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Processo nº 15/95
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 1994, 'ao abrigo do disposto na alínea b) do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, por aquele douto acórdão ter aplicado erradamente o artº 192º do Código das Custas Judiciais, norma essa que viola os princípios consagrados no nº 1 do artº 13º e no nº 1 do artº 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa suscitada pelo ora recorrente nas suas alegações para esta Veneranda Relação'.
É este o discurso do acórdão, que se transcreve na integra:
'Porque o arguido (ora recorrente) tinha o prazo de sete dias, a contar do despacho que admitiu o recurso, para pagar a taxa de justiça e não o fez no referido prazo, o Senhor Juiz só podia decidir como decidiu: considerar sem efeito o recurso interposto por falta de pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 192º do Código das Custas Judiciais.
O recurso do arguido considera-se interposto com a declaração manifestada nesse sentido na acta e não, como defende o arguido, com a posteriori apresentação da motivação do recurso.
(...)
A lei é assim muito clara a tal respeito, não deixando margem para dúvidas a quem quer que seja.
Como o recurso foi admitido em 8 de Abril de 1994, em 27 de Abril de 1994, data do despacho que deu sem efeito o recurso interposto do acórdão, já havia decorrido o prazo concedido pelo artigo 192º do Código das Custas Judiciais para o arguido pagar a taxa de justiça devida.
Também sem razão o arguido invoca a inconstitu-cionalidade material da norma contida no artigo 192º do Código das Custas Judiciais.
Este preceito não viola, como defende o arguido, o princípio da igualdade consagrado no artigo
13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, como não impede a verificação de todas as garantias de defesa a que alude o nº 1 do artigo 32º da mesma Lei Fundamental.
O artigo 192º do Código das Custas Judiciais, assim, como o artigo 410º do Código de Processo Penal, são aplicáveis a todos os cidadãos, por igual, não privando quem quer que seja de qualquer direito, designadamente de igualdade, que a outros concedem.
O que aqueles preceitos concedem a todos, por igual e sem discriminar quem quer que seja, é a possibilidade de os interessados, face a uma decisão condenatória privativa da liberdade, poderem optar por duas vias em alternativa, escolhendo a que melhor lhes convier: interpor logo recurso por declaração em acta ou interpor recurso por requerimento autónomo a apresentar no prazo de 10 dias.
No primeiro caso, é logo proferido despacho a admitir o recurso, ficando o seu prosseguimento, contudo, dependente do pagamento da taxa de justiça em 7 dias e da apresentação da motivação em 10 dias.
No segundo caso, a motivação do recurso deve logo acompanhar o requerimento de interposição
e o despacho a admitir ou rejeitar o recurso só será proferido quando (e se) for paga a taxa de justiça em 7 dias.
Outras alternativas a lei concede aos eventuais interessados para o não pagamento da taxa de justiça ou para o seu pagamento decorrido aquele prazo, como o apoio judiciário e o justo impedimento.
A lei é, pois, igual para todos. O que é preciso é conhecê-la e cumpri-la, escolhendo a modalidade que melhor convier a cada um, para dela poder tirar os benefícios que ela concede.
Os referidos preceitos
- artigos 192º do Código das Custas Judiciais e o artigo 411º do Código de Processo Penal - também não diminuem qualquer garantia de defesa.
A taxa de justiça devida pela interposição do recurso - artigo 190º, alínea b) do Código das Custas Judiciais - tem a natureza de preparo, como é jurisprudência unânime e de sempre dos nossos tribunais e não, como defende o arguido, a natureza de custas.
As custas em processo penal são constituídas pela taxa de justiça resultante da condenação e pelos encargos descritos no artigo 194º do Código das Custas Judiciais.
Em processo civil, além das custas constituídas
pela taxa de justiça resultante da condenação e pelos encargos a que alude o artigo 65º do Código das Custas Judiciais, há também lugar a preparos, designadamente em recursos, traduzidos também, como no processo penal, em taxa de justiça - artigos 96º e seguintes do Código das Custas Judiciais.
Para pagamento dos preparos, quer em processo penal, quer em processo civil, não há lugar a notificação prévia para o efeito. E uns e outros devem ser pagos nos prazos que a lei estipula.
