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Proc. nº 413/94 ACÓRDÃO Nº 141/96
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A, residente na Rua ...em Paris, França, requereu a suspensão de eficácia, nos termos dos arts. 76º e seguintes da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), do acto administrativo praticado pelo Director do Parque Natural da Ria Formosa, que lhe ordenou a demolição, num prazo de cinco dias, da obra de construção de uma moradia, em ..., devendo repor a situação anteriormente existente, invocando, para tal, os prejuízos de difícil reparação decorrentes da execução desse acto administrativo. Apresentou esse requerimento ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 29 de Março de
1994.
A autoridade recorrida respondeu ao pedido de suspensão, o representante do Ministério Público entendeu que a providência não devia ser concedida, por a referida suspensão causar lesão grave para o interesse público, interesse este que deveria prevalecer sobre o interesse do requerente.
Através de sentença de 21 de Abril de 1994 (a fls. 102 a 107 dos autos), o Tribunal Administrativo de Círculo indeferiu o pedido de suspensão, por entender que o requerente não lograra demonstrar o requisito da alínea a) do nº 1 do art. 76º da LPTA.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs o requerente recurso jurisdicional para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo. Nas respectivas alegações, suscitou, entre outras questões, a de inconstitucionalidade do art. 76º, nº 1, da LPTA, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º, nº 1, da Constituição. A autoridade recorrida negou que ocorresse tal inconstitucionalidade.
No seu visto, o representante do Ministério Público sustentou a plena legalidade da decisão recorrida, afirmando que a norma aplicada não sofre de inconstitucionalidade.
Através de acórdão proferido em 12 de Julho de
1994, a 2ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo, do S.T.A. negou provimento ao recurso jurisdicional. Sobre a questão de constitucionalidade, pode ler-se nesse acórdão:
'Só que semelhante questão [a de inconstitucionalidade do nº 1 do art. 76º da LPTA], importa desde já esclarecer, apenas pode dizer respeito ao segmento normativo aplicado na sentença recorrida e que é o da falada al. a) do nº 1 do art. 76º da L.P.T.A., não abrangendo também, como pretende o recorrente (cfr. sua conclusão 2ª), o da sua alínea b), já que esta, como acima se viu, não foi, no caso, aplicada pela sentença recorrida, não cumprindo a este Supremo Tribunal fazer a fiscalização difusa da constitucionalidade de normas que não tenham sido aplicadas pelos tribunais administrativos (citado art. 207º da Constituição)
[...].
Segundo o recorrente - conclusões 3ª, 4ª, 5ª e 6ª das suas alegações, com a restrição acabada de fazer - resultaria da Constituição a consagração de um direito fundamental à suspensão de eficácia dos actos administrativos de que se haja ou se pretenda interpor recurso contencioso, como corolário do direito, também fundamental, dos administrados `a tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º, nº 1, e 268º da Constituição), o qual exigiria que naquelas situações em que o interessado possa vir a sofrer prejuízos - quaisquer que eles sejam - por virtude dos efeitos do acto em causa, se abrisse o caminho à suspensão da sua eficácia por via judicial, sem restrições, ou seja, independente-mente de aqueles prejuízos serem, no caso, de difícil reparação [...].
*
Semelhante construção assenta, porém, na consideração de a providência cautelar de suspensão de eficácia dos actos administrativos assumir, face à Constituição, a natureza de um direito fundamental, postulado pelo direito de acesso aos tribunais, que ao nível do recurso contencioso assume consagração no art. 268º, nº 4, da Constituição [...].
Semelhante entendimento, porém, como é sabido, não tem merecido acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional, desde que pela primeira vez se pronunciou sobre o tema (ac. nº 187/88 [...]), para a qual, ainda que de forma não inteiramente pacífica, a suspensão de eficácia se não assume, sequer ao nível do implícito, como garantia constitucional (cfr., além de muitos outros, o recente ac. 450/91 [...]), diferentemente do que se passa com o direito, também de natureza instrumental, à fundamentação dos actos administrativos, agora consagrado no nº 3 do art. 268º da Constituição.
Pela nossa parte, não se vê razão alguma séria que leve a não se subscrever, também, aquele entendimento.
Aliás, no caso, mesmo que a providência de suspensão de eficácia dos actos administrativos fosse vista como garantia constitucional, não se vislumbra como seja possível defender-se a inconstitucionalidade da norma da falada al. a), do nº 1, do art. 76º, da L.P.T.A., como pretende o recorrente, já que a exigência que nele se faz, de os prejuízos serem de difícil reparação para o interessado, não ofende o princípio da propor-cionalidade, nem se afigura arbitrária ou desprovida de fundamento material bastante'. (a fls. 156 vº a
158).
De novo inconformado, interpôs o requerente recurso de constitucionalidade nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o qual foi admitido por despacho de fls. 167. Indicou que o acórdão recorrido aplicara o nº 1 do art. 76º da LPTA, que seria inconstitucional por restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito
à tutela jurisdicional efectiva (arts. 18º, 20º e 268º, nºs 4 e 5, da Constituição)
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional
O recorrente, nas suas alegações, propugnou pela revogação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:
'1ª - Com a autonomização, na segunda Revisão Constitucional de 1989, de um preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa, não apenas para o «reconhecimento» - como se dispunha no texto anterior -, mas também para a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (art.
268º/5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário do recurso de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito à tutela jurisdicional efectiva, pelo que:
a) abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos administrados perante a Administração;
b) reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição subjectiva de vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico, digna da atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva realização;
2ª - A elevação do princípio da tutela jurisdicional efectiva a direito fundamental, nos termos dos arts. 20º e 268º/4 e 5 da Constituição, implica a concretização do seu conteúdo preceptivo mínimo ao nível da Constituição, traduzido nos seguintes vectores:
a) primeiro, a garantia de uma tutela jurisdicional administrativa sem lacunas, consubstanciada no princípio de que a qualquer ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da Administração Pública deve corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada;
b) segundo, a garantia da existência de meios necessários com vista à sua plena exequibilidade e operatividade, no sentido de que o direito à tutela jurisdicional efectiva se tem de traduzir obrigatoriamente na plena eficácia da decisão jurisdicional na esfera jurídica do particular;
c) terceiro, e em consequência, a paralisação do privilégio da execução prévia inerente à actividade administrativa, no caso da sua violação ou da possibilidade de preclusão da sua tutela eficaz, em obediência ao comando constitucional contido no art. 266º/1 CRP;
3ª - A Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental à suspensão da eficácia dos actos administrativos de que se haja interposto ou de que se pretenda interpor recurso contencioso de anulação, sendo reconduzível ao núcleo fundamental do direito dos administrados à tutela jurisdicional efectiva, pelo que é de afastar o entendimento segundo o qual a suspensão da eficácia é uma providência de carácter excepcional;
4ª - A presunção de legalidade dos actos administrativos nunca pode funcionar como meio ou critério de prova, ainda que sumária, no quadro do incidente da suspensão da eficácia, sob pena de se violar o núcleo fundamental do direito à tutela jurisdicional efectiva, vertido nos arts. 20º e 268º/4 e 5 da Constituição;
5ª - O nº 1 do art. 76º da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade, porquanto:
a) é, desde logo, redundante, no sentido de que toda a suspensão da eficácia de um determinado acto administrativo lesa sempre o interesse público, tal como é configurado por uma Administração executiva, como é a nossa, pelo que se constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento desse meio jurisdicional, denegando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos arts. 20º e 268º/4 e 5;
b) apela a uma valoração judicial da gravidade da lesão do interesse público contrária à ideia material de Direito prosseguida pela Administração, no sentido de que recorta a actividade por esta desenvolvida numa feição contrária aos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, violando, pois, o preceituado no art. 266º/1 da Constituição;
6ª O art. 76º/1 da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade material, por restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à tutela jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação do art. 18º/2 e 3 da Constituição.' (a fls. 201 vº a 202 vº).
A autoridade recorrida não contra-alegou.
3. Foram corridos os vistos legais.
Por não haver razões que a tal obstem, impõe-se conhecer do objecto do recurso.
II
4. Constitui objecto do presente recurso apenas a questão de constitucionalidade da norma aplicada pela decisão recorrida e também impugnada pelo recorrente: a constante da alínea a) do nº 1 do art. 76º da L.P.T.A. (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), que reza o seguinte:
'A suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.'
De facto, embora o recorrente ponha em causa a constitucionalidade do todo o nº 1 daquele art. 76º, o acórdão recorrido confirmou a decisão de primeira instância que denegou a suspensão por não verificação apenas do condicionalismo daquela alínea a) do nº 1 do art. 76º LPTA.
5. O que acaba de referir-se quanto à delimitação do objecto do recurso implica que o Tribunal Constitucional não tenha de analisar detidamente a argumentação que o recorrente aduz no sentido de demonstrar a inconstitucionalidade da alínea b) do nº 1 do art. 76º da LPTA, por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que tal alínea consagraria uma restrição desproporcionada e desnecessária ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação do art. 18º, nº 2 e 3, da Constituição (cfr. conclusão
6ª das respectivas alegações).
O que o Tribunal Constitucional tem de responder
é à questão de saber se viola a Constituição a norma que exige que o requerente do pedido de suspensão de eficácia demonstre que a execução do acto administrativo causará 'provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que esta defenda ou venha a defender no recurso'.
É o que se passará a fazer.
6. Em sistemas jurídicos da família romano-germânica ou da civil law, para utilizar expressões usuais na doutrina comparatista, estruturou-se um poder da Administração Pública, ou poder administrativo, que traduz o chamado modelo da administração executiva. Como refere Pedro Machete, em estudo recente dedicado ao instituto da suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos, 'a suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos não procura primariamente tutelar a posição dos particulares numa determinada relação jurídico-administrativa; mas sim evitar a alteração da esfera jurídica destes, por via de actos unilaterais de autoridade (independentemente de serem constitutivos, modificativos ou extintivos). É, por isso, um instituto que evidencia o conflito entre as prerrogativas de direito público e a garantia das posições jurídicas subjectivas dos particulares. Os valores liberdade/legalidade encontram nele uma conciliação problemática: a liberdade exige a consistência prática das posições jurídicas dos particulares; a legalidade implica não só uma prossecução prioritária do interesse público, como também um cumprimento da lei que não seja indiferente do ponto de vista prático e que, portanto, assegure um conteúdo útil às decisões jurisdicionais'. (A Suspensão Jurisdicional da Eficácia de Actos Administrativos, in O Direito, ano 123º, 1991, II-III, págs. 236-237; vejam-se igualmente Gonçalo Capitão e Pedro Machado, Direito à Tutela Jurisdicional Efectiva - Implicações na Suspensão Jurisdicional da Eficácia de Actos Administrativos, in Polis, ano 1, nº 3, Abril-Junho de 1995, págs. 47 e segs).
No modelo do direito administrativo francês - que
é o modelo mais antigo e que influenciou todos os direitos do continente europeu
- a Administração Pública é tradicionalmente encarada como dispondo de um privilégio de execução prévia dos seus actos administrativos (privilège du préalable), podendo modificar a situação jurídica dos administrados afectados por esses actos, modificação que não deve ser atingida na sua eficácia, pela eventual impugnação contenciosa do seu exercício. Só excepcionalmente, e em contados casos, poderia ser decretada pelos órgãos de contencioso administrativo a suspensão da execução desses actos administrativos. Este modelo influenciou claramente a evolução do direito português, onde se aceitou desde cedo que a mera interposição do recurso contencioso não suspendia a executoriedade do acto, embora o recorrente pudesse 'pedir ao tribunal no momento da interposição de recurso que decrete a suspensão liminar do acto recorrido, quando prove que da execução lhe pode resultar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, superior ao benefício colhido pelo interesse público' (Marcello Caetano, As Garantias Jurisdicionais dos Administradores no Direito Comparado de Portugal e do Brasil, in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974, pág. 357).
Importa reconhecer que, ao longo do presente século, sobretudo após a segunda Guerra Mundial, a evolução dos direitos administrativos do continente europeu, em especial dos direitos alemão e italiano, tendeu a alargar a possibilidade de concessão judicial da suspensão de eficácia dos actos administrativos, tendo mesmo sido consagrada na Alemanha, na legislação do contencioso administrativo, o princípio da eficácia suspensiva de impugnação contenciosa dos actos administrativos (sobre esta evolução, vejam-se os elementos comparatísticos descritos em Rui Machete, Contencioso Administrativo, vocábulo no Dicionário Jurídico de Administração Pública, vol.
2º, e Pedro Machete, estudo cit., págs. 241 e segs. e autores por ele referidos).
7. No direito processual administrativo vigente, o art. 76º, nº 1, da LPTA estabelece que a suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
- a) a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
- b) a suspensão não determine grave lesão do interesse público;
- c) do processo não resultem fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso.
Prevendo a situação em que esteja em causa o pagamento de uma quantia, a suspensão é concedida 'quando não determine grave lesão do interesse público e tenha sido prestada caução por qualquer das formas previstas no Código de Processo das Contribuições e Impostos' (nº 2 do mesmo artigo). Os arts. 77º a 79º regulam a tramitação do pedido de suspensão e os efeitos da decisão. O art. 80º prevê a suspensão provisória que decorre da notificação do pedido à autoridade requerida e o art. 81º da LPTA regula a suspensão de acto já executado.
No presente processo, discute-se apenas a constitucionalidade do requisito constante da alínea a) do nº 1 do art. 76º da LPTA, atendendo à delimitação do objecto do recurso, como atrás se referiu.
8. Ora, sobre esta matéria existe jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, que importa reafirmar nesta ocasião.
Esta jurisprudência tem considerado que o instituto de suspensão de eficácia dos actos administrativos não se pode dissociar da garantia do recurso contencioso, embora seja controvertido se o instituto da suspensão judicial é imposto ao legislador ordinário como garantia constitucional decorrente do direito fundamental à tutela jurisdicional (no sentido negativo, vejam-se os acórdãos nº 178/88 e 173/91, publicados in Acórdãos, 12º vol., págs. 58 e segs. e no Diário da República, II Série, nº 205 de 6 de Setembro de 1991, respectivamente; em sentido positivo, após fixação de jurisprudência por recurso interposto para plenário, vejam-se os acórdãos nºs
450/91, 43/92 e 366/92, publicados do Diário da República, II Série, nºs 102, de
3 Maio de 1993, 45, de 23 de Fevereiro de 1993; sobre esta oposição da jurisprudência constitucional, veja-se Maria Fernanda Maçãs, A Relevância Constitucional da Suspensão da Eficácia dos Actos Administrativos, in Estudos sobre a Jurisprudência Constitu-cional, Lisboa, 1993, págs. 327 e segs.).
No acórdão nº 450/91, afirmou-se que não se via, porém, 'como é que o mecanismo da suspensão de eficácia podia' afectar, e em que medida, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos dos interessados requerentes, pois que 'a fixação de um determinado condicionalismo fáctico, como necessário para pedir a suspensão da eficácia, nem derroga a tutela judicial efectiva, a exercer-se mediante recurso contencioso de anulação [...] nem implica tarefa que não seja a do legislador ordinário'. E no acórdão nº 43/92, confirmado pelo acórdão nº 366/92, afirmou-se que o poder de suspensão era 'um elemento co-natural de um sistema de tutela jurisdicional, pelo que a exclusão desse poder ou a limitação da área de exercício do mesmo a determinadas categorias de actos ou a certos tipos de vícios contrasta com o princípio da igualdade sempre que não ocorra uma justificação racional da diversidade de tratamento'.
Em jurisprudência mais recente, a 2ª Secção do Tribunal tem considerado que não sofre de inconstitucionalidade o nº 1 do art.
76º da LPTA. Trata-se dos acórdãos nºs 303/94 (in Diário da República, II Série, nº 198, de 27 de Agosto de 1994 - não aplicação do instituto aos actos administrativos de conteúdo negativo), 631/94 (in Diário da República, II Série, nº 9, de 11 de Janeiro de 1995 - não inconstitucionalidade do nº 1 do art. 76º LPTA, enquanto exigindo requisitos cumulativos), 8/95 (inédito-não inconstitucionalidade do nº 1 do art. 76º), 201/95 (inédito-não inconstitucionalidade da alínea a) do mesmo nº 1) e 252/95 (inédito - alínea b) do mesmo nº 1 do art. 76º LPTA).
No acórdão nº 631/94. pode ler-se:
'A discricionariedade legislativa quanto à enumeração de tais requisitos [do nº
1 do art. 76º da LPTA] revela-se conforme aos parâmetros constitucionais do acesso à justiça administrativa, não se descortinando uma restrição à garantia do recurso contencioso, pois o interessado não fica impedido, de modo injustificado, de obter protecção para os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Como se lê no acórdão nº 303/94 [...], «sempre será lícito ao legislador conformar, concretizar e modelar o dito instituto, sob pena de, na ausência dessa confirmação e modelação, se poder cair num sistema em que a mera interposição de recurso contencioso desencadearia a não executoriedade do acto impugnado, com toda a corte de perigos de paralisação da actividade administrativa a bel-prazer dos administrados e, o que é mais importante, sem que se dilucidassem os casuísmos aconselhadores ou desenconselhadores da suspensão, presente o binómio, tantas vezes contraditório, dos interesses públicos e a garantia dos interesses particulares.'
No acórdão nº 8/95, afirma-se expressamente que:
'... qualquer que seja o entendimento [faculdade co-natural ao direito de recurso contencioso; instituto na disposição do legislador ordinário], a disposição aqui constitucionalmente impugnada [alínea b) do nº 1 do art. 76º LPTA], dando, como se referiu, conteúdo a uma ponderação judicial entre o interesse do requerente e o interesse público, situa-se no âmbito da «liberdade conformativa do legislador estabelecer requisitos» de suspensão de eficácia dos actos administrativos (preservando o conteúdo essencial de garantia estabelecida nos nºs 4 e 5 do artigo 268º da Constituição (Acórdão 303/94...). Acrescentar-se-á, aliás, que do carácter constitucionalmente lícito de ponderação de interesses estabelecido pelo artigo 76º, nº 1, da LPTA decorre a improcedência dos argumentos que o recorrente reporta ao artigo 18º da Constituição) [...].
[...] essa ponderação de interesses, dizíamos, não retira ao processo de suspensão de eficácia a natureza de «processo justo», designadamente com todas as garantias de exercício do contraditório. Neste contexto, aliás, a referência do recorrente a que verificação do requisito em causa ocorre «sem intervenção do julgador ou de agente imparcial», é incompreensível, estando, como está em causa uma decisão judicial que, precisamente, verificou se esse requisito existia ou não.
Igualmente, com a alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, não se vê (e o recorrente nada de concreto adianta a propósito) como uma norma que se limita a promover uma ponderação
(judicial) entre o interesse público e o interesse pessoal do requerente da suspensão, pode implicar qualquer diversidade arbitrária de tratamento ou pôr em causa qualquer das vertentes caracterizadoras do princípio da proporcionalidade
(v. o Acórdão nº 103/87, BMJ, 363, 314)'.
9. Nas alegações do ora recorrente não se aduzem argumento novos que imponham o afastamento desta linha jurisprudencial segura.
Admitindo-se que a suspensão de eficácia dos actos administrativos é um meio processual de natureza preventiva ou cautelar, não se vê o que possa haver de constitucionalmente censurável na opção do legislador de exigir que o requerente demonstre que existe periculum in mora, isto é, que da execução do acto decorre 'provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no processo'. Trata-se de uma ponderação dos interesses contrapostos, o da Administração de executar o acto administrativo, ainda que sujeito a impugnação contenciosa, o do administrado o de evitar que da execução do acto administrativo resulte um facto consumado que torne a tutela jurisdicional menos efectiva.
De facto, a lei do processo administrativo não exige que o prejuízo do administrado seja irreparável. Contenta-se com a prova de que seja de difícil reparação.
Ora, no caso sub judicio, o tribunal recorrido não considerou que o requerente houvesse demonstrado que seria dificilmente reparável o acto de demolição de certa construção (casa de vilegiatura em zona de lazer integrada num parque natural). A interpretação perfilhada na decisão recorrida da norma impugnada não sofre de inconstituciolidade, não dispondo o Tribunal Constitucional de competência para apreciar o modo como o Tribunal Administrativo de Círculo e o Supremo Tribunal Administrativo aplicaram em concreto a regra do ónus probatório.
Tão-pouco se pode dizer que a norma da alínea a) do nº 1 do art. 76º da LPTA esteja formulado em termos de resultar violado o princípio da precisão ou de determinação das leis. Não se mostra que a noção de prejuízo de difícil reparação traduza uma escassa densificação normativa. Bastaria referir formulações semelhantes que surgem em outros direitos processuais, em Portugal e em países do nosso círculo cultural.
II
10. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa,7 de Fevereiro de 1996
Ass) Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria Fernanda Palma
José Manuel Cardoso da Costa