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Proc. nº 423/94
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A recorreu para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves da decisão arbitral que havia fixado em 2.092.500$00 o montante a pagar pelo Estado pela expropriação por utilidade pública de duas parcelas de 3.500 m2 e 2.720 m2 de terreno a que se referem os presentes autos, com vista à construção de um estabelecimento prisional.
O recorrente veio pôr em causa, desde logo, a constitucionalidade do título IV do Código das Expropriações então vigente
(artigos 27º a 38º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro) por violação do artigo 62º da Constituição, na medida em que as normas nele contidas não asseguravam 'o autêntico e real conceito de justa indemnização'.
2. Admitido este recurso, houve inspecção judicial e avaliação, tendo os peritos dado resposta aos respectivos quesitos e indicado valores divergentes para a primeira das parcelas em questão.
O expropriado arguiu então nulidades do relatório e das respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos designados pelo tribunal e pela entidade expropriante. O juiz, considerando que a resposta a um dos quesitos não se encontrava devidamente fundamentada, determinou que os peritos fornecessem ao tribunal todos os elementos de facto em que tinham baseado a resposta, indeferindo, na parte restante, o requerimento apresentado.
3. De tal despacho, interpôs o expropriado recurso de agravo, que foi admitido com subida diferida.
Tendo o juiz verificado que, no relatório apresentado, os peritos apenas haviam avaliado a primeira das mencionadas parcelas de terreno, declarou tal nulidade e ordenou que se procedesse à avaliação da parcela em falta.
No dia designado para o início de tal diligência, o juiz, por despacho, ordenou o desentranhamento de quesitos apresentados pelo expropriado, condenando-o pelo incidente em 1/8 de taxa de justiça.
4. Deste último despacho recorreu o expropriado para o Tribunal da Relação de Évora. No mesmo dia, arguiu a nulidade do desentranhamento dos quesitos sem que o despacho que o tinha ordenado houvesse transitado em julgado.
5. Tendo tal requerimento sido indeferido, dele interpôs o expropriado novo recurso de agravo.
Foi, entretanto, junto aos autos o relatório de avaliação da segunda das indicadas parcelas de terreno elaborado pelo perito do expropriado. Posteriormente, foi junto o relatório elaborado pelos restantes peritos.
Depois de notificado para fazer preparo para despesas, veio o expropriado veio requerer a concessão de apoio judiciário, benefício que lhe veio a ser concedido na modalidade de dispensa de pagamento de preparos. Arguiu, entretanto, a nulidade da notificação para pagamento do referido preparo, arguição essa que foi indeferida.
6. Deste despacho de indeferimento interpôs o expropriado recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora.
Entretanto, por sentença de 28 de Fevereiro de 1992, o tribunal de primeira instância fixou em 2.517.900$00 o montante da indemnização.
7. Da sentença e de dois outros despachos proferidos pelo tribunal de primeira instância recorreu também o expropriado para o Tribunal da Relação de Évora.
Por acórdão de 17 de Junho de 1993, o Tribunal da Relação de
Évora negou provimento a três dos agravos interpostos, deu provimento a um quarto e julgou parcialmente procedente a apelação da sentença, fixando em
3.371.700$00 o valor da indemnização a pagar aos expropriados.
8. O expropriado e o Ministério Público interpuseram recurso do acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal recurso foi admitido como revista.
Por acórdão de 7 de Julho de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça julgou deserto o recurso do agravo em segunda instância interposto pelo expropriado, não tomou conhecimento da revista do expropriante, não tomou conhecimento da revista do expropriado relativamente à decisão que fixou o valor da indemnização e concedeu, em parte, provimento à revista do expropriado no que respeita ao apoio judiciário, ordenando a devolução dos autos à Relação para que a causa fosse novamente julgada de harmonia com as considerações feitas sobre tal matéria. O mesmo acórdão condenou o expropriado em custas, considerando que as mesmas não eram exigíveis enquanto não fosse decidido definitivamente o pedido de apoio judiciário, só sendo devidas na hipótese de denegação daquele pedido.