Ao contrário do que defende o arguido, o processo penal não retira qualquer garantia de defesa que seja concedida pelo processo civil.
Não se vislumbra a inconstitucionalidade invocada pelo arguido'.
2. Nas suas alegações, o recorrente, depois de delimitar a
'questão objecto do presente recurso' e que 'é a da conformidade do artº 192º do Código das Custas Judiciais com os princípios constitucionais', concluiu do seguinte modo:
'a) Por acórdão proferido em 8 de Abril de 1994, o arguido, ora recorrente, foi condenado na pena de um ano e três meses de prisão efectiva;
b) Após a leitura daquele acórdão, o mandatário do arguido ditou para a acta a sua intenção de recorrer;
c) Em 22 de Abril de 1994 - décimo dia posterior ao da prolação do acórdão recorrido - o arguido, ora recorrente, entregou na secretaria a motivação do recurso;
d) Em 27 de Abril de 1994 foi proferido despacho no qual o Mmº Juiz da 1ª instância julgou sem efeito o recurso interposto do, aliás douto, acórdão do Tribunal Colectivo;
e) Aquele despacho fundamenta-se na aplicação do artº 192º do Código das Custas Judiciais, perfilhando o entendimento de que o prazo para pagamento da taxa de justiça começa a contar-se da declaração para a acta da intenção de recorrer;
f) Com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1986, o requerimento de interposição de recurso passou a ser sempre motivado (C.P.P. artº 411º, nº 3);
g) O prazo para a interposição de recurso é de dez dias, independentemente de ter ou não sido precedido da declaração da intenção de recorrer ditada para a acta;
h) No Código de Processo Penal de 1986, o acto de interposição de recurso é complexo, sendo composto pela declaração da intenção de recorrer e pela motivação;
i) Proferido o despacho que admite o recurso - depois de perfectibilizado o acto complexo do seu requerimento de interposição - o recorrente dispõe do prazo de sete dias para pagar a taxa de justiça;
j) O artº 192º do Código das Custas Judiciais prescreve, porém, que, no caso de ser diferida a apresentação da motivação do recurso, o prazo para pagamento da taxa de justiça começa a contar-se da data em que o recorrente haja declarado para a acta a sua intenção de recorrer;
k) O prazo para a entrega da motivação (para completar o acto de interposição) do recurso é de dez dias quer o recorrente tenha declarado para a acta a sua intenção de recorrer, quer só a declare com a motivação;
l) Admitindo a hipótese de dois arguidos condenados no mesmo processo na mesma pena, se um deles declarar a sua intenção de recorrer para a acta e o outro o fizer apenas com a entrega da motivação na secretaria, dispõem ambos os recorrentes do mesmo prazo para a prática do segundo acto integrante do requerimento de interposição de recurso;
m) A situação de um e outro recorrente, é, assim, essencialmente igual [dispõem até do mesmo prazo para apresentar a motivação] pelo que deveriam ter tratamento idêntico;
n) O artº 192º do Código das Custas Judiciais dá tratamento diferenciado a situações essencialmente iguais, com o que viola o princípio da igualdade das pessoas perante a lei consagrado no nº 1 do artº 13º da Constituição;
o) A taxa de justiça referida alínea b) do artº 190º do Código das Custas Judiciais, tem a natureza de custas e não a de preparo, pelo que não é aplicável a faculdade concedida pelo nº 3 do artº 187º do mesmo Código;
p) Em processo civil o recorrente é notificado da conta de custas, sendo ainda advertido do prazo em que as mesmas deverão ser pagas (artºs 143º e 144º do C.C.J.);
q) De acordo com o preceituado no nº 1 do artº 32º da Constituição o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa;
r) Deverá, por isso, prever, pelo menos, as mesmas garantias consagradas nos outros ramos de direito;
s) O artº 192º do Código das Custas Judiciais não assegura, quanto ao processo criminal, as mesmas garantias que consigna no que diz respeito ao processo civil nos seus artºs 143º e 144º, pelo que viola o disposto no nº 1 do artº 32º da Constituição'.
3. Por seu turno, o Ministério Público recorrido concluiu assim as suas alegações:
'1º - A norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, quando interpretada no sentido de que a omissão do pagamento no prazo de 7 dias da taxa de justiça devida pela interposição de recurso determina, como irremediável efeito preclusivo, a deserção fiscal deste, sem que ao arguido-recorrente seja facultada a possibilidade de, em prazo adicional, (e em termos análogos aos estatuídos nos artigos 110º, nºs 1 e 2 e 187º, nº 3, do Código das Custas Judiciais) satisfazer a importância em dívida, acrescida da sanção tributária correspondente à mora, implica restrição excessiva e desproporcionada, violadora dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, afectando o conteúdo essencial do direito ao recurso das decisões penais condenatórias, emergente do preceituado nos artigos 20º e
32º, nº 1, da Lei Fundamental.
2º - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, embora por fundamentos diversos dos sustentados na alegação do recorrente, determinando-se a reforma da decisão recorrida, no sentido atrás propugnado'.
No seu articulado, o Ministério Público, depois de fazer apelo a 'outra perspectiva', com invocação do artigo artigo 79º-C da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e depois de enunciar 'a questão de inconstitucionalidade que releva para o presente recurso' ('em que medida é que o regime de deserção fiscal, constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais - traduzido em se considerar sem efeito o recurso se o recorrente não pagar no prazo peremptório de 7 dias, a taxa de justiça devida, ponderada a diminuta importância desta
(2500$00), sem que haja lugar à advertência ao recorrente para proceder ao pagamento, logo que constatada a omissão - constituirá restrição excessiva e desproporcionada, susceptível de afectar a extensão e o conteúdo essencial do aludido 'direito ao recurso' da sentença condenatória?'), adiante a seguinte linha argumentativa:
'No caso 'sub juditio', impressionam-nos particularmente os dois aspectos que, de seguida, passamos a apreciar.
O primeiro deles, prende-se com o diminuto montante da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, considerando-se claramente desproporcionada a gravosa sanção processual correspondente ao retardamento na efectivação do pagamento. Afigura-se, na verdade, que o inte
resse patrimonial do Estado em ver assegurada a quantia de custas presumivelmente devida a final pelo arguido - aliás, tutelado de forma pouco intensa, atento o montante irrisório da taxa de justiça cominada para a interposição do recurso - não deverá sobrepor-se de forma tão intensa e excessiva relativamente ao direito fundamental do arguido ao recurso da decisão condenatória, emergente dos artigos 20º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
O segundo aspecto prende-se com a circunstância de o Tribunal não haver aplicado o regime estatuído no Código das Custas Judiciais para a não efectivação pontual dos preparos, condicionando a cominação ou sanção processual correspondente à omissão do seu pagamento tempestivo - a deserção final - à prévia advertência ao arguido-recorrente para efectivar o seu pagamento, em prazo adicional, e com a sanção tributária prevista para os preparos iniciais nos recursos cíveis.
Na verdade, qualificando embora o acórdão recorrido como sendo de 'preparo' a importância devida pelo recorrente ('A taxa de justiça devida pela interposição do recurso
- artigo 190º alínea b) do Código das Custas Judiciais - tem a natureza de preparo'), não lhe aplicou, todavia, o regime decorrente do artigo 110º, nºs 1 e 2, do Código das Custas Judiciais - e expressamente consagrado, no que toca aos recursos penais interpostos nos tribunais superiores, no
nº 3 do artigo 187º do Código das Custas Judiciais.
Ora, consideramos incompatível com o princípio constitucional das garantias de defesa, constante do citado artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental, o estabelecimento de efeitos cominatórios e preclusivos mais gravosos no domínio processual penal do que os vigentes em processo civil.
Na verdade, se estivéssemos perante a omissão de tempestivo pagamento de um preparo inicial em recurso cível, seria o recorrente notificado por via postal para, no prazo adicional de sete dias, 'efectuar o preparo a que faltou acrescido da taxa de justiça de igual montante' (artigo 110º, nº 1 do Código das Custas Judiciais): a deserção fiscal decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 110º do Código das Custas Judiciais e no artigo 292º, nº 1, do Código de Processo Civil aparece, deste modo, condicionada, em processo civil, à prévia advertência ao recorrente para efectuar o preparo em falta, acrescido da sanção tributária aí prevista.
