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Proc. nº 178/95 ACÓRDÃO Nº 234/96
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A, com os sinais dos autos, foi condenado por acórdão de 11 de Outubro de 1991, proferido pelo tribunal colectivo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de ofensas corporais, previsto e punido pelo art. 144º, nº 2, do Código Penal, sendo absolvido do crime de homicídio tentado na pessoa do co-arguido B por que vinha acusado. A execução da pena foi suspensa por três anos.
Interposto recurso pelo co-arguido e assistente -que foi também condenado pela prática de crime de ofensas corporais - para o Supremo Tribunal da Justiça, veio este Alto Tribunal, por acórdão de 14 de Maio de 1992, a considerar que existia uma contradição insanável na fundamentação da decisão recorrida, determinando o reenvio do processo a outro tribunal de primeira instância para novo julgamento.
Realizado novo julgamento no Tribunal Judicial de Rio Maior, veio o arguido A a ser condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, na pena de cinco anos de prisão. O co-arguido veio, por seu turno, a ser condenado na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo (acórdão de 14 de Outubro de 1993).
Deste acórdão interpôs então recurso o arguido A para o Supremo Tribunal de Justiça. Na motivação do recurso não suscitou questões de constitucionalidade normativa, embora considerasse que a decisão condenatória havia violado o princípio 'in dubio pro reo'.
Por acórdão proferido em 12 de Maio de 1994 (a fls. 302 a 309 dos autos), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, mantendo inteiramente o acórdão recorrido.
Através do requerimento de fls. 312 e 313, veio o arguido A interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que aplicara o art. 416º do Código de Processo Penal vigente, 'norma cuja ilegalidade foi suscitada por requerimento' anteriormente apresentado. Aí se referiu que o mandatário do recorrente havia compulsado o processo em 17 de Maio de 1994, tendo verificado que o representante do Ministério Público tinha emitido nos autos um parecer a fls. 300, não tendo havido notificação desse parecer ao arguido recorrente. Teria, assim, havido desrespeito do princípio do contraditório, o que acarretaria nulidade do processado subsequente, bem como inconstitucionalidade do art. 416º da lei processual penal, por violação dos nºs
1 e 5 do art. 32º da Constituição. Paralelamente, e por requerimento de fls. 315 a 322, veio o mesmo arguido e recorrente arguir nulidades relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quer a decorrente do exercício da faculdade prevista no art. 416º do Código de Processo Penal pelo Ministério Público, sem contraditório, quer a nulidade por falta de fundamentação ao mesmo acórdão.
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de Janeiro de
1995, foi desatendida a reclamação por nulidades (a fls 325 a 328).
Na sequência de um pedido de esclarecimento do arguido recorrente, veio a ser corrigido um lapso material e a ser admitido o recurso de constitucionalidade (despacho de fls. 333).
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apresentaram alegações recorrente e recorrido Ministério Público.
O recorrente, partindo da circunstância de o representante do Ministério Público ter tido a possibilidade de emitir parecer nos autos, ao abrigo do art.
416º do Código de Processo Penal, sem o mesmo lhe ter sido notificado, considerou nas suas conclusões o seguinte:
'4- Foi violado, com tal procedimento, o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 32º da C.R.P.;
5- O artigo 416º do C.P. Penal na interpretação que subjaz àquele procedimento
é materialmente inconstitucional, por violar os referidos nºs 1 e 2 do artigo
32º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que impede - como impediu - os arguidos de exercerem o contraditório e na medida em que consagra poderes diferentes para o Ministério Público com supremacia deste na intervenção processual em relação ao arguido;
6- A nulidade a que ora se alude contamina todo o processado, desde o visto ao M.P.;
7- E é de conhecimento oficioso;
8- Pelo que podia e devia ter sido conhecida no acórdão proferido;
9- Pelo exposto, deve declarar-se inconstitucional a interpretação adoptada do artigo 416º do C.P.P. ao permitir que o M.P. possa emitir parecer em último lugar, podendo, assim, promunciar-se sobre questões importantes sem ser dado tal direito ao arguido, em manifesto prejuízo do princípio do contraditório e da igualdade de armas em processo penal entre defesa e acusação;
10- Pelo que deve anular-se todo o processo a partir da emissão do visto... notificando-se o recorrente para se pronunciar sobre o mesmo e seguindo-se os termos posteriores'.
O Ministério Público, por seu turno, formulou as seguintes conclusões:
'1º- Não tendo a «decisão recorrida» - o acórdão condenatório proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12 de Março de 1994 - feito aplicação da norma questionada pelo recorrente, a constante do artigo 416º do Código de Processo Penal, não se verifica um pressuposto de admissibilidade do recurso, pelo que não deverá dele conhecer-se.
