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Proc. nº 277/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que é recorrente U..., Lda., e recorrido F..., pelas razões constantes da exposição do relator a fls. 176 e ss. que aqui se têm por recebidas, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5
(cinco) Ucs.
Lisboa, 22 de Maio de 1996
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis Armindo Ribeiro Mendes Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Luis Nunes de Almeida Proc. nº 277/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional
1 – F... intentou, no Tribunal do Trabalho da Comarca de Matosinhos, acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma sumária, contra a sociedade comercial U..., Lda., peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de 753.250$00, bem como das prestações vincendas e juros moratórios a partir da citação e até efectivo pagamento.
Por sentença de 24 de Janeiro de 1995, foi julgada parcialmente procedente a acção e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de
199.910$00, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo pagamento e ainda em quantia complementar a liquidar em execução de sentença.
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2 - Contra esta decisão foram interpostos recursos para o Tribunal da Relação do Porto pelo Autor e pela Ré.
As alegações oferecidas por aquele foram assim concluidas:
'1ª Conforme se pode analisar na matéria de facto dada como provada, o A., no período compreendido entre Janeiro de 1989 e Dezembro de 1993 auferiu a título de trabalho suplementar quantias muito significativas, rondando cerca de metade da retribuição base e muitas vezes excedendo esse montante.
2ª Está demonstrado à evidência o carácter regular e periódico daquela remuneração.
3ª Por esse motivo, em conformidade com o artº 82º, nº 2 e 86º da L.C.T. as prestações devidas por trabalho suplementar com carácter regular e periódico imputa-se no conteúdo da retribuição, pois, com ela conta o trabalhador para fazer face às suas necessidades quotidianas e do seu agregado familiar.
4ª A decisão recorrida, violou, por isso, as disposições contidas no artº 82º e 86º da L.C.T., o disposto no artº 6º nº 1 e 2 do Dec. Lei nº 874/76 de 28/12 e a cláusula 25ª da convenção colectiva aplicável à relação laboral em causa.'
Por seu turno a Ré rematou a sua peça alegatória do modo seguinte:
'1ª O trabalho igual afere-se segundo critérios objectivos da sua quantidade, natureza e qualidade, cuja alegação e prova factual compete ao A., ora apelado;
2ª Os autos não demonstram que o A. desenvolva trabalho igual ao dos colegas ditos melhor remunerados:
3ª Pela regulamentação colectiva aplicável conclui-se que o A. presta trabalho de forma diferente dos demais e oferece menos disponibilidade à Ré, acarretando maiores custos - B.T.E. nº 10/90, 16/93 e 9/94;
4ª Tendo o A. e os organismos sindicais respectivos recusado a adesão ao clausulado negocial que impõe a prestação de trabalho em condições diferentes, o que eles recusaram por considerarem prejudicial dos seus interesses, não lhe é lícito reivindicar o salário correspondente, com as consequências daí emergentes quanto a férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho suplementar e nocturno;
5ª Por falta de ilicitude do comportamento da Ré, não assiste ao A. qualquer direito a indemnização;
6ª O A. não pode reivindicar as vantagens duma situação negocial à qual não aderiu, por considerar a mesma prejudicial aos seus interesses;
7ª O 'desgosto' do A. não é digno de tutela jurídica;
8ª A douta Sentença recorrida violou a alínea a) do nº 1 do artº
59º, o artº 56º, nºs 1, 3 e 4, ambos da Const. Rep. Port., alínea b) do artº 5º do D.L. nº 519-C1/79, de 29/12 e os artº 334º, nº 1 do artº 342º e artº 496º, todos do Cód. Civil.'
Por acórdão de 5 de Fevereiro de 1996, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso do Autor e negou provimento ao recurso da Ré.
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3 - Desta decisão interpôs a Ré recurso de constitucionalidade para este Tribunal, fundamentando tal recurso, como se refere na respectiva petição, 'na violação do artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, ilegalidade já denunciada na 1ª e na 2ª instâncias'.
Todavia, e não obstante o requerimento de interposição do recurso não conter todas as indicações exigidas pelo artigo 75º A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (Lei do Tribunal Constitucional) tem-se por desnecessário ordenar a notificação a que se reporta o nº 5 daquele preceito, porquanto, resulta já com suficiente segurança não ser legalmente viável a abertura da via de impugnação constitucional.
Vejamos porquê.
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4 - Na situação em apreço a decisão recorrida não recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação de qualquer norma, sendo antes a recorrente que veio suscitar uma questão de constitucionalidade.
Assim sendo, em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, impunha-se como pressuposto indispensável de admissibilidade do recurso que, durante o processo, tivesse suscitado de modo directo e operativo uma questão de constitucionalidade, indicando a disposição legal suspeita de tal vício e, paralelamente, que a norma assim questionada viesse depois a ser aplicada, como fundamento normativo, na decisão sobre a causa.
Com efeito, o legislador constituinte elegeu como elemento identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. artigos 278º, 280º e 281º), o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas) podem ser objecto de sindicância nesta sede.
O recurso de constitucionalidade, como tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal, não tem por objecto a decisão judicial em si mesma, mas apenas as normas ali desaplicadas, com fundamento em inconstitucionalidade, ou aplicadas, não obstante a suscitação de inconstitucionalidade contra elas dirigida pelas partes (cfr. por todos, os acórdãos 128/84 e 162/88, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 14 de Novembro de 1988).
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5 - Ora, à luz dos princípios assim sumariamente expostos, há-de dizer-se que a recorrente não suscitou válida e adequadamente a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica aplicada como fundamento normativo da decisão impugnada, limitando-se, nas alegações que produziu no recurso levado ao Tribunal da Relação do Porto, a afirmar que a sentença proferida no tribunal de 1ª instância 'violou a alínea a) do nº 1 do art. 59º e o art. 56º, nºs 1, 3 e 4, ambos da Const. Rep. Port.'.
Mas, o questionamento daquela decisão através da referência
às normas contitucionais que tutelam os direitos dos trabalhadores à retribuição do trabalho em condições de igualdade e aos direitos das associações sindicais e contratação colectiva, por não se reportar a uma certa e determinada norma ali aplicada como fundamento normativo, não integra o pressuposto da suscitação exigido como requisito indispensável ao seguimento do recurso de constitucionalidade. Com efeito, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de uma qualquer norma jurídica, antes se insurgiu contra a própria decisão imputando-lhe a ela mesma a violação daqueles preceitos constitucionais.
E assim sendo, por inverificação de pressupostos de admissibilidade, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 12 de Abril de 1996
As) Antero Alves Monteiro Dinis