Bem pelo contrário, no que se refere aos recursos penais interpostos de decisões proferidas em 1ª instância, a interpretação que o acórdão recorrido fez das normas constantes dos artigos 190º, alínea b) e 192º do Código das Custas Judiciais, conduziu a que - qualificando embora de 'preparo' a importância devida - lhe não haja aplicado o regime constante dos citados artigos 110º, nºs 1 e 2, e 187º, nº 3, do Código das Custas Judiciais - tornando, consequentemente, de todo em todo irremediável a omissão cometida no processo, sem que ao arguido fosse facultada a possibilidade de, numa segunda oportunidade, realizar o pagamento da importância em mora.
E, nesta perspectiva, entendemos que o regime de deserção fiscal, resultante da norma questionada, na interpretação que dela fez o acórdão recorrido, constitui efectivamente limitação excessiva e desproporcionada ao direito fundamental do arguido de recorrer da decisão que o condenou, incompatível com o estatuído no artigo 18º, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa'.
4. Vistos os autos, cumpre decidir.
Este Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar no sentido da conformidade do questionado 192º e do seu nº 2, do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, com normas e princípios constitucionais, através dos acórdãos nºs 160/90 e 209/90, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º volume, págs. 275 e seguintes e 553 e seguintes, respectivamente.
Fê-lo, porém em hipóteses distintas da que é versada nestes autos e sob um ângulo diferente da perspectiva a que aderiu aqui o Ministério Público. Assim, o acórdão nº 160/ /90 debruçou-se sobre um caso em que no recurso 'foi julgado sem efeito por não terem sido pagas as custas devidas pela respectiva interposição, sendo certo que o recorrente, a quem foi concedido o benefício do patrocínio oficioso, apesar de haver junto certidão comprovativa de insuficiência económica, não requereu a concessão de assistência judiciária na modalidade de dispensa de pagamento ou depósito de preparos, custas ou outras importâncias devidas', para concluir que a norma do nº 2 do artigo 192º 'apenas poderá ser julgada inconstitucional quando, por insuficiência de meios económicos, impeça o acesso aos tribunais, no caso concreto, o seguimento da via de recurso aberta por lei' ('Ora, há-de dizer-se que, não existindo qualquer obstáculo constitucional à vigência de um sistema de custas judiciais, como é óbvio e a todos os títulos evidente, o não pagamento das custas condicionadoras daquele acesso, nas situações de insuficiência económica definidas por lei, está dependente da prévia concessão de tal benefício (cfr, neste sentido, o Acórdão nº 30/88, Diário da República, I Série, de 10 de Fevereiro de 1988, e toda a jurisprudência nele citada - acrescenta-se no aresto) e no acórdão 209/90 considerou-se que o que 'a recorrente põe em causa é a proibição de seguimento de um recurso por falta de depósito das quantias que o recorrente nesse momento deva garantir e que deverá depositar juntamente com o imposto devido pela sua interposição, independentemente de, nos autos, se não ter demonstrado a debilidade económica do réu e recorrente', para se concluir que não há 'qualquer violação do direito de acesso aos tribunais', tal como 'não existe qualquer violação do princípio da igualdade' e também 'não resulta da norma em causa violado o princípio da garantia de defesa ou o da presunção de inocência (artigo 32º, nºs 1 e 2, da Constituição)' ('Ora, (...), não viola este princípio constitucional a exigência do depósito das quantias previstas nas disposições referidas, para este poder subir, na medida em que tal exigência não se traduz no encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido' - diz-se ainda no acórdão).
Ora, in casu, e sem perder de vista a fundamentação daqueles arestos, nomeadamente do acórdão nº 209/90, a conclusão a tirar também aponta para a constitucionalidade da norma questionada.
É que, o segmento normativo que está em causa não reside, como pretende fazer crer o Ministério Público, na aplicação do artigo 192º quanto aos 'efeitos cominatórios e preclusivos derivados rigidamente do não pagamento pontual de uma taxa de justiça legitimamente exigível ao recorrente', sem dispor este de uma segunda oportunidade para remediar a omissão cometida no processo (linguagem do Ministério Público), à semelhança do regime processual civil e da solução expressamente consagrada no nº 3 do artigo 187º do Código de Custas Judiciais, conquanto aplicável nos tribunais para onde se recorra (caso em que o Ministério Público sustenta que a consequência letal do artigo 192º revela-se uma 'limitação excessiva e desproporcionada ao direito fundamental do arguido de recorrer da decisão que o condenou').
O que, diferentemente, é objecto do presente recurso de constitucionalidade, de acordo com a delimitação e a formulação do recorrente, é tão só a mesma norma do artigo 192º, quando aí se estabelece simplesmente que o prazo para o pagamento da taxa de justiça começa a contar-se da data da interposição do recurso, mesmo quando este seja interposto por declaração para acta.
É este verdadeiramente o segmento normativo questionado e não aquele que é apontado pelo Ministério Público, reportando-se aos tais
'efeitos cominatórios e preclusivos derivados rigidamente do não pagamento pontual de uma taxa de justiça legitimamente exigível ao recorrente', pelo que fica prejudicada toda a sua linha argumentativa.
Sendo isto assim, o que importa perguntar é se há ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição (se a norma questionada 'dá tratamento diferenciado a situações essencialmente iguais', talqualmente se expressa o recorrente) e se há violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição, porque, na perspectiva do recorrente, 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa', devendo, 'por isso, prever, pelo menos, as mesmas garantias consagradas nos outros ramos de direito' ('O artº
192º do Código das Custas Judiciais não assegura, quanto ao processo criminal, as mesmas garantias que consigna no que diz respeito ao processo civil nos seus artºs 143º e 144º, pelo que viola o disposto no nº 1 do artº 32º da Constituição' - é a afirmação essencial do recorrente).
Ora, as respostas a tais perguntas são necessariamente negativas.
'O princípio da igualdade - lê-se no acórdão nº 209/90 - consagrado no artigo 13º da Constituição é usualmente entendido como proibindo o arbítrio, a distinção irrazoável, sem qualquer fundamento material, não obstando a que as diferenciações sejam admitidas desde que estruturadas num fundamento razoável e racional tendo em atenção as particulares especificidades das situações em causa.
Pelo seu lado, o princípio das garantias de defesa - artigo 32º, nº 1 - tem o sentido de que o processo criminal deve ser um processo justo e leal (a due process, a fair process), ficando, por isso, proibidas as restrições intoleráveis ou inadmissíveis da possibilidade de defesa dos arguidos.
Sem dúvida que o direito de recurso é um elemento integrador das garantias de defesa do arguido'
Partindo destas considerações, não se vê onde esteja a violação do princípio da igualdade, pois não se verifica qualquer situação de diferenciação de tratamento irrazoável ou materialmente não justificada, não se criando situações arbitrárias, que tal princípio visa manifestamente proibir e evitar, quando a norma do artigo 192º prevê, face a uma decisão condenatória privativa da liberdade, duas vias em alternativa ao dispor dos interessados: ou a interposição logo de recurso por declaração em acta, sendo então proferido o despacho a admiti-lo e ficando o seu prosseguimento, contudo, dependente do pagamento da taxa de justiça em sete dias e da apresentação da motivação em dez dias; ou a interposição do recurso por requerimento autónomo a apresentar no prazo de dez dias, devendo logo a motivação acompanhar o requerimento e a taxa de justiça ser paga nos sete dias subsequentes.
São duas opções à disposição dos interessados, valendo para todos na mesma situação de arguidas com uma decisão condenatória privativa da liberdade, como é o caso do recorrente, não se verificando qualquer discriminação proibida, nem tratamento desigual de situações essencialmente iguais. O arguido, ora recorrente, para se manter em liberdade, fez a sua opção e só teria que estar atento ao regime legal do questionado artigo 192º.
E isto independentemente do momento da apresentação da motivação do recurso, que é outro momento do processamento do recurso, não interessando saber, como pretende fazer crer o recorrente, se, face ao Código de Processo Penal vigente, 'o acto de interposição do recurso é complexo, sendo composto pela declaração da intenção de recorrer e pela motivação'.
Identicamente, não resulta da norma em causa violado o princípio da garantia de defesa, que o recorrente pretende ver na diferenciação de regimes dos processos civil e criminal, pois, ressalvado como está o núcleo essencial do direito de defesa, neste se incluindo o direito do recurso, a solução - porventura, mais apertada - do artigo 192º não se traduz num encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, que só tem que estar atento ao disposto naquele artigo.
5. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa 6.3.996 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida