nos artºs 53º e 58º da C.R.P., o direito à segurança no emprego e o direito ao trabalho, pelo que a decisão impugnada está também irremediavelmente afectada, nos termos do artº 133º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Adm., do vício da nulidade absoluta', sendo que tal vício 'é aliás invocável a todo o tempo, e a todo o tempo pode (e, atento o princípio da legalidade também constitucionalmente consagrado, no artº 205º, nº 2 da C.R.P., deve) ser declarado pelos Tribunais, mesmo oficiosamente, 'ex-vi' do artº 134º, nº 2 do Cód. Proc. Adm., pelo que nenhum sentido faz a argumentação a tal respeito deduzida pela sentença recorrida no sentido de dele não conhecer' (conclusões 8ª e 9ª, sintetizando o que consta do texto das mesmas alegações).
- o acórdão recorrido, depois de enunciar que a 'questão a decidir consiste em saber se os artºs 45º e 78º do E. A., impõem, na situação factual do agravante, a cessação de funções', e que a 'resposta tem de ser afirmativa porquanto por aplicação do disposto no artº 78º do Estatuto da Aposentação, o requerente, sendo aposentado, não podia, sem autorização do Conselho de Ministros, exercer funções remuneradas na Caixa Geral de Depósitos', discreteia deste modo sobre aquelas conclusões 8ª e 9ª:
'Nas conclusões 6ª a 9ª conclui o agravante que o acto impugnado, e assim a sentença, violam o conteúdo essencial de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos nos artºs 53º e 58º da Constituição da República Portuguesa, estando, por isso, o acto impugnado afectado de nulidade absoluta nos termos do artº 133º/2, d) do Código do Procedimento Administrativo - DL
442/91, de 11-15 -, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso - artºs
205º/2 da CRP e 134º/2 do CPA -.
Diz, na verdade que, a decisão recorrida consubstancia um verdadeiro despedimento sem justa causa, forma absolutamente ilegítima e ilícita da cessação do contrato de trabalho entre o recorrente e a entidade recorrida desde
07-05-76 e não lhe foi dada oportunidade de obter a licença a autorização do Conselho de Ministros.
Com incidência nas questões aqui suscitadas a sentença recorrida emitiu as seguintes pronúncias: a relação jurídica discutida nos autos é jurídica administrativa (daí a competência do Tribunal Administrativo para conhecer do recurso); a alegação de violação dos artºs 53º e 58º da Constituição foi feita extemporaneamente, pelo que não pode ser objecto de apreciação, por fim, não é exacto, no plano factual, que ao agravante não tenha sido dada oportunidade para obter a autorização do Conselho de Ministros porque lhe foi solicitada a declaração de opção nos termos do artº 45º do EA.
E não há nada a alterar no decidido que corresponde exactamente aos factos apurados e ao direito aplicável sucedendo ainda que as afirmações do agravante em análise partiam de um pressuposto não verificado qual seja o de não ter havido causa legal de cessação da relação jus laboral que mantinha com a Caixa Geral de Depósitos. Ora ficou provado justamente o contrário: a declaração de cessação do contrato correspondeu ao cumprimento estrito da lei pelo que resulta absolutamente insubsistente a afirmação de que teria havia 'despedimento sem justa causa' e consequente violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores que o recorrente invoca.
Improcedem, também, as indicadas conclusões da alegação do agravante'.
3. As transcrições acabadas de fazer propositadamente das peças processuais que interessam no caso revelam à saciedade que se não está perante uma arguição de inconstitucionalidade normativa, em especial quanto à apontada norma do artigo 78º do Estatuto da Aposentação.
Na verdade, o que o recorrente sempre defendeu ao longo do processo foi a violação do 'conteúdo de dois direitos constitucionalmente protegidos nos artºs 53º e 58º da C.R.P.' por parte do acto administrativo contenciosamente impugnado, pretendendo fazer vingar - e bem - a tese da nulidade absoluta desse acto, na óptica do artigo 133º, nº2, d) do Código do Procedimento Administrativo (são 'actos nulos' os que 'ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental').
Lê-se o seguinte no texto das alegações do recorrente apresentadas perante o Supremo Tribunal Administrativo:
'Ora, sendo certo que o recorrente estabelecera com a recorrida um contrato de trabalho e que este, nos termos do Dec. Lei 64-A/89, só pode cessar por uma das formas nele expressamente previstas, é manifesto que a dita 'cessação de funções' não passou afinal de um autêntico e totalmente infundamentado despedimento sem justa causa, uma absurda violação do princípio da segurança no emprego e do direito ao trabalho, despedimento e violação esses ilegal e constitucionalmente proibidos, questão esta que não só foi suscitada, ao menos indirectamente, na petição inicial de recurso, ao contrário do que sustenta a sentença ora sob recurso, (cfr. nºs 1º,2º,9º,10º,36º e 38º da mesma p.i.), como sempre e até por força do artº 207º da C.R.P. era do seu conhecimento oficioso, impondo-se-lhe que não interpretasse e/ou aplicasse preceitos legais de um modo que consubstanciam afinal uma gravíssima violação de preceitos e princípios constitucionais.
E tal inconstitucionalidade, consubstanciando uma gravíssima violação do conteúdo essencial de direitos fundamentais gera a nulidade absoluta do acto recorrido, nulidade essa a todo o tempo invocável e a todo o tempo declarável, mesmo oficiosamente, pelos Tribunais, 'ex-vi' das disposições conjugadas dos artºs 205º, nº 2 da C.R.P. e 134º, nº2 do C.P.Adm.)'.
Não se vê, pois, que o recorrente tenha alguma vez colocado uma questão de inconstitucionalidade da discutida norma do artigo 78º do Estatuto de Aposentação, por referência aos ditos 'direitos constitucionalmente protegidos'. A sua luta sempre se ateve na órbita do acto administrativo em causa e da sua nulidade absoluta, por aplicação do Código do Procedimento Administrativo, não tendo, porém, logrado êxito nas instâncias (na primeira instância, porque se entendeu extemporânea a alegação de violação de normas constitucionais, e no Tribunal a quo, porque se entendeu que 'não há nada a alterar no decidido que corresponde exactamente aos factos apurados e ao direito aplicável', sendo que em tais decisões não há uma apreciação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa).
4. Chegados aqui, é fácil de ver que o recorrente não cumpriu um dos requisitos do recurso de constitucionalidade de que se serviu in casu, o da exigência de suscitação da questão de inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo ( artigo 280º, nº 1, b), da Constituição, e artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). E também em obediência a esse requisito, não suscitou uma questão de inconstitucionalidade, no plano da interpretação da norma em colisão com a Lei Fundamental (norma inconstitucional, numa certa interpretação da mesma).
Em jogo, na tese do recorrente, esteve sempre matéria decisória das instâncias e nunca matéria normativa.
Por outras palavras: o que sempre foi questionado pelo recorrente foi a validade do acto administrativo de que recorreu contenciosamente e a errada pronúncia das instâncias sobre tal questão, donde que a violação de normas constitucionais, a ter lugar, houvesse de radicar naquela pronúncia, e não em norma que tivesse sido aplicada.
Daí que não se possa conhecer do mérito do presente recurso de constitucionalidade, entrando na questão de fundo, por faltar um dos seus pressupostos legais, o da suscitação durante o processo da questão de inconstitucionalidade.
5. Ouçam-se, pois, as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/ /89, de 7 de Setembro. Guilherme da Fonseca