2º- Não tendo, no caso dos autos, o representante do Ministério Público, na sequência da vista que lhe foi aberta em cumprimento daquela norma emitido qualquer parecer susceptível de agravar a posição do arguido - limitando-se a exarar a tabelar promoção de que se designasse dia para julgamento do recurso -
é manifesto que não ocorre a apontada inconstitucionalidade.
Termos em que não deverá conhecer-se do objecto do presente recurso, em consequência do atendimento da questão prévia suscitada'. (a fls. 348-349 dos autos)
3. Notificado o recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia suscitada, nada veio dizer aos autos.
4. Foram corridos os vistos sobre a questão prévia.
Importa, por isso, dela conhecer.
II
5. O presente processo penal desenrolou-se no âmbito da regulamentação do Código de Processo Penal de 1987 (abreviadamente, CPP).
Tendo o julgamento sido realizado perante tribunal colectivo, do respectivo acórdão cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 432º, alínea c), CPP). A motivação do recurso acompanha em regra o requerimento de interposição do recurso, o qual é apresentado no tribunal de primeira instância (arts. 411º, nºs 2 e 3, e 412º do mesmo diploma). Se o recorrente não declarar no requerimento de interposição de recurso que as alegações no Supremo Tribunal de Justiça serão produzidas por escrito, as mesmas são produzidas oralmente em audiência neste último Tribunal (arts. 423º, 434º e
435º CPP).
Na tramitação unitária dos recursos - isto é, quer estes sejam interpostos para as Relações, quer para o Supremo Tribunal de Justiça - prevê o art. 416º CPP que, logo que chegado ao tribunal ad quem e antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público, para colher o respectivo visto.
6. No caso dos autos, assim aconteceu. Após a distribuição no Supremo Tribunal de Justiça do recurso vindo do Tribunal Judicial de Rio Maior, o processo foi com vista ao Procurador-Geral Adjunto no tribunal de recurso, o qual se limitou a promover a marcação de dia para audiência de julgamento do recurso (promoção a fls. 300 dos autos).
Embora o teor desta promoção não tivesse sido notificado ao recorrente, o seu patrono veio, depois da promoção, a intervir na audiência de julgamento, tendo tido a possibilidade de acesso aos autos. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido em 12 de Maio de 1994.
Todavia, e como consta do relatório do presente acórdão, só depois de proferido esse acórdão e da respectiva notificação veio o recorrente a interpor recurso de constitucionalidade do mesmo e a arguir a nulidade da não notificação da promoção do Ministério Publico, alegando que só em 17 de Maio de 1994, ao compulsar os autos, o patrono do recorrente se havia apercebido do teor da promoção do Ministério Público.
7. Face ao que fica referido, há-de concluir-se que o Tribunal Constitucional não deve tomar conhecimento do presente recurso.
Por um lado, e como põe em relevo o representante do Ministério Público nas suas alegações, o ora recorrente interpôs recurso de constitucionalidade de uma decisão que não tinha manifestamente aplicado o art.
416º do Código de Processo Penal ( só o acórdão proferido sobre a arguição de nulidades aplicou esta norma).
Por outro lado, o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade - questão que haveria, processualmente, no caso, de configurar-se como uma arguição de nulidade - durante o processo, visto que, tendo o seu patrono comparecido na audiência de julgamento, devia e podia ter suscitado a questão de constitucionalidade do art. 416º CPP, de forma a que o Supremo Tribunal de Justiça se tivesse pronunciado sobre a respectiva questão de constitucionalidade, antes de extinto o seu poder de cognição, podendo até entender-se que tal arguição haveria de ser feita no prazo de cinco dias a contar da notificação da marcação do dia de audiência (art. 201º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do art. 4º do Código de Processo Penal).
De facto e diversamente do que se passava no Código de Processo Penal de 1929, o arguido tem acesso aos autos - ao menos, quando não opte por apresentar alegações escritas no Supremo Tribunal de Justiça, tal como se viu suceder no caso presente - antes de proferida a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo o ónus de suscitar a nulidade da falta de notificação da promoção do Ministério Público ou, pelo menos, a questão da constitucionalidade da norma do art. 416º do Código de Processo Penal, de forma a que o Supremo Tribunal de Justiça tome posição sobre essa questão durante o processo (cfr. sobre questões ligadas à constitucionalidade do art. 416º do Código de Processo Penal os acórdãos nºs 651/93 e 396/94, publicados no Diário da República, II Série, nºs 76, de 31 de Março de 1994 e 247, de 25 de Outubro do mesmo ano, respectivamente).
8. Ocorreu, assim, interposição de recurso de uma decisão que não se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade suscitada e, por outro lado, não foi a questão de constitucionalidade suscitada durante o processo, faltando, pois, os pressupostos processuais necessários para se conhecer do objecto do recurso.
III
9. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.
Lisboa,29 de Fevereiro de 1996
Ass) Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Dinis Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa