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Proc. nº 136/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade
em que figuram, como recorrente A., e como recorrida B., o relator, na exposição
preliminar de fls. 98 e ss., pronunciou-se no sentido do não conhecimento do
recurso por força da inverificação de pressupostos indispensáveis à sua
admissibilidade.
O recorrente, na resposta que produziu relativamente a tal
exposição, para além de sustentar a inexistência de obstáculos ao prosseguimento
do recurso aduziu que 'questão em tudo análoga à configuração formal do recurso
foi aliás suscitada no Pº. 20/91, deste Tribunal, tendo o recurso sido admitido
e julgado'.
Contudo, como se alcança do Acórdão nº 190/92, Diário da República,
II série, de 18 de Agosto de 1992, tirado no processo referido pelo recorrente,
para além de a questão de constitucionalidade aí levantada - norma do artigo 8º
do Código de Processo do Trabalho - ser diversa daquela que nestes autos se
prefigura, também a 'configuração formal' da suscitação dos recursos apresenta
manifesta dissemelhança.
Nestes termos, em continuidade das razões constantes na exposição do
relator decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 30 de Maio de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 136/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada nos termos
do artigo 78º-A, da Lei do Tribunal Constitucional
1 - A. propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção com processo
sumário emergente de contrato individual de trabalho contra B., alegando ter
sido admitido em 21 de Dezembro de 1970 a trabalhar por conta, ordem e direcção
da Ré no âmbito de um contrato de trabalho, sendo despedido em 31 de Dezembro
de 1991, na sequência de um despedimento colectivo e peticionando, com base na
falta de pagamento desde Outubro de 1978, inclusive, de quatro dias de faltas
justificadas por mês, e dos subsídios de Natal e, desde 1978, de férias, a sua
condenação no pagamento da quantia de 1.597.216$30, acrescida de custas, selos e
procuradoria.
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2 - Por sentença de 29 de Outubro de 1993, havendo-se por procedente
a excepção peremptória de remissão abdicatória deduzida pela Ré, foi a acção
julgada improcedente com a consequente absolvição do pedido.
Contra esta decisão interpôs o Autor recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa, que, por acórdão de 11 de Janeiro de 1995, lhe negou
provimento, confirmando a sentença impugnada.
Inconformado com o assim decidido veio então o Autor recorrer para o
Tribunal Constitucional precisando no respectivo requerimento de interposição
que 'o recurso é interposto com fundamento na alínea b) do artigo 70º da Lei nº
28/82, na redacção dada pela Lei 85/89, porquanto a decisão recorrida, ao
decidir como decidiu, defendeu entendimento do nº 4 do art. 8º do Dec. Lei
64-A/89, em sentido contrário daquele que decorre dos artºs 55º, nº 6 e 56º, nº
1 da Constituição, como alegado vem nos nºs 4 a 7 das conclusões das alegações
apresentadas na presente apelação'.
O recurso de constitucionalidade foi admitido no Tribunal da
Relação sendo depois os autos remetidos a este Tribunal.
Entende porém o relator que não se mostram verificados todos os
pressupostos de que dependeria a admissibilidade do recurso, propondo a sua
rejeição com base nos fundamentos que a seguir se deixam sumariamente expostos.
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3 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b)
da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência pacífica e
reiterada, que o pressuposto de admissibilidade daquele tipo de recurso - do
qual o recorrente se serviu - no atinente ao exacto significado da locução
'durante o processo' utilizado em ambos os normativos, deve ser tomado não num
sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada
até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação
haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse
conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se
antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do
facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional,
o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a
questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em principio,
com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional 'não constitui erro material, não é causa de nulidade da
decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua, há-de ainda entender-se
que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua
nulidade não são já, em principio, meios idóneos e atempados para suscitar a
questão de inconstitucionalidade.
Mas, para que estes requisitos de admissibilidade de recurso -- e
são os que no caso em apreço interessa considerar -- se possam ter por
verificados, importa, por um lado, que o recorrente haja efectivamente
suscitado a questão de constitucionalidade e o tenha feito de modo directo e
perceptível, indicando a disposição legal suspeita de inconstitucionalidade ou,
no caso de apenas questionar determinada interpretação que dela haja sido feita,
enunciar qual o sentido ou a dimensão normativa que se tem por violadora do
texto constitucional, e por outro lado, demonstrar que essa norma ou uma sua
determinada interpretação, foram aplicadas na decisão recorrida como seu suporte
normativo (cfr. sobre toda esta matéria a jurisprudência pacífica e uniforme do
Tribunal Constitucional, indicando-se por todos os Acordãos 62/85, 94/88 e
123/89, Diário da República, II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985,
22 de Agosto de 1988 e 29 de Abril de 1989).
Paralelamente, importa recordar que o legislador constituinte
elegeu como elemento identificador do objecto típico da actividade do Tribunal
Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. os
artigos 278º, 280º e 281º da Constituição), o conceito de norma juridica pelo
que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas),
podem ser objecto de sindicância nesta sede, na qual se incluem os processos de
fiscalização concreta de constitucionalidade:
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4 - À luz das considerações e dos princípios sumariamente expostos,
há‑de dizer-se que o recorrente não suscitou válida e adequadamente, isto é, em
termos directos e operativos a questão de constitucionalidade de qualquer norma
jurídica, nomeadamente, das normas que serviram de suporte legal ao acórdão
recorrido.
Com efeito, dos nºs 4 a 7 das conclusões da alegação do recurso para
o Tribunal da Relação, expressamente referidos no requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade como peça processual em que se suscitou a
questão de inconstitucionalidade, resulta com segurança que o recorrente
pretendeu questionar tão somente a sentença do tribunal de 1ª instância e não
uma norma especificamente considerada, inexistindo ali qualquer referência
explícita ou implícita à norma do artigo 8º, nº 4 do Decreto-Lei nº 64-A/89
(Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho), cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada no presente recurso.
Naquela peça alegatória utilizou-se a seguinte formulação:
'4. Ainda que fosse outro o entendimento que resultasse da comparação
daqueles documentos, sempre o A. não poderia dispôr das garantias peticionadas
nos autos quer por se tratar de um direito indisponível quer porque era um
direito estabelecido à luz do interesse colectivo, integrado na designada
`Ordem pública económica de protecção' e na defesa do princípio mais amplo da
liberdade sindical - Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectiva de Leis do
Trabalho e artº 55º, nº 6 da Constituição;
5. Direito só disponível pelas próprias associações sindicais no âmbito dos
direitos conferidos pelo artº 56º, nº 1 da Constituição e sempre com respeito
pelo interesse colectivo de acordo com a previsão do artº 18º da Constituição;
6. Sendo certo que, no caso dos presentes autos, não houve qualquer
disponibilidade da associação sindical de que o A. faz parte;
7. A douta decisão recorrida que considerou válida a renúncia por parte do
A. da retribuição de quatro dias de faltas justificadas por mês e ainda do
subsídio de férias e de Natal violou o princípio genérico da indisponibilidade
dos créditos salariais, o artº 26º, nºs 1 e 2, a), do Dec.Lei 874/76, os nºs 1 e
2 artº 22º do Dec.Lei 251-B/75 e defendeu entendimento contrário aquele que
decorre da conjugação dos artºs 55º, nº 6, e 56º, nº 1 da Constituição'.
Aduziu-se assim que a decisão do Tribunal de Trabalho de Lisboa
violou o princípio genérico da indisponibilidade dos créditos salariais e os
artigos 26º, nºs 1 e 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 874/76 e 22º, nºs 1 e 2 do
Decreto-Lei nº 215-B/75 - que regem, respectivamente, sobre os efeitos das
faltas justificadas e sobre as faltas dadas pelos membros das direcções das
associações sindicais - e defendeu entendimento contrário ao que decorre da
conjugação dos artigos 55º, nº 6 e 56º, nº 1 da Constituição, questionando-se
com tal aquela decisão em si mesma e não já qualquer norma que ali haja sido
utilizada como fundamento do respectivo conteúdo decisório.
Não se imputou qualquer vício de ilegitimidade constitucional às
normas ali referidas - e muito menos à norma do artigo 8º, nº 4, do Decreto-Lei
nº 64-A/89 -, argumentando-se, ao contrário, que a decisão em causa havia
violado os seus comandos prescritivos.
O recorrente não questionou assim, de modo directo e explícito,
como lhe era legalmente exigível, a constitucionalidade de qualquer norma
utilizada pela sentença impugnada como ratio decidendi do próprio julgamento da
causa. E, por outro lado, porque a fiscalização concreta de constitucionalidade
apenas tem por objecto normas jurídicas e não já decisões judiciais enquanto
consideradas em si mesmas, a impugnação a estas dirigidas há-de ter-se por
irrelevante.
Resulta do exposto que, por não se mostrarem reunidos todos os
pressupostos de que dependia a abertura da via constitucional - desde logo a
suscitação durante o processo da inconstitucionalidade de uma norma aplicada na
decisão impugnada -, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do
Tribunal Constitucional.
Lisboa, 30/3/95
Antero Alves Monteiro Dinis