9. O expropriado interpôs então recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, desta vez para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional das normas contidas:
- no artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
- no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
- no Título IV, designadamente os artigos 27º, nº 2, e 28º, nº
1, bem como os artigos 61º, 73º, nº 2, ante o artigo 82º, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro;
- nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Considerou o recorrente que as referidas normas violam os artigos 12º, nº 1, 13º, nºs 1 e 2, 18º, nºs 1, 2 e 3, 20º, nº 1, 62º, nº 2,
205º, nº 2, e 207º da Constituição, dizendo que a inconstitucionalidade de tais normas foi suscitada na exposição//requerimento de fls. 136 a 140, nas alegações de 7 de Agosto de 1990, na exposição/requerimento de 22 de Agosto de 1990, na arguição de nulidade e alegações de 20 de Agosto de 1990, nas alegações de 3 de Janeiro de 1991, na exposição/requerimento de 13 de Fevereiro de 1991, nas alegações de 13 de Fevereiro de 1991 e nas de 14 de Fevereiro de 1991, no requerimento de recurso de 13 de Março de 1992, nas conclusões de 25 de Maio de
1992 e nas alegações de 3 de Junho de 1992, e conhecida pela sentença de 28 de Fevereiro de 1990 e o acórdão de 17 de Junho de 1993.
10. Por despacho de 19/9/94 foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Nas alegações apresentadas neste Tribunal, os recorrentes pediram que se julguem inconstitucionais as normas referidas e se ordene a reforma da decisão recorrida.
Por sua vez, o Ministério Público concluiu as suas alegações do seguinte modo:
'1º - Não padecem de qualquer inconstitucionalidade as normas constantes dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo Civil, o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, o artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, nem do artigo 73º, nº 2, do antigo Código das Expropriações.
2º - Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito, aí inserido, sistematicamente, e aplicável ao caso dos autos, que efectivamente é inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte à decisão recorrida, não sendo, pois, por ela aplicado.
3º - Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos peritos designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o recorrente altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em litigância de má fé, nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nºs
5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.
Notificados para, querendo, responderem às questões prévias suscitadas pelo Ministério Público e ao pedido de condenação como litigantes de má fé, os recorrentes consideraram tais questões improcedentes e, como prova de que o que tinham relatado era verdade, arrolaram duas testemunhas.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II Fundamentação
A Delimitação do objecto do recurso
11. Importa, previamente, delimitar o objecto do presente recurso.
O recorrente, nas alegações para a Relação, afirmou o seguinte:
'Por esse motivo, o expropriado considera que a limitação do artigo 73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 845/76 é inconstitucional, por impedir a descoberta do valor real e corrente do bem expropriado' (fls. 397).
E, no final, acrescentou:
'Decidindo nessa conformidade, far-se-á a melhor JUSTIÇA, até porque o TÍTULO IV, designadamente os arts. 27º/2, 28º/1, bem como os arts. 61º,
73º/2 face ao art. 82º/1, todos do DL 845/76, de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º, 524º e 580º/3 do Cód. Proc. Civil, dado serem disposições restritivas, no âmbito das expropriações, impedem inequivocamente que seja paga a justa indemnização, violando assim os arts. 12º/1, 13º/1/2, 18º/1/2/3, 20º/1,
62º/2, 205º/2 e 207º da Lei Fundamental, não se tendo calculado o valor real da parcela expropriada.'
Como se alcança destas transcrições, a única norma legal que o recorrente acusou de afrontar a Constituição foi o artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976. Quanto às restantes normas, limitou-se a dizer, no final das alegações, depois mesmo de juntar as respectivas conclusões, que elas são inconstitucionais, indicando como violados vários preceitos constitucionais sem dizer, porém, por qual norma cada um deles é infringido.
Trata-se, assim, de uma afirmação que, por tão genérica, não pode ser havida como modo processualmente adequado de suscitar a questão de insconstitucionalidade para o efeito de se ter por preenchido o pressuposto da arguição da questão de inconstitucionalidade durante o processo. Na verdade, não tendo o recorrente indicado, em relação a cada uma das normas, a causa da sua incompatibilidade com a Constituição, ao tribunal recorrido não foi colocada uma questão de constitucionalidade para decidir. Não o foi, ao menos, de forma clara e perceptível (neste sentido, cf. o Acórdão deste Tribunal nº 155/95 - D.R., II série, de 20 de Junho de 1995).
12. O mesmo se diga da alegada inconstitucionalidade da norma contida no artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais (mencionada no requerimento de interposição de recurso para a Relação, de fls. 379 e ss.). Na verdade, e mais uma vez, o recorrente limita-se a proclamar, genericamente, a desconformidade à Constituição de uma norma, sem fundamentar minimamente a sua afirmação. Não pode, por isso, considerar-se que ao juiz foi colocada, de forma perceptível, uma questão de constitucionalidade normativa.
13. No que respeita à alegada inconstitucionalidade da norma contida no artigo 8º, nº 1, alínea s), do Código das Custas Judiciais, o recorrente só colocou a questão nas alegações junto do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 523 e ss.). Assim, a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada tempestivamente (perante a Relação), sendo certo que o recorrente teve oportunidade processual de o fazer.
14. Sustenta ainda o recorrente que o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, é inconstitucional. Ora, esta não é a forma processualmente adequada de suscitar a questão de inconstitucionalidade, pois fica sem se saber que norma, ou normas, das que se contêm nos cinquenta e oito artigos que compõem aquele diploma legal serão inconstitucionais. O recorrente omite a individualização da(s) norma(s) cuja conformidade à Constituição pretende que seja apreciada. Não se pode, portanto, e uma vez mais, considerar que tenha sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
B A alegada inconstitucionalidade do artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações
15. Ante o exposto, o recurso fica limitado à apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações. Esta norma já foi apreciada por este Tribunal, através, entre outros, dos Acórdãos nºs 209/95 (D.R., II Série, de 23 de Dezembro de 1995) e
744/95 (ainda inédito), nos quais se concluiu pela sua não inconstitucionalidade.
No primeiro aresto citado, afirmou-se que:
'Na verdade, a norma em crise não veda em absoluto a produção de prova testemunhal, admitindo-a apenas quando tal for considerado indispensável pelo juiz de primeira instância, enquanto tribunal de recurso de arbitragem. Confere ao juiz o poder discricionário de ouvir certos depoimentos, não atribuindo nem ao recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova testemunhal.
'Na verdade, não se vê que o artigo 62º, nº 2 da Constituição, ou os artigos 13º e 20º, nº 1, desta tornem inconstitucional o nº 2 do artigo
73º do referido Código das Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o legislador pretende que seja determinada com rigor a justa indemnização devida ao expropriado. O meio de prova por excelência para alcançar tal desiderato há-de ser a prova pericial, na fase do recurso interposto da decisão arbitral, proferido antes da remessa dos autos ao tribunal judicial.' - porque mais objectivo e livre da ponderação de factores de índole especulativa.
E, numa apreciação geral do regime normativo, conclui-se que:
'Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução limitativa constante do nº 2 do artigo 73º do Código das Expropriações de 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.'
16. Continua a considerar-se, por estas razões, que a norma em crise não é inconstitucional: em primeiro lugar, ela não proíbe a produção de prova testemunhal; em segundo, a prova pericial assume uma importância preponderante no âmbito do processo de expropriação; em terceiro e último lugar, a limitação da prova testemunhal (resultante de um juízo de dispensabilidade do juiz) é proporcionada e adequada à fase processual de recurso em que ocorre. Por conseguinte - e de acordo com a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional -, o presente recurso não merece provimento e deve ser confirmada a decisão recorrida.
17. Tendo, por outro lado, o Ministério Público pedido, nas contra-alegações, a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, importa conhecer, igualmente, esse pedido. Não havendo, contudo, nos autos elementos suficientes para apreciar a questão, nem cabendo na tramitação deste recurso a realização de diligências de prova para o efeito, deve considerar-se improcedente tal pedido.
III Decisão
18. Ante o exposto, decide-se:
a) Não conhecer o objecto do presente recurso no que respeita à conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, no Título IV e no artigo 61º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, e nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil;
b) Julgar não inconstitucional a norma contida no artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976 e, consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida na parte respeitante a esta questão de constitucionalidade;
c) Não condenar os recorrentes como litigantes de má fé.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Diniz
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa